Sampaio, esquerda e populismo

12-08-2004
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Sampaio, Esquerda e Populismo

Por A OPINIÃO DE JORGE ALMEIDA FERNANDES

Terça-feira, 13 de Julho de 2004 A decisão do Presidente da República de não dissolver o Parlamento manifesta Aindependência em relação à maioria que o elegeu e beneficia a esquerda perante a nova direita populista. O PS não o percebeu. Ambas as partes tinham declarado respeitar a decisão presidencial, pois as alternativas eram consensualmente constitucionais. No entanto, qualquer decisão seria protestada. Tivesse o PR optado pela dissolução e haveria uma berraria de Pedro Santana Lopes, para lançar a campanha eleitoral na posição favorita dum populista: a vitimização. 1. Surpresa foi o tom da "indignação" socialista, ou melhor, do clã dirigente do partido. O resto, é teatro. Frisou Vasco Pulido Valente que a maioria dos dirigentes socialistas protestou, mas "exultou" por se livrar de Ferro. Eduardo Ferro Rodrigues demitiu-se pela sua derrota (derrota?) "pessoal e política". Quis ser dramático: foi patético. O que foi confirmado pela reacção de alguns apoiantes. Renegaram Sampaio. A diplomata Ana Gomes, depois de se arrepender de ter votado Sampaio, deu o mote ao ler uma mensagem recebida no telemóvel: "Uma maioria, um governo, um Presidente" (antiga palavra de ordem de Sá Carneiro). Sampaio era remetido para o inferno, como novo chefe da direita. Fora do PS, o mais célebre sociólogo de Coimbra associou, subliminarmente, a morte de Lurdes Pintasilgo à decisão de Sampaio. Da exasperação de Carvalhas e de Louçã não vale a pena falar. Este comportamento revela que, por razões de base eleitoral e de amizade, uma parte do grupo dirigente socialista tem uma concepção patrimonial do PR. Sampaio não teria sido eleito para ser "presidente de todos os portugueses" e, como tal, árbitro político e garante constitucional, mas para favorecer o PS na hora decisiva. Mais séria é a miopia em relação à decisão de Belém. A direcção do PS intoxicou-se a si mesma com os resultados das europeias e de sondagens, sem se interrogar sobre elas. Os eleitores do PS têm Ferro na conta de político sério, mas sabiam que era já um líder transitório e com a credibilidade política irremediavelmente ferida. A demissão de Barroso surgiu ao grupo de Ferro como a ilusória oportunidade de sobrevivência, através de eleições imediatas e um regresso ao poder. Alguns ingénuos acreditaram inclusive numa maioria absoluta, graças à impopularidade do governo. Fiados nas europeias - um voto de protesto -, não perceberam que esta campanha eleitoral mudaria radicalmente o quadro: o PSD de Santana distanciar-se-ia de Ferreira Leite e de Barroso e prometeria o bodo aos pobres e a retoma económica. E aqui reside o logro. Provavelmente, ninguém mais do que Santana Lopes desejaria eleições, ao contrário do que ele declarava. Vêm aí "tempos fascinantes", limitou-se a dizer, num provável lapso, quando mais se falava na dissolução. O novo PSD populista não teria pela frente um PS ganhador, mas um PS na pior crise desde 1984. A seguir às europeias, Jorge Coelho baixou as expectativas dizendo que aquela vitória era apenas o começo da construção de uma alternativa eleitoral credível. E mesmo se o PS ganhasse tangencialmente? Quem iria para o governo? Seria a agonia de um executivo fraco e minoritário, seguida de eleições e de uma provável maioria absoluta do PSD, que, essa sim, deixaria Santana à solta. 2. Como populista, Santana passa por mau governante. A sua gestão da Cultura (com Cavaco) foi má e igual terá sido a de Lisboa, de que já não prestará contas aos eleitores. O populista simplifica os problemas, cuja resolução substitui por passes de mágica, como ele fez no Parque Mayer. Encheu as ruas de Lisboa de cartazes, travestido de Pombal. A deriva populista de Santana tem sido, aliás, mais sublinhada entre gente do PSD do que no PS. Questão de experiência. Santana é um populista "light". Não é xenófobo, nem é Berlusconi, a quem já o compararam: não é o bilionário capaz de corromper em massa, nem o dono das televisões. Também não seguiu o modelo habitual dos populistas - fundar um pequeno partido de que se tornam donos ou comprarem-no em saldo, como Monteiro e Portas fizeram com o CDS. Tornou-se acidentalmente presidente de um dos dois grandes partidos, o que tem consequências. Um dos méritos indirectos da decisão presidencial é forçar o PSD a fazer uma verificação: torna-se populista? O PSD sabe que, mais tarde ou mais cedo, prestará contas ao eleitorado pela sua opção. Para Santana é vital ir a votos. Uma das características do estilo populista é o desprezo das instituições e das regras em nome da ligação directa ao povo. Quando o nome de Santana foi contestado no PSD, casos de Ferreira Leite, Pacheco Pereira ou Miguel Veiga, respondeu na televisão um autarca do PSD: esses senhores ganharam eleições? (Por acaso tinham ganho). A democracia não é só o voto, é também a separação dos poderes. "Os populistas não gostam dos bancos centrais, nem dos juízes, nem das autoridades independentes, nem da Europa, nem da globalização, que constituem outros tantos obstáculos à expressão do 'verdadeiro povo'" (Yves Mény). O populismo cresce quando a democracia representativa funciona mal e frustra os cidadãos. Não podendo ir agora a votos, no cenário ideal de um PS desconjuntado, Santana apostará tudo daqui a dois anos. O populismo não é uma ideologia nem um programa, "é um camaleão oportunista". Com Sampaio na Presidência, que o amarrou ao programa de Barroso, e sem legitimidade eleitoral directa, vestirá provavelmente a pele de homem de Estado. Até às eleições. Se o não devemos subestimar enquanto máquina eleitoral, devemos também avaliar os seus limites. Tem pés de barro. 3. Em dois anos, o Partido Socialista tem a oportunidade de oferecer ao país uma alternativa ao populismo. É o que a esquerda deve a Sampaio. O PR é "garante" e não "notário", disse. É em situações de crise que se verifica a importância do Presidente, deste e do que se lhe seguirá. O que se passou revaloriza as presidenciais de 2006. OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Santana foi indigitado e faz Governo em segredo

Mudança de ministérios não entusiasma associações

ANMP concorda, PS e sindicatos nem por isso

PCP marca comício e avança com moção de rejeição

Bloco acusa Santana de destruir cartazes contra Santana

Um compromisso deixado

Nome do sucessor em Lisboa esta semana

Sampaio, esquerda e populismo

Sampaio, Esquerda e Populismo

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Terça-feira, 13 de Julho de 2004 A decisão do Presidente da República de não dissolver o Parlamento manifesta Aindependência em relação à maioria que o elegeu e beneficia a esquerda perante a nova direita populista. O PS não o percebeu. Ambas as partes tinham declarado respeitar a decisão presidencial, pois as alternativas eram consensualmente constitucionais. No entanto, qualquer decisão seria protestada. Tivesse o PR optado pela dissolução e haveria uma berraria de Pedro Santana Lopes, para lançar a campanha eleitoral na posição favorita dum populista: a vitimização. 1. Surpresa foi o tom da "indignação" socialista, ou melhor, do clã dirigente do partido. O resto, é teatro. Frisou Vasco Pulido Valente que a maioria dos dirigentes socialistas protestou, mas "exultou" por se livrar de Ferro. Eduardo Ferro Rodrigues demitiu-se pela sua derrota (derrota?) "pessoal e política". Quis ser dramático: foi patético. O que foi confirmado pela reacção de alguns apoiantes. Renegaram Sampaio. A diplomata Ana Gomes, depois de se arrepender de ter votado Sampaio, deu o mote ao ler uma mensagem recebida no telemóvel: "Uma maioria, um governo, um Presidente" (antiga palavra de ordem de Sá Carneiro). Sampaio era remetido para o inferno, como novo chefe da direita. Fora do PS, o mais célebre sociólogo de Coimbra associou, subliminarmente, a morte de Lurdes Pintasilgo à decisão de Sampaio. Da exasperação de Carvalhas e de Louçã não vale a pena falar. Este comportamento revela que, por razões de base eleitoral e de amizade, uma parte do grupo dirigente socialista tem uma concepção patrimonial do PR. Sampaio não teria sido eleito para ser "presidente de todos os portugueses" e, como tal, árbitro político e garante constitucional, mas para favorecer o PS na hora decisiva. Mais séria é a miopia em relação à decisão de Belém. A direcção do PS intoxicou-se a si mesma com os resultados das europeias e de sondagens, sem se interrogar sobre elas. Os eleitores do PS têm Ferro na conta de político sério, mas sabiam que era já um líder transitório e com a credibilidade política irremediavelmente ferida. A demissão de Barroso surgiu ao grupo de Ferro como a ilusória oportunidade de sobrevivência, através de eleições imediatas e um regresso ao poder. Alguns ingénuos acreditaram inclusive numa maioria absoluta, graças à impopularidade do governo. Fiados nas europeias - um voto de protesto -, não perceberam que esta campanha eleitoral mudaria radicalmente o quadro: o PSD de Santana distanciar-se-ia de Ferreira Leite e de Barroso e prometeria o bodo aos pobres e a retoma económica. E aqui reside o logro. Provavelmente, ninguém mais do que Santana Lopes desejaria eleições, ao contrário do que ele declarava. Vêm aí "tempos fascinantes", limitou-se a dizer, num provável lapso, quando mais se falava na dissolução. O novo PSD populista não teria pela frente um PS ganhador, mas um PS na pior crise desde 1984. A seguir às europeias, Jorge Coelho baixou as expectativas dizendo que aquela vitória era apenas o começo da construção de uma alternativa eleitoral credível. E mesmo se o PS ganhasse tangencialmente? Quem iria para o governo? Seria a agonia de um executivo fraco e minoritário, seguida de eleições e de uma provável maioria absoluta do PSD, que, essa sim, deixaria Santana à solta. 2. Como populista, Santana passa por mau governante. A sua gestão da Cultura (com Cavaco) foi má e igual terá sido a de Lisboa, de que já não prestará contas aos eleitores. O populista simplifica os problemas, cuja resolução substitui por passes de mágica, como ele fez no Parque Mayer. Encheu as ruas de Lisboa de cartazes, travestido de Pombal. A deriva populista de Santana tem sido, aliás, mais sublinhada entre gente do PSD do que no PS. Questão de experiência. Santana é um populista "light". Não é xenófobo, nem é Berlusconi, a quem já o compararam: não é o bilionário capaz de corromper em massa, nem o dono das televisões. Também não seguiu o modelo habitual dos populistas - fundar um pequeno partido de que se tornam donos ou comprarem-no em saldo, como Monteiro e Portas fizeram com o CDS. Tornou-se acidentalmente presidente de um dos dois grandes partidos, o que tem consequências. Um dos méritos indirectos da decisão presidencial é forçar o PSD a fazer uma verificação: torna-se populista? O PSD sabe que, mais tarde ou mais cedo, prestará contas ao eleitorado pela sua opção. Para Santana é vital ir a votos. Uma das características do estilo populista é o desprezo das instituições e das regras em nome da ligação directa ao povo. Quando o nome de Santana foi contestado no PSD, casos de Ferreira Leite, Pacheco Pereira ou Miguel Veiga, respondeu na televisão um autarca do PSD: esses senhores ganharam eleições? (Por acaso tinham ganho). A democracia não é só o voto, é também a separação dos poderes. "Os populistas não gostam dos bancos centrais, nem dos juízes, nem das autoridades independentes, nem da Europa, nem da globalização, que constituem outros tantos obstáculos à expressão do 'verdadeiro povo'" (Yves Mény). O populismo cresce quando a democracia representativa funciona mal e frustra os cidadãos. Não podendo ir agora a votos, no cenário ideal de um PS desconjuntado, Santana apostará tudo daqui a dois anos. O populismo não é uma ideologia nem um programa, "é um camaleão oportunista". Com Sampaio na Presidência, que o amarrou ao programa de Barroso, e sem legitimidade eleitoral directa, vestirá provavelmente a pele de homem de Estado. Até às eleições. Se o não devemos subestimar enquanto máquina eleitoral, devemos também avaliar os seus limites. Tem pés de barro. 3. Em dois anos, o Partido Socialista tem a oportunidade de oferecer ao país uma alternativa ao populismo. É o que a esquerda deve a Sampaio. O PR é "garante" e não "notário", disse. É em situações de crise que se verifica a importância do Presidente, deste e do que se lhe seguirá. O que se passou revaloriza as presidenciais de 2006. OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Santana foi indigitado e faz Governo em segredo

Mudança de ministérios não entusiasma associações

ANMP concorda, PS e sindicatos nem por isso

PCP marca comício e avança com moção de rejeição

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