Atrair investimento estrangeiro é mais importante do que a actividade das nossas empresas no exterior

09-07-2002
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Sérgio Rebelo em entrevista ao PÚBLICO

Atrair Investimento Estrangeiro É Mais Importante do Que a Actividade das Nossas Empresas no Exterior

Segunda-feira, 1 de Julho de 2002

Segundo o professor de Northwestern University de Chicago, EUA, que chegou a ser dado como ministeriável, Portugal é um país com grande potencial desde que se resolvam com coragem e determinação os problemas estruturais no ensino, no sistema judicial e na Administração Pública.

Artur Neves

Há vários anos a desenvolver a sua actividade académica no estrangeiro - na Northwestern University de Chicago, EUA - Sérgio Rebelo continua a seguir com particular atenção a actualidade política e económica portuguesa . Na semana passada o economista que chegou a ser falado para ministro das Finanças de Durão Barroso, esteve alguns dias em Lisboa, participando num almoço-palestra organizado pela Associação Cristã de Empresários e Gestores (ACEGE). Em entrevista ao PÚBLICO, fala de Portugal, da Europa e dos Estados Unidos, país que tem no processo de destruição criativa um dos seus grandes activos.

Sérgio Rebelo: A minha avaliação é positiva. O governo herdou uma situação fiscal confusa e difícil. Por isso é natural que, nesta primeira fase do mandato, os esforços do governo se tenham centrado no diagnóstico e resolução do problema fiscal português.

P: O Executivo promete fazer convergir em termos reais a economia portuguesa com a média comunitária no espaço de 15 anos. Que comentário lhe merece este objectivo?

R: É um objectivo muito ambicioso, mas é preferível que o governo seja ambicioso do que seja tímido. Portugal é um país com grande potencial desde que se resolvam com coragem e determinação os nossos problemas estruturais: melhorar a qualidade do ensino, aumentar consideravelmente a eficiência do nosso sistema judicial, desburocratizar e racionalizar a Administração Pública. O problema é que estas reformas são difíceis de fazer e não dão necessariamente frutos nos quatro anos que faltam para as próximas eleições. Por isso é muito importante convencer o eleitorado da necessidade de ter um horizonte suficientemente alargado para que o país possa fazer as reformas indispensáveis à sua prosperidade a médio e longo prazo.

P: De que forma é que a economia portuguesa pode conseguir ganhos de produtividade substanciais no curto, médio e longo prazo?

R: As variações de produtividade no curto prazo têm muito a ver com o ciclo económico. Quando a economia entra em expansão, o esforço dos trabalhadores e a taxa de utilização do capital aumentam, produzindo um aumento nas medidas convencionais de produtividade. Quando se está em recessão acontece o inverso. Muito mais importante do que estas variações da produtividade no curto prazo é o seu comportamento a médio e longo prazo, que vai depender sobretudo da capacidade do país para adoptar novas tecnologias. Que dependerá muito de dois factores. O primeiro é a qualidade do nosso sistema de ensino. As novas tecnologias são desenvolvidas em países ricos para trabalhadores altamente qualificados. Se os nossos trabalhadores não estiverem bem preparados Portugal vai ficar para trás na corrida tecnológica. O segundo factor importante é o investimento directo estrangeiro (IDE). Este tipo de investimento pode permitir a Portugal modernizar em pouco tempo o seu tecido industrial.

P: E quanto ao processo de internacionalização das empresas portuguesas?

R: Penso que, nesta fase do nosso desenvolvimento, a capacidade da economia portuguesa para atrair IDE é mais importante do que a actividade das nossas empresas no exterior.

P: De que forma é que o actual sobreendividamento das famílias e do país, aliado às restrições orçamentais impostas pelo Plano de Estabilidade e Crescimento, surge ou não como uma restrição ao crescimento económico?

R: Quando a política fiscal do governo é rigorosa e quando o sistema financeiro é eficiente e bem regulamentado os problemas de excesso de endividamento são evitados, permitindo que o crescimento económico seja estável. Políticas fiscais facilitistas e sistemas financeiros menos cuidadosos criam uma instabilidade que leva a economia a alternar entre fases de grande expansão e grande recessão. Esta instabilidade é visível em muitos países em vias de desenvolvimento. Portugal tem um sistema financeiro razoavelmente desenvolvido que, combinado com uma supervisão bancária atenta, pode perfeitamente impedir o sobreendividamento das famílias. E espero que correcção do nosso problema fiscal seja bem sucedida permitindo à economia retomar uma trajectória de crescimento estável.

P: Como vê a actual situação de Portugal face ao futuro alargamento da União Europeia?

R: Portugal tem beneficiado imenso do seu estatuto de economia adolescente dentro da comunidade. Mas os adolescentes têm que se tornar adultos. A economia portuguesa tem que ganhar a sua independência e preparar-se para ajudar a integrar mais alguns países na comunidade europeia. Essa integração, se for bem sucedida, trará mais estabilidade política e económica à Europa, reduzindo ainda mais a probabilidade de uma grande guerra na Europa. É preciso lembrar que a paz é a grande meta-objectivo da união europeia. Portugal tem a obrigação de contribuir para este grande objectivo.

P: O que é que há de errado com a actual retoma nos EUA, que leva os capitais internacionais a deixarem de se sentir tão atraídos por activos financeiros denominados em dólares, provocando a queda da divisa norte-americana?

R: A economia dos EUA está a ser desafiada a vários níveis. A recessão, a ameaça terrorista e os escândalos financeiros na bolsa têm formado uma nuvem negra e espessa sobre a economia. Embora as flutuações cambiais de curto prazo sejam muito difíceis de compreender e prever - se eu soubesse o que vai acontecer ao dólar amanhã podia ficar milionário a especular no mercado cambial em vez de estar aqui a conversar consigo! -, é plausível que estes factores estejam por detrás da queda do dólar. Mas o que é impressionante em relação à economia americana é a velocidade com que, guiada pelas forças do mercado, está a restruturar o seu sector de alta tecnologia. A existência de um sistema financeiro sofisticado, com grande recurso ao capital de risco, permitiu que se fizessem apostas de investimento muito arriscadas. Quando essas apostas não resultaram o sector de alta tecnologia contraiu muito rapidamente, destruindo empregos mas libertando ao mesmo tempo os empreendedores e trabalhadores que estão neste momento a criar novos empregos e novas indústrias. Este processo de destruição criativa é um dos grandes activos da economia americana.

P: Ao contrário daquele que prevaleceu nos anos 90, o novo modelo de crescimento norte-americano surge como muito mais assente no mercado interno, dinamizando sectores que vão da construção à indústria do armamento. Um certo proteccionismo económico e unilateralismo político vai também ganhando terreno em Washington. Com os EUA a deixarem de ser o inequívoco motor da economia mundial, o que é que de essencial tem de mudar nos posicionamentos europeu e asiáticos?

R: A ameaça terrorista levou os EUA a aumentar as suas despesas militares. Em 11 de Setembro perdeu-se o chamado "dividendo da paz"- a redução de despesas militares mundiais permitida pelo colapso da União Soviética e consequente redução da probabilidade de uma terceira guerra mundial. A Europa e a Ásia foram menos afectadas pela nova ameaça terrorista pelo que têm servido de contrapeso, estabilizando a economia mundial. Em relação ao comércio internacional é triste que George W. Bush tenha sacrificado a credibilidade do governo norte-americano como defensor do comércio livre para tentar garantir mais alguns votos nas próximas eleições. As tarifas sobre o aço e os novos subsídios à agricultura são medidas que beneficiam alguns trabalhadores e empresários, mas que prejudicam a economia dos EUA como um todo e a economia mundial. Cabe assim a vez aos países europeus e asiáticos lutarem pelo comércio livre, que tantos benefícios tem trazido à economia mundial.

Sérgio Rebelo em entrevista ao PÚBLICO

Atrair Investimento Estrangeiro É Mais Importante do Que a Actividade das Nossas Empresas no Exterior

Segunda-feira, 1 de Julho de 2002

Segundo o professor de Northwestern University de Chicago, EUA, que chegou a ser dado como ministeriável, Portugal é um país com grande potencial desde que se resolvam com coragem e determinação os problemas estruturais no ensino, no sistema judicial e na Administração Pública.

Artur Neves

Há vários anos a desenvolver a sua actividade académica no estrangeiro - na Northwestern University de Chicago, EUA - Sérgio Rebelo continua a seguir com particular atenção a actualidade política e económica portuguesa . Na semana passada o economista que chegou a ser falado para ministro das Finanças de Durão Barroso, esteve alguns dias em Lisboa, participando num almoço-palestra organizado pela Associação Cristã de Empresários e Gestores (ACEGE). Em entrevista ao PÚBLICO, fala de Portugal, da Europa e dos Estados Unidos, país que tem no processo de destruição criativa um dos seus grandes activos.

Sérgio Rebelo: A minha avaliação é positiva. O governo herdou uma situação fiscal confusa e difícil. Por isso é natural que, nesta primeira fase do mandato, os esforços do governo se tenham centrado no diagnóstico e resolução do problema fiscal português.

P: O Executivo promete fazer convergir em termos reais a economia portuguesa com a média comunitária no espaço de 15 anos. Que comentário lhe merece este objectivo?

R: É um objectivo muito ambicioso, mas é preferível que o governo seja ambicioso do que seja tímido. Portugal é um país com grande potencial desde que se resolvam com coragem e determinação os nossos problemas estruturais: melhorar a qualidade do ensino, aumentar consideravelmente a eficiência do nosso sistema judicial, desburocratizar e racionalizar a Administração Pública. O problema é que estas reformas são difíceis de fazer e não dão necessariamente frutos nos quatro anos que faltam para as próximas eleições. Por isso é muito importante convencer o eleitorado da necessidade de ter um horizonte suficientemente alargado para que o país possa fazer as reformas indispensáveis à sua prosperidade a médio e longo prazo.

P: De que forma é que a economia portuguesa pode conseguir ganhos de produtividade substanciais no curto, médio e longo prazo?

R: As variações de produtividade no curto prazo têm muito a ver com o ciclo económico. Quando a economia entra em expansão, o esforço dos trabalhadores e a taxa de utilização do capital aumentam, produzindo um aumento nas medidas convencionais de produtividade. Quando se está em recessão acontece o inverso. Muito mais importante do que estas variações da produtividade no curto prazo é o seu comportamento a médio e longo prazo, que vai depender sobretudo da capacidade do país para adoptar novas tecnologias. Que dependerá muito de dois factores. O primeiro é a qualidade do nosso sistema de ensino. As novas tecnologias são desenvolvidas em países ricos para trabalhadores altamente qualificados. Se os nossos trabalhadores não estiverem bem preparados Portugal vai ficar para trás na corrida tecnológica. O segundo factor importante é o investimento directo estrangeiro (IDE). Este tipo de investimento pode permitir a Portugal modernizar em pouco tempo o seu tecido industrial.

P: E quanto ao processo de internacionalização das empresas portuguesas?

R: Penso que, nesta fase do nosso desenvolvimento, a capacidade da economia portuguesa para atrair IDE é mais importante do que a actividade das nossas empresas no exterior.

P: De que forma é que o actual sobreendividamento das famílias e do país, aliado às restrições orçamentais impostas pelo Plano de Estabilidade e Crescimento, surge ou não como uma restrição ao crescimento económico?

R: Quando a política fiscal do governo é rigorosa e quando o sistema financeiro é eficiente e bem regulamentado os problemas de excesso de endividamento são evitados, permitindo que o crescimento económico seja estável. Políticas fiscais facilitistas e sistemas financeiros menos cuidadosos criam uma instabilidade que leva a economia a alternar entre fases de grande expansão e grande recessão. Esta instabilidade é visível em muitos países em vias de desenvolvimento. Portugal tem um sistema financeiro razoavelmente desenvolvido que, combinado com uma supervisão bancária atenta, pode perfeitamente impedir o sobreendividamento das famílias. E espero que correcção do nosso problema fiscal seja bem sucedida permitindo à economia retomar uma trajectória de crescimento estável.

P: Como vê a actual situação de Portugal face ao futuro alargamento da União Europeia?

R: Portugal tem beneficiado imenso do seu estatuto de economia adolescente dentro da comunidade. Mas os adolescentes têm que se tornar adultos. A economia portuguesa tem que ganhar a sua independência e preparar-se para ajudar a integrar mais alguns países na comunidade europeia. Essa integração, se for bem sucedida, trará mais estabilidade política e económica à Europa, reduzindo ainda mais a probabilidade de uma grande guerra na Europa. É preciso lembrar que a paz é a grande meta-objectivo da união europeia. Portugal tem a obrigação de contribuir para este grande objectivo.

P: O que é que há de errado com a actual retoma nos EUA, que leva os capitais internacionais a deixarem de se sentir tão atraídos por activos financeiros denominados em dólares, provocando a queda da divisa norte-americana?

R: A economia dos EUA está a ser desafiada a vários níveis. A recessão, a ameaça terrorista e os escândalos financeiros na bolsa têm formado uma nuvem negra e espessa sobre a economia. Embora as flutuações cambiais de curto prazo sejam muito difíceis de compreender e prever - se eu soubesse o que vai acontecer ao dólar amanhã podia ficar milionário a especular no mercado cambial em vez de estar aqui a conversar consigo! -, é plausível que estes factores estejam por detrás da queda do dólar. Mas o que é impressionante em relação à economia americana é a velocidade com que, guiada pelas forças do mercado, está a restruturar o seu sector de alta tecnologia. A existência de um sistema financeiro sofisticado, com grande recurso ao capital de risco, permitiu que se fizessem apostas de investimento muito arriscadas. Quando essas apostas não resultaram o sector de alta tecnologia contraiu muito rapidamente, destruindo empregos mas libertando ao mesmo tempo os empreendedores e trabalhadores que estão neste momento a criar novos empregos e novas indústrias. Este processo de destruição criativa é um dos grandes activos da economia americana.

P: Ao contrário daquele que prevaleceu nos anos 90, o novo modelo de crescimento norte-americano surge como muito mais assente no mercado interno, dinamizando sectores que vão da construção à indústria do armamento. Um certo proteccionismo económico e unilateralismo político vai também ganhando terreno em Washington. Com os EUA a deixarem de ser o inequívoco motor da economia mundial, o que é que de essencial tem de mudar nos posicionamentos europeu e asiáticos?

R: A ameaça terrorista levou os EUA a aumentar as suas despesas militares. Em 11 de Setembro perdeu-se o chamado "dividendo da paz"- a redução de despesas militares mundiais permitida pelo colapso da União Soviética e consequente redução da probabilidade de uma terceira guerra mundial. A Europa e a Ásia foram menos afectadas pela nova ameaça terrorista pelo que têm servido de contrapeso, estabilizando a economia mundial. Em relação ao comércio internacional é triste que George W. Bush tenha sacrificado a credibilidade do governo norte-americano como defensor do comércio livre para tentar garantir mais alguns votos nas próximas eleições. As tarifas sobre o aço e os novos subsídios à agricultura são medidas que beneficiam alguns trabalhadores e empresários, mas que prejudicam a economia dos EUA como um todo e a economia mundial. Cabe assim a vez aos países europeus e asiáticos lutarem pelo comércio livre, que tantos benefícios tem trazido à economia mundial.

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