Entrevista com Xanana Gusmão

08-08-2002
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Entrevista com Xanana Gusmão

Segunda-feira, 29 de Julho de 2002 Xanana conta com a ajuda de Clinton, para dar sinais concretos de esperança aos timorenses mais pobres. E já autorizou os jovens: se até ao fim do ano não tiver feito nada, podem protestar a partir de Janeiro, "durante um mês". De Portugal espera mais coordenação e eficácia no apoio. Um quadro de cores quentes ocupa boa parte da parede por detrás do cadeirão presidencial. Ofereceu-o um pintor australiano que passou para a tela uma visão de Díli lá para 2050 - laivos de paraíso tropical com um Cristo-Rei por entre arranha-céus de metrópole futurista. Excertos de uma entrevista dada em Díli pelo primeiro presidente eleito de Timor-Leste, Xanana Gusmão, 56 anos, no regresso de Seul, onde assistiu ao pontapé de saída do campeonato do Mundo de Futebol. PÚBLICA - Agora como presidente, a população continua a abordá-lo na rua? XANANA GUSMÃO - Apertam-me a mão, como sempre. As pessoas mais sofisticadas chamam-me presidente. Mas o povo continua a chamam-me irmão. Irmão mais velho. P. - Quando é que sai para o interior? Fala-se em presidências abertas à portuguesa. R. - Sim, vai haver. Mas agora estou a ver se organizo a Presidência. P. - Qual foi o problema mais difícil que teve de resolver nestes primeiros dias? R. - Estruturar a presidência. P. - Não teve nenhuma crise? Há uma que foi pública: o pedido do bispo de Díli para a expulsão do correspondente da Lusa. R. - Não tenho uma ideia clara sobre isso. Apenas me disseram. P. - Tem uma meta que quer atingir nestes primeiros três meses? R. - Não posso continuar a trabalhar nestas condições. Para a estruturação da presidência levarei nove meses. Os três primeiros serão dedicados ao recrutamento do pessoal estritamente necessário. Preocupa-me ainda como angariar fundos para o novo edifício que vamos construir e que não vai custar nada ao governo (o governo não tem dinheiro). P. - O seu dia começa a que horas? R. - Costumo acordar muito cedo. Às 5 e meia já estou de pé, respirando o ar puro da montanha e a trocar toda a nicotina dos pulmões do dia anterior enquanto preparo o pequeno almoço para a família. P. - É o senhor que prepara o pequeno almoço para a família!? R. - Porque depois não faço mais nada para ela durante o dia. Dantes ainda dava banho à criança, mas agora como já anda... P. - Chega à presidência a que horas? R. - Às nove. Acabo aqui às quatro da tarde e depois vou para o meu local da campanha [presidencial] onde estou a acabar alguns trabalhos. Cálculo dos orçamentos, questões técnicas, planear o que se faz. Estou a estudar uma forma de cumprir os meus programas para a juventude e para o sector privado. E como abrir uma fundação ou instituto (ainda não decidi)para angariar fundos destinados a cobrir ou a responder a problemas socio-económicos prementes da população. P. - Onde vai buscar esse dinheiro? R. - Estou a tentar várias origens que ainda não posso anunciar. É uma instituição que vai orientar-se para a concessão de créditos. O presidente Clinton ofereceu-se para apoiar. Eu empresto o meu nome à instituição e vou tentar ver se ele também empresta o dele como patrono. P. - Que objectivos pretende atingir com a iniciativa? R. - O meu plano é levar o sector privado a ter uma visão de 10 a 15 anos para começarmos a formar pequenos grupos sólidos virados para as áreas da pesca, da agro-indústria, do turismo. Será também uma forma de levar os jovens saídos da universidade a perceberem que não têm que estar à espera de emprego no funcionalismo público. Que prestarão mais serviço ao país encaminhando-se para o sector económico. P. - Em que sentido gostava que Portugal e os portugueses o ajudassem? R. - As novas relações entre Timor e Portugal não devem ter por objectivo tentar explorar a generosidade, a solidariedade, o carinho do povo português ou dos seus governos. Dou um enormíssimo valor a todo o esforço desde Setembro [de 1999] por parte dos portugueses e dos órgãos de soberania. Temos que saber como Portugal pode assumir um papel em áreas concretas e estruturantes também do processo. Falei com o presidente Jorge Sampaio e com o primeiro-ministro Durão Barroso. Ambos me falaram das dificuldades agora do governo e que nós devíamos apostar mais nos municípios. Ora isso não pode passar -se da mesma desordenada forma dos anos anteriores. É preciso um melhor planeamento. Falei com o vice-presidente da Associação de Municípios e aqui vamos tentar, com o governo, coordenar bem, de modo a encaminharmos as coisas para formas mais eficazes. Tudo isto vai levar tempo. É preciso esperar. P. - Está orgulhoso de ser presidente de Timor-Leste? R. - Não gosto dessa palavra. P. - Quando viu aquelas figuras todas - Clinton, Megawatti, Kofi Annan - não lhe deu esse orgulho todo? R. - Orgulho de ser timorense, isso sim. Orgulho de ser um cidadão de um país que nasceu. Mas como presidente não. Sei que estes cinco anos vão ser difíceis. Eu inclusive já mandei mensagens à juventude: se até Dezembro eu não tiver feito algo para dar vida à esperança deles, eu autorizá-los-ei, a partir de Janeiro, a protestarem durante um mês e dizerem-me: 'ainda não fizeste nada'. Não vou fazer tudo. Mas que faça algo que lhes diga alguma coisa. P. - Essa mensagem foi por escrito? R. - Mandei-a através de pessoas. 'Digam que eles esperem. Que eu vou fazer tudo até Dezembro'. Tentarei fazer algo que seja susceptível de apoiar em créditos muita população do interior. Muitos não sabem ainda o que é um dólar. Querem mandar os filhos para a escola e não há dinheiro. Lembro-me de, num encontro com os partidos, um dos dirigentes me dizer: "sou um pequeno empresário e ganhei um concurso para fazer uma obra em Ossú'. A obra era apenas para 30, 50 pessoas. Não é que toda a gente quisesse ser operário. Mas porque os seus produtos não são vendidos e eles precisam de dinheiro, apareceram milhares [como candidatos ao emprego]. O homem teve que fugir. Está cá em Díli. É este o meu problema. Até Dezembro, tudo farei para enviar uma mensagem de esperança. Os programas do governo são programas do governo. Mas sem resolvermos os problemas socio-económicos da população, será terrível. Daqui a cinco anos, quando eu sair, se me perguntar 'Está orgulhoso de ter sido presidente?' talvez possa então responder-lhe. Ou envergonhado por não ter feito nada, ou orgulhoso por ter contribuído para a resolução destes problemas. P. - Os cinco anos de mandato são para cumprir? R. - São para cumprir. Como disse, já mandei mensagens à juventude: 'Tenham calma. Quando quiserem protestar por um mês, será para mim e não contra o governo'. O governo terá os seus programas, que terão prioridades. Haverá dificuldades, não se pode logo exigir emprego. É nesta questão toda que vou incidir a minha atenção. 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Mas o povo continua a chamam-me irmão. Irmão mais velho. P. - Quando é que sai para o interior? Fala-se em presidências abertas à portuguesa. R. - Sim, vai haver. Mas agora estou a ver se organizo a Presidência. P. - Qual foi o problema mais difícil que teve de resolver nestes primeiros dias? R. - Estruturar a presidência. P. - Não teve nenhuma crise? Há uma que foi pública: o pedido do bispo de Díli para a expulsão do correspondente da Lusa. R. - Não tenho uma ideia clara sobre isso. Apenas me disseram. P. - Tem uma meta que quer atingir nestes primeiros três meses? R. - Não posso continuar a trabalhar nestas condições. Para a estruturação da presidência levarei nove meses. Os três primeiros serão dedicados ao recrutamento do pessoal estritamente necessário. Preocupa-me ainda como angariar fundos para o novo edifício que vamos construir e que não vai custar nada ao governo (o governo não tem dinheiro). P. - O seu dia começa a que horas? R. - Costumo acordar muito cedo. Às 5 e meia já estou de pé, respirando o ar puro da montanha e a trocar toda a nicotina dos pulmões do dia anterior enquanto preparo o pequeno almoço para a família. P. - É o senhor que prepara o pequeno almoço para a família!? R. - Porque depois não faço mais nada para ela durante o dia. Dantes ainda dava banho à criança, mas agora como já anda... P. - Chega à presidência a que horas? R. - Às nove. Acabo aqui às quatro da tarde e depois vou para o meu local da campanha [presidencial] onde estou a acabar alguns trabalhos. Cálculo dos orçamentos, questões técnicas, planear o que se faz. Estou a estudar uma forma de cumprir os meus programas para a juventude e para o sector privado. E como abrir uma fundação ou instituto (ainda não decidi)para angariar fundos destinados a cobrir ou a responder a problemas socio-económicos prementes da população. P. - Onde vai buscar esse dinheiro? R. - Estou a tentar várias origens que ainda não posso anunciar. É uma instituição que vai orientar-se para a concessão de créditos. O presidente Clinton ofereceu-se para apoiar. Eu empresto o meu nome à instituição e vou tentar ver se ele também empresta o dele como patrono. P. - Que objectivos pretende atingir com a iniciativa? R. - O meu plano é levar o sector privado a ter uma visão de 10 a 15 anos para começarmos a formar pequenos grupos sólidos virados para as áreas da pesca, da agro-indústria, do turismo. Será também uma forma de levar os jovens saídos da universidade a perceberem que não têm que estar à espera de emprego no funcionalismo público. Que prestarão mais serviço ao país encaminhando-se para o sector económico. P. - Em que sentido gostava que Portugal e os portugueses o ajudassem? R. - As novas relações entre Timor e Portugal não devem ter por objectivo tentar explorar a generosidade, a solidariedade, o carinho do povo português ou dos seus governos. Dou um enormíssimo valor a todo o esforço desde Setembro [de 1999] por parte dos portugueses e dos órgãos de soberania. Temos que saber como Portugal pode assumir um papel em áreas concretas e estruturantes também do processo. Falei com o presidente Jorge Sampaio e com o primeiro-ministro Durão Barroso. Ambos me falaram das dificuldades agora do governo e que nós devíamos apostar mais nos municípios. Ora isso não pode passar -se da mesma desordenada forma dos anos anteriores. É preciso um melhor planeamento. Falei com o vice-presidente da Associação de Municípios e aqui vamos tentar, com o governo, coordenar bem, de modo a encaminharmos as coisas para formas mais eficazes. Tudo isto vai levar tempo. É preciso esperar. P. - Está orgulhoso de ser presidente de Timor-Leste? R. - Não gosto dessa palavra. P. - Quando viu aquelas figuras todas - Clinton, Megawatti, Kofi Annan - não lhe deu esse orgulho todo? R. - Orgulho de ser timorense, isso sim. 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Mas porque os seus produtos não são vendidos e eles precisam de dinheiro, apareceram milhares [como candidatos ao emprego]. O homem teve que fugir. Está cá em Díli. É este o meu problema. Até Dezembro, tudo farei para enviar uma mensagem de esperança. Os programas do governo são programas do governo. Mas sem resolvermos os problemas socio-económicos da população, será terrível. Daqui a cinco anos, quando eu sair, se me perguntar 'Está orgulhoso de ter sido presidente?' talvez possa então responder-lhe. Ou envergonhado por não ter feito nada, ou orgulhoso por ter contribuído para a resolução destes problemas. P. - Os cinco anos de mandato são para cumprir? R. - São para cumprir. Como disse, já mandei mensagens à juventude: 'Tenham calma. Quando quiserem protestar por um mês, será para mim e não contra o governo'. O governo terá os seus programas, que terão prioridades. Haverá dificuldades, não se pode logo exigir emprego. É nesta questão toda que vou incidir a minha atenção. 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