"Se a droga fosse um bem acessível, não haveria necessidade de organizar redes de tráfico"

08-08-2002
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"Se a Droga Fosse Um Bem Acessível, Não Haveria Necessidade de Organizar Redes de Tráfico"

Sexta-feira, 12 de Julho de 2002 Paulo Teixeira Pinto defende a despenalização total das drogas, leves e duras, à semelhança do que se passa com o álcool. É uma posição minoritária na direita, mas o seu primeiro teórico foi Milton Friedman, um economista neoliberal P. Mantém a sua filosofia anti-proibicionista no caso do consumo das drogas? R. Sim, completamente. P. Defende que todos os consumidores, quer de drogas leves, quer de drogas duras não devem ser abrangidos por penas ou multas? R. As coimas, que é o que existe hoje, é a maior das hipocrisias em que assentou a solução. Quando ficamos a meio caminho de alguma coisa, entre uma margem e outra, o maior risco que existe é o de nos atolarmos, nem que seja no mar da incoerência e da hipocrisia. O problema é, antes de mais nada, um problema ético e filosófico, embora tenha também dimensões jurídico-económicas. P. Comecemos pelo ético-filosófico R. Embora eu creia que do ponto de vista estritamente ontológico é um mal absoluto aquilo que um homem faz a si mesmo ao consumir estupefacientes, o Estado não deve interferir naquilo que não diga respeito à relação desse homem com a sociedade. Se não tem qualquer repercussão na relação social, não tem que ter qualquer tutela penal. Por mais nociva que uma droga seja para o próprio, se daí não resulta qualquer prejuízo para terceiros, a que título, com que autoridade e em nome de quê essa pessoa deve ser punida? P. E a questão jurídico-económica? R. Considero que, do ponto de vista do crime organizado, todas as redes que se estabeleceram e prosperaram com o melhor negócio do mundo assentaram na lógica exclusivamente proibicionista. Se fosse um bem acessível, a um preço do mero custo, evidentemente que não haveria necessidade de se organizar toda uma rede de tráfico de droga que vive exclusivamente à custa da exponenciação desse preço. É criado todo um aparelho de crime à volta disto. Há um exemplo histórico, que é o da "lei seca" nos Estados Unidos. As pessoas esquecem-se que Al Capone e todo o império do crime que se lhe sucedeu foi originado pela proibição do álcool. Não se impede que alguém queira morrer por cirrose ou por coma alcoólico. Desde quando isso é crime ou ilícito? Não faz sentido. Basta olharmos para o que acontece na lógica da droga para percebermos tudo o que aconteceu nos Estados Unidos com o crime organizado a propósito da 'lei seca', que se desmoronou completamente quando o álcool começou a ser outra vez um bem transaccionável. Há alguma desvalorização ética, que varia civilizacionalmente no espaço e no tempo. O ópio já foi considerado um bem natural em algumas sociedades, em contrapartida, para outras, o simples álcool que nos parece para nós uma bebida social é considerado um pecado grave. Se abstrairmos do carácter antropológico, o que sobra é a eticidade, a legitimidade e o problema do crime organizado e de todas as mafias que se criam. E há a questão da saúde e segurança públicas. Muitas das pessoas que morrem nestas circunstâncias é precisamente por não terem acesso a um mínimo de condições de aquisição de drogas que, como fármacos que são, deveriam ser sujeitos a fiscalização. Do ponto de vista ético e político, não vejo nenhuma razão para o Estado estar a penalizar esse tipo de comportamentos. Mas se esse consumo levar a prática de ilícitos isso deve funcionar como condição agravante: não em si mesmo, mas enquanto condicionante de outros crimes. Não vejo que deva ser muito diferente daquilo que já existe no caso da condução sob efeito do álcool. Dentro do seu partido há alguém que defenda a sua posição? Não faço ideia, mas provavelmente não são muitos. Pensa que ainda verá essa sua posição acolhida pelos responsáveis políticos? R. Os fenómenos sociais mudam muito mais depressa e com maior imprevisibilidade do que acontecia há alguns anos atrás. Parece-me que isso vai ter que ser feito inevitavelmente um dia. Do ponto de vista ético é o correcto, mas talvez não seja esse o motivo que levará à alteração. Haverá um dia em que se perceberá que os custos económicos de suporte de toda a parafernália administrativa e burocrática do combate à droga são enormes e é uma guerra perdida. É interessante que talvez a primeira pessoa a teorizar sobre isto tenha sido um dos gurus chamados neoliberais, Milton Friedman, da Escola de Chicago, Prémio Nobel, que explicou há muitos anos porque é que essa guerra está perdida à partida e que a única forma que o Estado tem é não entrar nessa guerra. Muito dificilmente isso poderá ser feito a uma escala que não seja, pelo menos, continental. E com um governo PSD em Portugal? Um dos preconceitos que serve para criar as fronteiras na política é entender que as pessoas que têm esta posição são de esquerda e os que são a favor da penalização são de direita. Um dos maiores teóricos anti-proibicionista é um economista neoliberal, não é propriamente de esquerda... OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Um congresso para evitar os erros do cavaquismo

O problema do Governo é mais grave que uma questão de imagem

'Os políticos são os cidadãos'

Clero não devia exercer cargos de nomeação política

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Os congressos de Durão Barroso

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