Visão Negativa Sobre Imigração É "Demagógica" e "Extremista"
Por RICARDO DIAS FELNER
Sexta-feira, 19 de Setembro de 2003 Entrevista com Feliciano Barreiras Duarte Numa entrevista com vários recados para Paulo Portas, Barreiras Duarte contraria a ideia de que os portugueses desempregados devem preocupar-se com a imigração. E anuncia medidas, benéficas para os trabalhadores estrangeiros, que vão mesmo mais longe do que eram as intenções iniciais do próprio PSD. P. - Já há indicadores sobre o número de imigrantes que poderão entrar em Portugal com vistos de trabalho em 2004? R. - O que lhe posso dizer é que o Ministério da Presidência e eu acordámos que só nos pronunciaremos depois de a proposta de relatório nos ser entregue. Tudo o que agora se possa dizer pode ser um erro, porque a divulgação do relatório e a definição da quota será determinada em conjunto com outras decisões na área da imigração, nomeadamente a concretização da regulamentação da lei da imigração. P. - De qualquer forma existe já um parecer que aponta para que essa quota seja de 3500 imigrantes. R. - Nada disso é oficial. Nem ainda houve uma comunicação do Ministério do Trabalho, que é o responsável pelo parecer. Mas, a concretizar-se esse número, temos de ter em conta outros aspectos, como os imigrantes que poderão entrar no âmbito do reagrupamento familiar. Portanto, não nos devemos precipitar. Penso que dentro de duas, três semanas teremos estes números muito claros, que irão ser divulgados em simultâneo com outras decisões que consideramos muito relevantes para os imigrantes. P. - Mas a tendência é para restringir a imigração a zero? R. - A tendência será aquela que as necessidades do país indicarem. E repare que, neste momento, nós entendemos que as questões ideológicas têm de desaparecer de uma vez por todas das políticas de imigração. Porque não há uma maneira nem de esquerda nem de direita de resolver os problemas da imigração. O que nós tivemos como herança é que a maior parte desses problemas não foram resolvidos. E, portanto, se lhe disser que Portugal só poderá acolher determinado número de imigrantes sem termos todos os estudos que estamos a fazer em vários ministérios, não estarei a ser rigoroso. Veja decisões recentes: a necessidade de dar oportunidade aos brasileiros para regularizarem a sua situação; a necessidade, agora, de dar uma oportunidade ou não para os imigrantes ilegais, que já fizeram descontos para a segurança social, para que eles resolvam a sua situação... P. - É, portanto, intenção do Governo regularizar a situação dos imigrantes ilegais que já fizeram descontos e pagaram impostos? R. - É uma intenção do Governo. E, por isso, é que eu lhe queria dizer que, a este nível, não estamos a ver, isoladamente, o relatório das oportunidades de emprego. Na preparação do decreto regulamentar da lei de imigração estamos a tentar encontrar a melhor formulação jurídica que permita resolver três macropreocupações que temos: primeiro, permitir que todos os imigrantes ilegais que estão em Portugal, mas que fizeram já descontos para a segurança social e para o fisco, ou seja, pagaram impostos - e que o já fizeram durante determinado tempo - possam legalizar-se. O Estado português não pode receber contribuições fiscais ou para a segurança social - estabelecendo, nessa condição, uma relação jurídica com determinadas pessoas -, mas, por outro lado, não reconhecer às pessoas a possibilidade de se legalizarem. Pretendemos, também, de uma vez por todas, esclarecer e dar condições para que se processe o reagrupamento familiar. Temos de reconhecer que - e há estudos nesse sentido - o país poderá ganhar muito com isto: para além do facto de as famílias deixarem de estar divididas, serão menos remessas que irão para fora do país. A terceira preocupação é a de tentar regulamentar também a questão das crianças filhas de pais ilegais: é justo que essas crianças, enquanto estiverem em Portugal, possam ter acesso a alguns direitos, nomeadamente na área da saúde. P. - Isso revela uma evolução do Governo nesta matéria... R. - No Ministério da Presidência, e sabe que há outros organismos com esta área, a nossa preocupação é a integração, que é o grosso da coluna. Temos de abordar a questão da imigração pela positiva. Não podemos querer pôr portugueses contra estrangeiros, nem estrangeiros contra português. P. - Há quem diga que foi isso que fez precisamente o ministro de Estado e da Defesa, Paulo Portas, no seu discurso da "rentrée", quando mostrou preocupação com o facto de os imigrantes poderem roubar empregos aos portugueses. Como é que comenta essas declarações do doutor Paulo Portas? R. - Aquilo que eu lhe posso dizer é que a política da imigração deste Governo é uma só, foi definida pelo sr. primeiro-ministro e consta do programa do Governo. O sr. primeiro-ministro já disse várias vezes que se orgulha do facto de umas das marcas deste Governo ser na área da imigração; e que entende a imigração numa perspectiva positiva, que ela deve ser algo que possa unir os portugueses. Até, recentemente, o Presidente da República, ao fazer uma Presidência Aberta sobre a imigração, deu o exemplo de que, nesta matéria, estava em concordância quase total com a política do Governo. Para nós, Governo, a imigração é uma coisa positiva para o país. Aliás, há estudos que atestam que, só no ano 2001, os imigrantes deram de lucro ao país mais de 65 milhões de contos. Não podemos, por isso, acusar os imigrantes de alguns males que o país tem. E não nos podemos esquecer que somos um país de emigrantes, e que muitos dos problemas que os imigrantes que estão em Portugal sentem, actualmente, foram durante muitos anos os problemas que os emigrantes portugueses sentiram quando se tentaram integrar noutros países. Isto para lhe dizer que procuro ser fiel às orientações que me são dadas pelo ministro da Presidência, pelo primeiro-ministro e pelo programa do Governo. P. - A orientação do dr. Paulo Portas não lhe interessa, portanto? R. - Como deve imaginar, a interpretação que eu posso dar à sua pergunta... permita-me que diga, eu sou ingénuo... mas eu não vou entrar nesse tipo de situações. O que me interessa pôr em prática é a política do Governo. E essa política é clara. A imigração é positiva para o país. Acho que podemos interpretar como sendo demagógica uma visão extremista que diz que Portugal não precisa de ter imigrantes porque estão a tirar trabalho aos portugueses. Como será demagógica uma visão extremista que defende que Portugal pode receber todo o tipo de imigrantes. P. - A imigração é ou não uma das áreas que divide o PSD e o PP, neste momento? R. - Na minha actividade regular, com todos os membros do Governo que tratam destas matérias, até ao momento, não senti uma divisão a esses níveis. P. - Não estão a existir, por exemplo, problemas com a regulamentação da lei da imigração, que, como sabe, está atrasada? R. - É óbvio que existem muitas vezes diferentes avaliações, que decorrem do papel que cada ministério implicado na política de imigração faz. É natural que isso aconteça. Mas o que importa é o resultado final. P. - Mas, neste caso, ainda não há resultado final, porque ainda não há regulamentação? R. - Essa é uma competência do Ministério da Administração Interna, o impulso tem de partir daí. Mas de qualquer forma percebi que tudo isto teve também que ver com a necessidade de resolver a situação dos brasileiros ilegais. Penso, contudo, que até ao final do mês de Setembro - na pior das hipóteses, princípios de Outubro -, a regulamentação da lei da imigração estará concluída. Pela positiva. P. - Ficou surpreendido com o número de imigrantes brasileiros (30 mil) que já manifestaram vontade de se legalizarem? R. - Sim, contávamos com menos. Apontávamos para 15 mil. Estamos a procurar fazer um estudo apurado de onde é que vieram, se preenchem os requisitos, se chegaram a Portugal antes ou depois de 11 de Julho. P. - Este processo não foi uma legalização extraordinária? Não vai contra a política inicialmente anunciada pelo Governo, de não haver excepções? R. - Nós estamos preocupados com os imigrantes que queiram vir, mas também com aqueles que já cá estão. Não podemos fechar os olhos a uma herança que recebemos. Isto é um reconhecimento de que existem cidadãos brasileiros... P. - Mas também cabo-verdianos, ucranianos... R. - É por isso que no processo de regulamentação da lei vamos ter em conta todos aqueles que também já estavam a trabalhar em Portugal e descontavam para a segurança social e pagavam impostos. A concretizar-se este acordo com o Brasil, bem como a regulamentação da lei, podemos acabar o ano com mais 60 ou 70 mil imigrantes do que tínhamos no início do ano. OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Governo corrige discurso de Portas sobre imigração
Visão negativa sobre imigração é "demagógica" e "extremista"
Moção de Portas associa desemprego e imigração
Categorias
Entidades
Visão Negativa Sobre Imigração É "Demagógica" e "Extremista"
Por RICARDO DIAS FELNER
Sexta-feira, 19 de Setembro de 2003 Entrevista com Feliciano Barreiras Duarte Numa entrevista com vários recados para Paulo Portas, Barreiras Duarte contraria a ideia de que os portugueses desempregados devem preocupar-se com a imigração. E anuncia medidas, benéficas para os trabalhadores estrangeiros, que vão mesmo mais longe do que eram as intenções iniciais do próprio PSD. P. - Já há indicadores sobre o número de imigrantes que poderão entrar em Portugal com vistos de trabalho em 2004? R. - O que lhe posso dizer é que o Ministério da Presidência e eu acordámos que só nos pronunciaremos depois de a proposta de relatório nos ser entregue. Tudo o que agora se possa dizer pode ser um erro, porque a divulgação do relatório e a definição da quota será determinada em conjunto com outras decisões na área da imigração, nomeadamente a concretização da regulamentação da lei da imigração. P. - De qualquer forma existe já um parecer que aponta para que essa quota seja de 3500 imigrantes. R. - Nada disso é oficial. Nem ainda houve uma comunicação do Ministério do Trabalho, que é o responsável pelo parecer. Mas, a concretizar-se esse número, temos de ter em conta outros aspectos, como os imigrantes que poderão entrar no âmbito do reagrupamento familiar. Portanto, não nos devemos precipitar. Penso que dentro de duas, três semanas teremos estes números muito claros, que irão ser divulgados em simultâneo com outras decisões que consideramos muito relevantes para os imigrantes. P. - Mas a tendência é para restringir a imigração a zero? R. - A tendência será aquela que as necessidades do país indicarem. E repare que, neste momento, nós entendemos que as questões ideológicas têm de desaparecer de uma vez por todas das políticas de imigração. Porque não há uma maneira nem de esquerda nem de direita de resolver os problemas da imigração. O que nós tivemos como herança é que a maior parte desses problemas não foram resolvidos. E, portanto, se lhe disser que Portugal só poderá acolher determinado número de imigrantes sem termos todos os estudos que estamos a fazer em vários ministérios, não estarei a ser rigoroso. Veja decisões recentes: a necessidade de dar oportunidade aos brasileiros para regularizarem a sua situação; a necessidade, agora, de dar uma oportunidade ou não para os imigrantes ilegais, que já fizeram descontos para a segurança social, para que eles resolvam a sua situação... P. - É, portanto, intenção do Governo regularizar a situação dos imigrantes ilegais que já fizeram descontos e pagaram impostos? R. - É uma intenção do Governo. E, por isso, é que eu lhe queria dizer que, a este nível, não estamos a ver, isoladamente, o relatório das oportunidades de emprego. Na preparação do decreto regulamentar da lei de imigração estamos a tentar encontrar a melhor formulação jurídica que permita resolver três macropreocupações que temos: primeiro, permitir que todos os imigrantes ilegais que estão em Portugal, mas que fizeram já descontos para a segurança social e para o fisco, ou seja, pagaram impostos - e que o já fizeram durante determinado tempo - possam legalizar-se. O Estado português não pode receber contribuições fiscais ou para a segurança social - estabelecendo, nessa condição, uma relação jurídica com determinadas pessoas -, mas, por outro lado, não reconhecer às pessoas a possibilidade de se legalizarem. Pretendemos, também, de uma vez por todas, esclarecer e dar condições para que se processe o reagrupamento familiar. Temos de reconhecer que - e há estudos nesse sentido - o país poderá ganhar muito com isto: para além do facto de as famílias deixarem de estar divididas, serão menos remessas que irão para fora do país. A terceira preocupação é a de tentar regulamentar também a questão das crianças filhas de pais ilegais: é justo que essas crianças, enquanto estiverem em Portugal, possam ter acesso a alguns direitos, nomeadamente na área da saúde. P. - Isso revela uma evolução do Governo nesta matéria... R. - No Ministério da Presidência, e sabe que há outros organismos com esta área, a nossa preocupação é a integração, que é o grosso da coluna. Temos de abordar a questão da imigração pela positiva. Não podemos querer pôr portugueses contra estrangeiros, nem estrangeiros contra português. P. - Há quem diga que foi isso que fez precisamente o ministro de Estado e da Defesa, Paulo Portas, no seu discurso da "rentrée", quando mostrou preocupação com o facto de os imigrantes poderem roubar empregos aos portugueses. Como é que comenta essas declarações do doutor Paulo Portas? R. - Aquilo que eu lhe posso dizer é que a política da imigração deste Governo é uma só, foi definida pelo sr. primeiro-ministro e consta do programa do Governo. O sr. primeiro-ministro já disse várias vezes que se orgulha do facto de umas das marcas deste Governo ser na área da imigração; e que entende a imigração numa perspectiva positiva, que ela deve ser algo que possa unir os portugueses. Até, recentemente, o Presidente da República, ao fazer uma Presidência Aberta sobre a imigração, deu o exemplo de que, nesta matéria, estava em concordância quase total com a política do Governo. Para nós, Governo, a imigração é uma coisa positiva para o país. Aliás, há estudos que atestam que, só no ano 2001, os imigrantes deram de lucro ao país mais de 65 milhões de contos. Não podemos, por isso, acusar os imigrantes de alguns males que o país tem. E não nos podemos esquecer que somos um país de emigrantes, e que muitos dos problemas que os imigrantes que estão em Portugal sentem, actualmente, foram durante muitos anos os problemas que os emigrantes portugueses sentiram quando se tentaram integrar noutros países. Isto para lhe dizer que procuro ser fiel às orientações que me são dadas pelo ministro da Presidência, pelo primeiro-ministro e pelo programa do Governo. P. - A orientação do dr. Paulo Portas não lhe interessa, portanto? R. - Como deve imaginar, a interpretação que eu posso dar à sua pergunta... permita-me que diga, eu sou ingénuo... mas eu não vou entrar nesse tipo de situações. O que me interessa pôr em prática é a política do Governo. E essa política é clara. A imigração é positiva para o país. Acho que podemos interpretar como sendo demagógica uma visão extremista que diz que Portugal não precisa de ter imigrantes porque estão a tirar trabalho aos portugueses. Como será demagógica uma visão extremista que defende que Portugal pode receber todo o tipo de imigrantes. P. - A imigração é ou não uma das áreas que divide o PSD e o PP, neste momento? R. - Na minha actividade regular, com todos os membros do Governo que tratam destas matérias, até ao momento, não senti uma divisão a esses níveis. P. - Não estão a existir, por exemplo, problemas com a regulamentação da lei da imigração, que, como sabe, está atrasada? R. - É óbvio que existem muitas vezes diferentes avaliações, que decorrem do papel que cada ministério implicado na política de imigração faz. É natural que isso aconteça. Mas o que importa é o resultado final. P. - Mas, neste caso, ainda não há resultado final, porque ainda não há regulamentação? R. - Essa é uma competência do Ministério da Administração Interna, o impulso tem de partir daí. Mas de qualquer forma percebi que tudo isto teve também que ver com a necessidade de resolver a situação dos brasileiros ilegais. Penso, contudo, que até ao final do mês de Setembro - na pior das hipóteses, princípios de Outubro -, a regulamentação da lei da imigração estará concluída. Pela positiva. P. - Ficou surpreendido com o número de imigrantes brasileiros (30 mil) que já manifestaram vontade de se legalizarem? R. - Sim, contávamos com menos. Apontávamos para 15 mil. Estamos a procurar fazer um estudo apurado de onde é que vieram, se preenchem os requisitos, se chegaram a Portugal antes ou depois de 11 de Julho. P. - Este processo não foi uma legalização extraordinária? Não vai contra a política inicialmente anunciada pelo Governo, de não haver excepções? R. - Nós estamos preocupados com os imigrantes que queiram vir, mas também com aqueles que já cá estão. Não podemos fechar os olhos a uma herança que recebemos. Isto é um reconhecimento de que existem cidadãos brasileiros... P. - Mas também cabo-verdianos, ucranianos... R. - É por isso que no processo de regulamentação da lei vamos ter em conta todos aqueles que também já estavam a trabalhar em Portugal e descontavam para a segurança social e pagavam impostos. A concretizar-se este acordo com o Brasil, bem como a regulamentação da lei, podemos acabar o ano com mais 60 ou 70 mil imigrantes do que tínhamos no início do ano. OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Governo corrige discurso de Portas sobre imigração
Visão negativa sobre imigração é "demagógica" e "extremista"
Moção de Portas associa desemprego e imigração