reggae em portugal

26-10-2004
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Reggae em Portugal

Sexta-feira, 08 de Outubro de 2004

jah cá canta

%miguel francisco cadete

As festas, os discos e os concertos sucedem-se como nunca. Os grupos portugueses que se inspiram no reggae - aqui tomado como sinónimo de música popular jamaicana - crescem com a força com que a cannabis medra nos trópicos e os envolvidos neste ressurgir da música da Jamaica julgam ter chegado a sua hora. O fenómeno não deixa de gerar apreensão: há quem julgue tratar-se de uma moda. Outros identificam nesta explosão tricolor o resultado de um trabalho de anos, levado a cabo por alguns dos históricos do reggae em Portugal. Algures no meio se encontrará a verdade.

Fernando Cabral é um dos produtores de eventos relacionados com o reggae. Antes de se estabelecer em Lisboa trabalhou durante oito meses na VP Records - uma das editoras responsáveis pelo actual surto do reggae nos EUA, onde se abrigam nomes como Beenie Man, Sean Paul, Luciano, Buju Banton ou Sizzla -, a que se seguiu, já em Lisboa, um estágio na filial nacional da Universal. Hoje vive do reggae, com Emerson Ferreira, sócio na Positive Vibes.

"Quando voltei para Portugal tive sempre a ideia de fazer qualquer coisa com reggae. Vivi em França dez anos, onde ia ver sound systems e concertos todos os fins de semana, e sempre estranhei que em Portugal não existisse nada. Começámos a fazer festinhas. A primeira, no Beach Boulevard de Carcavelos, em Dezembro de 2002, teve 400 pessoas. A segunda já teve 500 e a terceira 700, até que decidimos fazer coisas maiores. Foi quando produzimos concertos com quase todas as bandas portuguesas de reggae, como Kussondulola, Monte Cara, Prince Wadada, One Sun Tribe... Depois pássamos aos artistas internacionais."

A par das festas de reggae que acontecem diriamente em Lisboa, mas também em localidades limítrofes à beira-mar como Carcavelos, Estoril ou Guincho, os concertos ganharam novo ímpeto no último ano, no Verão. Para a Positive Vibes, o ponto de viragem terá sido o espectáculo que tinha como cabeça de cartaz Gentleman, que, no recinto da Voz do Operário, juntou 1700 dreads portugueses. "Esse concerto abriu os olhos a muita gente e agora dedicamo-nos a tempo inteiro a isto", confessa Fernando Cabral, descendente do independentista Amílcar Cabral e promotor do espectáculo que trará de volta a Portugal o alemão Patrice, uma das estrelas europeias de reggae - 30 de Outubro, numa tenda nas Docas de Alcântara, em Lisboa. Em Agosto, o mesmo Patrice já se apresentara em Lagos, numa versão à escala portuguesa do festival Sunsplash.

e os grupos foram surgindo. Do cartaz que trará de volta Patrice também fazem parte os portuenses Sattiva, um sound system nacional, um estrangeiro (ainda por definir) e Prince Wadada. Este angolano estabelecido em Portugal desde 1998 acabou de editar o segundo álbum, "Natty Congo", e foge a sete pés da palavra moda quando aplicada ao ressurgimento do reggae ou da variante dancehall [ver texto nas páginas anteriores] que é o seu estilo preferido.

"Sou músico de dancehall, um músico que faz uma espécie de new roots", esclarece, ao tentar definir o novo disco. Até porque se lembra dos obstáculos com que se deparou quando aterrou em Lisboa. "Tinha dificuldade em conseguir contactos. Não sabia com quem falar. Eram as dificuldades de um recém-chegado, a que se acrescentava a inexistência de eventos de reggae. Tudo mudou quando conheci o Johnny, da Cooltrain Crew. Foi ele que me levou a uma festa de uma organização anti-racista onde actuava um sound system. E foi nesse evento que conheci Janelo da Costa, que me convidou para fazer parte da digressão dos Kussondulola que se seguiu ao lançamento do segundo álbum deles. Cheguei a gravar para o terceiro disco deles e o Janelo apresentou-me mais tarde ao projecto Linha da Frente, do qual também vim a fazer parte".

Para Prince Wadada, o furor em torno do reggae é "fruto do trabalho de sound systems como Yes Mi Selecta, Fankambareggae, de bandas que têm aparecido, como Mercado Negro, One Love Family, Sativa,... Lembro-me que quando comecei aqui, cheguei a ter três pessoas na sala e agora virou moda. Já aconteceu estar em Santos a participar numa festa de reggae e, quatro portas ao lado, existir outra festa de reggae."

Ainda assim, o reggae em Portugal não é coisa de ontem. Na viragem dos anos 70 para os 80, o radialista Humberto Boto manteve um programa diário dedicado à música da Jamaica, emitido pela Rádio Comercial, da meia-noite à uma. Nos anos 80, a discoteca Jamaica tornou-se conhecida por divulgar a música de Bob Marley e de outros profetas do reggae, sobretudo pela mão de Mário Dias, outro radialista, hoje na TSF. E a sul, a partir de Albufeira, Papa Paulo [ver caixa] começava a manifestar a sua paixão pelo reggae que faz dele um divulgador militante do género, através da rádio.

Apesar de existirem desde os anos 80, os Kussondulola - que ostentam o título de primeira banda de reggae em Portugal - só viriam a editar o primeiro álbum, "Tá-se Bem", em 1995. Seguiu-se "Baza NãoBaza" (1998) e "Amor é Bué" (2001), último registo de originais. Para aproveitar a onda, a EMI lançou este Verão um "best of" mas no site oficial da banda está anunciado novo disco em que colaboram várias figuras da música portuguesa.

Desde então outros grupos foram surgindo, como One Love Family (constituídos por membros de uma mesma família), Terrakota, Mercado Negro e Monte Cara, mas com o advento da cultura DJ são os sound systems à moda jamaicana que se espalham por todo o lado. Desde o Kintal do Dub (que juntava Messias, dos Kussondulola e Mercado Negro, a Papa Paulo), ao Fankambareggae (de Janelo da Costa, também dos Kussondulola), do Yes Mi Selecta ao Dubadelic Sound System, dos Reggae Portugal Sound System (Algarve) ao Mighty Sound System (Coimbra), surge uma profusão de selectors e DJs (a que correspondem, respectivamente, os DJs e MCs da cultura hip-hop) que tem levado o reggae a inúmeras festas.

Prince Wadada é figura omnipresente e gosta de especificar os limites e origens da sua arte. "O meu reggae também tem algo de música angolana mas eu diria que isso é natural ou instintivo. Sabendo que África, em termos musicais, é um continente tão rico seria uma estupidez não aproveitar isso. As minhas letras também reflectem aquilo que se passa em Angola." Um manifesto que não contraria o facto de o reggae em Portugal ser oriundo da comunidade angolana, afinal a origem de grande parte daquela que hoje é a população jamaicana, povoada em Quinhentos por escravos oriundos de Angola. Fernando Cabral diz mesmo que Portugal tem tudo "para ser um país de reggae: sol, praia, boa comidas e vibrações positivas."

DJ Johnny tornou-se conhecido no final dos anos 90 quando lançou, com os seus parceiros da Cooltrain Crew, o drum'n'bass em Portugal. Contudo, a música negra foi sempre uma das suas predilecções e o reggae também não lhe escapa. Foi um dos fundadores, com Janelo, Lexo, Wadada e Toy, do Fankambareggae, sendo hoje um dos impulsionadores das noites de reggae. Dia 14 vai estar no Neutro Clun (ex-Álcool Puro) para animar uma festa. Apesar do trabalho que vem desenvolvendo há anos, não acredita que o actual êxito do reggae fosse possível sem um empurrão do exterior.

"Isto que está a acontecer é um fenómeno internacional. Muitos géneros de música perceberam que iam dar ao reggae ou que vinham do reggae e começaram assumir a influência. E depois, o reggae está melhor do que nunca, com uma variedade de géneros e estilos, o que faz com que haja reggae para todos os gostos: desde o mais interventivo até ao que apela à linguagem do sexo. Cá, as coisas também estão grandes porque as pessoas não conheciam esta vertente do dancehall, o que veio fazer com que o Sean Paul, por exemplo, fosse uma surpresa. As pessoas quiseram mais e a MTV também começou a apostar. Depois já se sabe como é: vai de arrasto.

Reggae em Portugal

Sexta-feira, 08 de Outubro de 2004

jah cá canta

%miguel francisco cadete

As festas, os discos e os concertos sucedem-se como nunca. Os grupos portugueses que se inspiram no reggae - aqui tomado como sinónimo de música popular jamaicana - crescem com a força com que a cannabis medra nos trópicos e os envolvidos neste ressurgir da música da Jamaica julgam ter chegado a sua hora. O fenómeno não deixa de gerar apreensão: há quem julgue tratar-se de uma moda. Outros identificam nesta explosão tricolor o resultado de um trabalho de anos, levado a cabo por alguns dos históricos do reggae em Portugal. Algures no meio se encontrará a verdade.

Fernando Cabral é um dos produtores de eventos relacionados com o reggae. Antes de se estabelecer em Lisboa trabalhou durante oito meses na VP Records - uma das editoras responsáveis pelo actual surto do reggae nos EUA, onde se abrigam nomes como Beenie Man, Sean Paul, Luciano, Buju Banton ou Sizzla -, a que se seguiu, já em Lisboa, um estágio na filial nacional da Universal. Hoje vive do reggae, com Emerson Ferreira, sócio na Positive Vibes.

"Quando voltei para Portugal tive sempre a ideia de fazer qualquer coisa com reggae. Vivi em França dez anos, onde ia ver sound systems e concertos todos os fins de semana, e sempre estranhei que em Portugal não existisse nada. Começámos a fazer festinhas. A primeira, no Beach Boulevard de Carcavelos, em Dezembro de 2002, teve 400 pessoas. A segunda já teve 500 e a terceira 700, até que decidimos fazer coisas maiores. Foi quando produzimos concertos com quase todas as bandas portuguesas de reggae, como Kussondulola, Monte Cara, Prince Wadada, One Sun Tribe... Depois pássamos aos artistas internacionais."

A par das festas de reggae que acontecem diriamente em Lisboa, mas também em localidades limítrofes à beira-mar como Carcavelos, Estoril ou Guincho, os concertos ganharam novo ímpeto no último ano, no Verão. Para a Positive Vibes, o ponto de viragem terá sido o espectáculo que tinha como cabeça de cartaz Gentleman, que, no recinto da Voz do Operário, juntou 1700 dreads portugueses. "Esse concerto abriu os olhos a muita gente e agora dedicamo-nos a tempo inteiro a isto", confessa Fernando Cabral, descendente do independentista Amílcar Cabral e promotor do espectáculo que trará de volta a Portugal o alemão Patrice, uma das estrelas europeias de reggae - 30 de Outubro, numa tenda nas Docas de Alcântara, em Lisboa. Em Agosto, o mesmo Patrice já se apresentara em Lagos, numa versão à escala portuguesa do festival Sunsplash.

e os grupos foram surgindo. Do cartaz que trará de volta Patrice também fazem parte os portuenses Sattiva, um sound system nacional, um estrangeiro (ainda por definir) e Prince Wadada. Este angolano estabelecido em Portugal desde 1998 acabou de editar o segundo álbum, "Natty Congo", e foge a sete pés da palavra moda quando aplicada ao ressurgimento do reggae ou da variante dancehall [ver texto nas páginas anteriores] que é o seu estilo preferido.

"Sou músico de dancehall, um músico que faz uma espécie de new roots", esclarece, ao tentar definir o novo disco. Até porque se lembra dos obstáculos com que se deparou quando aterrou em Lisboa. "Tinha dificuldade em conseguir contactos. Não sabia com quem falar. Eram as dificuldades de um recém-chegado, a que se acrescentava a inexistência de eventos de reggae. Tudo mudou quando conheci o Johnny, da Cooltrain Crew. Foi ele que me levou a uma festa de uma organização anti-racista onde actuava um sound system. E foi nesse evento que conheci Janelo da Costa, que me convidou para fazer parte da digressão dos Kussondulola que se seguiu ao lançamento do segundo álbum deles. Cheguei a gravar para o terceiro disco deles e o Janelo apresentou-me mais tarde ao projecto Linha da Frente, do qual também vim a fazer parte".

Para Prince Wadada, o furor em torno do reggae é "fruto do trabalho de sound systems como Yes Mi Selecta, Fankambareggae, de bandas que têm aparecido, como Mercado Negro, One Love Family, Sativa,... Lembro-me que quando comecei aqui, cheguei a ter três pessoas na sala e agora virou moda. Já aconteceu estar em Santos a participar numa festa de reggae e, quatro portas ao lado, existir outra festa de reggae."

Ainda assim, o reggae em Portugal não é coisa de ontem. Na viragem dos anos 70 para os 80, o radialista Humberto Boto manteve um programa diário dedicado à música da Jamaica, emitido pela Rádio Comercial, da meia-noite à uma. Nos anos 80, a discoteca Jamaica tornou-se conhecida por divulgar a música de Bob Marley e de outros profetas do reggae, sobretudo pela mão de Mário Dias, outro radialista, hoje na TSF. E a sul, a partir de Albufeira, Papa Paulo [ver caixa] começava a manifestar a sua paixão pelo reggae que faz dele um divulgador militante do género, através da rádio.

Apesar de existirem desde os anos 80, os Kussondulola - que ostentam o título de primeira banda de reggae em Portugal - só viriam a editar o primeiro álbum, "Tá-se Bem", em 1995. Seguiu-se "Baza NãoBaza" (1998) e "Amor é Bué" (2001), último registo de originais. Para aproveitar a onda, a EMI lançou este Verão um "best of" mas no site oficial da banda está anunciado novo disco em que colaboram várias figuras da música portuguesa.

Desde então outros grupos foram surgindo, como One Love Family (constituídos por membros de uma mesma família), Terrakota, Mercado Negro e Monte Cara, mas com o advento da cultura DJ são os sound systems à moda jamaicana que se espalham por todo o lado. Desde o Kintal do Dub (que juntava Messias, dos Kussondulola e Mercado Negro, a Papa Paulo), ao Fankambareggae (de Janelo da Costa, também dos Kussondulola), do Yes Mi Selecta ao Dubadelic Sound System, dos Reggae Portugal Sound System (Algarve) ao Mighty Sound System (Coimbra), surge uma profusão de selectors e DJs (a que correspondem, respectivamente, os DJs e MCs da cultura hip-hop) que tem levado o reggae a inúmeras festas.

Prince Wadada é figura omnipresente e gosta de especificar os limites e origens da sua arte. "O meu reggae também tem algo de música angolana mas eu diria que isso é natural ou instintivo. Sabendo que África, em termos musicais, é um continente tão rico seria uma estupidez não aproveitar isso. As minhas letras também reflectem aquilo que se passa em Angola." Um manifesto que não contraria o facto de o reggae em Portugal ser oriundo da comunidade angolana, afinal a origem de grande parte daquela que hoje é a população jamaicana, povoada em Quinhentos por escravos oriundos de Angola. Fernando Cabral diz mesmo que Portugal tem tudo "para ser um país de reggae: sol, praia, boa comidas e vibrações positivas."

DJ Johnny tornou-se conhecido no final dos anos 90 quando lançou, com os seus parceiros da Cooltrain Crew, o drum'n'bass em Portugal. Contudo, a música negra foi sempre uma das suas predilecções e o reggae também não lhe escapa. Foi um dos fundadores, com Janelo, Lexo, Wadada e Toy, do Fankambareggae, sendo hoje um dos impulsionadores das noites de reggae. Dia 14 vai estar no Neutro Clun (ex-Álcool Puro) para animar uma festa. Apesar do trabalho que vem desenvolvendo há anos, não acredita que o actual êxito do reggae fosse possível sem um empurrão do exterior.

"Isto que está a acontecer é um fenómeno internacional. Muitos géneros de música perceberam que iam dar ao reggae ou que vinham do reggae e começaram assumir a influência. E depois, o reggae está melhor do que nunca, com uma variedade de géneros e estilos, o que faz com que haja reggae para todos os gostos: desde o mais interventivo até ao que apela à linguagem do sexo. Cá, as coisas também estão grandes porque as pessoas não conheciam esta vertente do dancehall, o que veio fazer com que o Sean Paul, por exemplo, fosse uma surpresa. As pessoas quiseram mais e a MTV também começou a apostar. Depois já se sabe como é: vai de arrasto.

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