A bandeira das quinas pela Constituição

02-06-2002
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A Bandeira das Quinas pela Constituição

Por ADELINO GOMES, em Díli

Terça-feira, 21 de Maio de 2002 Primeiro foi a comunhão da língua comum entre os sete. Depois, acordos de cooperação e a acreditação do primeiro embaixador português emTimor-Leste. Por fim, a troca de presentes. Com a surpresa de um ícone português guardado em copas de árvores e sacos de lixo durante 26 anos. No Oecussi. O programa oficial reservara para as horas seguintes à proclamação da independência de Timor-Leste uma reunião dos PALOP, a assinatura de um conjunto de acordos de cooperação entre Portugal e Timor (lei-quadro, comércio e cooperação técnico-militar) e a apresentação das cartas credenciais do primeiro embaixador português no novo Estado. Cada uma das alíneas concitava por si a atenção da imprensa, ainda que pelo seu ineditismo - um Presidente da República não costuma ir apresentar pessoalmente os seus embaixadores aos respectivos homólogos - esta última iniciativa tivesse sido responsável pela afluência de muitos dos enviados portugueses que, já de malas preparadas para a etapa seguinte, na Austrália, acompanharam Jorge Sampaio na deslocação às comemorações da independência. As primeiras cerimónias decorreram com a solenidade adequada, embora já longe do formalismo de horas antes. Por causa da língua comum e de uma cumplicidade política e nalguns casos pessoal nascida no pós-25 de Abril, o discurso do Presidente de Moçambique, Joaquim Chissano, deu logo o sinal, porém. Chissano começou por anunciar o que toda a gente já sabia - Timor integrará a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) na próxima reunião cimeira da organização, em Brasília, em Julho. (Xanana entregou-lhe ali mesmo diante de todos a carta o fazer o pedido oficial para que Timor Lorosae faça parte efectiva e de pleno direito da CPLP). Para chegar onde queria, Chissano viajou de improviso pelas emoções comuns de horas antes, em Taci-Tolo. "Ainda não acreditávamos que nos encontrávamos em Timor-Leste livre, e sobretudo em Timor-Leste independente. Perguntávamos uns aos outros: isto é possível?". Só quando vêem perto de si o secretário-geral Kofi Annan e a bandeira timorense a subir no mastro - conta Chissano, referindo conversas entre as delegações dos PALOP presentes na cerimónia - é que o sonho parece por fim ter-se tornado realidade. O Presidente moçambicano agradece aos timorenses tudo o que fizeram não só pela sua libertação como também pela libertação dos outros. "Sentíamo-nos incompletos", diz, referindo-se à ausência de Timor-Leste do grupo das ex-colónias portuguesas que entretanto haviam acedido à independência. "Até Portugal, em 74, entrou para o grupo, ao libertar-se do fascismo de Salazar", ironiza. "Fala-se muito da língua". conclui. "Mas há outros factores culturais que nos ligaram: soubemos transformar uma parte da globalização do antigamente em relações boas de fraternidade". Laços e cumplicidades Minutos depois, na hora de apresentar ao seu homólogo timorense o primeiro embaixador de Portugal em Timor, Rui Quartim Santos, o Presidente português não encontra melhor fórmula do que dizer, descontraidamente: "Ei-lo". Em contacto com o "dossier" de Timor desde 1974 e dele responsável directo durante sete anos, Quartim Santos só este domingo se deslocou pela primeira vez a Díli. Quando Xanana Gusmão responde logo de seguida a Sampaio - "pessoalmente nunca o vi mas já o conhecemos" - mesmo os mais distraídos compreendem o tipo de laços e de cumplicidades que os combates na ONU urdiram entre os diplomatas portugueses e a liderança da Resistência. Aproxima-se a terceira cerimónia distinta da tarde, marcada tal como as outras para uma sala do primeiro andar do edifício do Governo, no palácio até há poucas horas ocupado pela ONU. Jorge Sampaio e Xanana Gusmão vão trocar presentes, como manda o protocolo em visitas de Estado. No lugar da inevitável porcelana, porém, Sampaio tem um livro para oferecer ao seu homólogo. O livro da lei fundamental portuguesa em que deputados eleitos por todos os partidos quiseram manter ao longo de 27 anos a obrigação constitucional de defender a autodeterminação de Timor. Do lado português a assistência percebe que é uma bandeira das quinas a oferta de Xanana. "Nenhuma palavra, nenhum outro gesto pode resumir melhor os vínculos sagrados que uniram os dois povos", sublinha o presidente. A surpresa vem do convite que Xanana faz a um compatriota para entregar a oferta a Sampaio. E da história que aquela bandeira - uma apenas entre centenas que haverá ainda escondidas em casas sagradas nos 442 sucos (freguesias) do país - esconde. "Senti-me obrigado a defendê-la" Soldado maqueiro do exército português estacionado no enclave de Oecussi, Manuel Fernandes Santo soube da chegada dos militares indonésios para ocuparem o Oecussi, no início de 1976, e decidiu ocultar a bandeira das autoridades ocupantes. E assim a fez permanecer durante os 26 anos que se seguiram. Às vezes encondida "em cestos de lixo, embrulhada em sacos de plástico"; outras nas copas das árvores onde mandava subir algum dos seus três filhos. "Senti-me obrigado a defendê-la porque jurei sobre ela", explicará não tarda ao PÚBLICO o antigo soldado. Mas faltam ainda as palavras do Leão Luca, 85 anos, o mais velho dos chefes tradicionais que constituem o senado de liurais timorenses. "É uma honra e uma alegria estarmos perante V. Excia, nós, os legítimos descendentes dos liurais de 1515", diz o velho homem, num português reservado para as grandes ocasiões. Agradece a Sampaio o apoio dado por Portugal à luta de Timor, "debaixo, às vezes, de céu nublado", e a Durão Barroso que "pôs Timor na agenda internacional, em 1993". E despede-se lendo um último parágrafo que deixa os olhos do Presidente português, vermelhos do esforço para conter uma torrente de lágrimas: "Se em 1515 os liurais de então, nossos antepassados, não tivessem acolhido a religião católica e a bandeira de Portugal, ficaríamos sob domínio holandês e hoje não seríamos independentes". Daí a momentos, quando o maestro Simão Barreto dá o sinal para que um coro de treze homens e mulheres em trajes tradicionais ataquem o hino nacional, Xanana, Mari Alkatiri, José Ramos-Horta mantêm-se silenciosos, mas Manuel e Leão Luca misturam, com toda a naturalidade, as suas às vozes de Sampaio, Durão e Martins da Cruz nas estrofes de "A Portuguesa". OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Alkatiri exprime "apoio inequívoco" aos sarauis e palestinianos

Portugal apela a Nações Unidas que não esqueçam as suas responsabilidades

Os novos militares e os velhos guerrilheiros em parada

Díli e Camberra assinam Timor Gap

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Por ADELINO GOMES, em Díli

Terça-feira, 21 de Maio de 2002 Primeiro foi a comunhão da língua comum entre os sete. Depois, acordos de cooperação e a acreditação do primeiro embaixador português emTimor-Leste. Por fim, a troca de presentes. Com a surpresa de um ícone português guardado em copas de árvores e sacos de lixo durante 26 anos. No Oecussi. O programa oficial reservara para as horas seguintes à proclamação da independência de Timor-Leste uma reunião dos PALOP, a assinatura de um conjunto de acordos de cooperação entre Portugal e Timor (lei-quadro, comércio e cooperação técnico-militar) e a apresentação das cartas credenciais do primeiro embaixador português no novo Estado. Cada uma das alíneas concitava por si a atenção da imprensa, ainda que pelo seu ineditismo - um Presidente da República não costuma ir apresentar pessoalmente os seus embaixadores aos respectivos homólogos - esta última iniciativa tivesse sido responsável pela afluência de muitos dos enviados portugueses que, já de malas preparadas para a etapa seguinte, na Austrália, acompanharam Jorge Sampaio na deslocação às comemorações da independência. As primeiras cerimónias decorreram com a solenidade adequada, embora já longe do formalismo de horas antes. Por causa da língua comum e de uma cumplicidade política e nalguns casos pessoal nascida no pós-25 de Abril, o discurso do Presidente de Moçambique, Joaquim Chissano, deu logo o sinal, porém. Chissano começou por anunciar o que toda a gente já sabia - Timor integrará a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) na próxima reunião cimeira da organização, em Brasília, em Julho. (Xanana entregou-lhe ali mesmo diante de todos a carta o fazer o pedido oficial para que Timor Lorosae faça parte efectiva e de pleno direito da CPLP). Para chegar onde queria, Chissano viajou de improviso pelas emoções comuns de horas antes, em Taci-Tolo. "Ainda não acreditávamos que nos encontrávamos em Timor-Leste livre, e sobretudo em Timor-Leste independente. Perguntávamos uns aos outros: isto é possível?". Só quando vêem perto de si o secretário-geral Kofi Annan e a bandeira timorense a subir no mastro - conta Chissano, referindo conversas entre as delegações dos PALOP presentes na cerimónia - é que o sonho parece por fim ter-se tornado realidade. O Presidente moçambicano agradece aos timorenses tudo o que fizeram não só pela sua libertação como também pela libertação dos outros. "Sentíamo-nos incompletos", diz, referindo-se à ausência de Timor-Leste do grupo das ex-colónias portuguesas que entretanto haviam acedido à independência. "Até Portugal, em 74, entrou para o grupo, ao libertar-se do fascismo de Salazar", ironiza. "Fala-se muito da língua". conclui. "Mas há outros factores culturais que nos ligaram: soubemos transformar uma parte da globalização do antigamente em relações boas de fraternidade". Laços e cumplicidades Minutos depois, na hora de apresentar ao seu homólogo timorense o primeiro embaixador de Portugal em Timor, Rui Quartim Santos, o Presidente português não encontra melhor fórmula do que dizer, descontraidamente: "Ei-lo". Em contacto com o "dossier" de Timor desde 1974 e dele responsável directo durante sete anos, Quartim Santos só este domingo se deslocou pela primeira vez a Díli. Quando Xanana Gusmão responde logo de seguida a Sampaio - "pessoalmente nunca o vi mas já o conhecemos" - mesmo os mais distraídos compreendem o tipo de laços e de cumplicidades que os combates na ONU urdiram entre os diplomatas portugueses e a liderança da Resistência. Aproxima-se a terceira cerimónia distinta da tarde, marcada tal como as outras para uma sala do primeiro andar do edifício do Governo, no palácio até há poucas horas ocupado pela ONU. Jorge Sampaio e Xanana Gusmão vão trocar presentes, como manda o protocolo em visitas de Estado. No lugar da inevitável porcelana, porém, Sampaio tem um livro para oferecer ao seu homólogo. O livro da lei fundamental portuguesa em que deputados eleitos por todos os partidos quiseram manter ao longo de 27 anos a obrigação constitucional de defender a autodeterminação de Timor. Do lado português a assistência percebe que é uma bandeira das quinas a oferta de Xanana. "Nenhuma palavra, nenhum outro gesto pode resumir melhor os vínculos sagrados que uniram os dois povos", sublinha o presidente. A surpresa vem do convite que Xanana faz a um compatriota para entregar a oferta a Sampaio. E da história que aquela bandeira - uma apenas entre centenas que haverá ainda escondidas em casas sagradas nos 442 sucos (freguesias) do país - esconde. "Senti-me obrigado a defendê-la" Soldado maqueiro do exército português estacionado no enclave de Oecussi, Manuel Fernandes Santo soube da chegada dos militares indonésios para ocuparem o Oecussi, no início de 1976, e decidiu ocultar a bandeira das autoridades ocupantes. E assim a fez permanecer durante os 26 anos que se seguiram. Às vezes encondida "em cestos de lixo, embrulhada em sacos de plástico"; outras nas copas das árvores onde mandava subir algum dos seus três filhos. "Senti-me obrigado a defendê-la porque jurei sobre ela", explicará não tarda ao PÚBLICO o antigo soldado. Mas faltam ainda as palavras do Leão Luca, 85 anos, o mais velho dos chefes tradicionais que constituem o senado de liurais timorenses. "É uma honra e uma alegria estarmos perante V. Excia, nós, os legítimos descendentes dos liurais de 1515", diz o velho homem, num português reservado para as grandes ocasiões. Agradece a Sampaio o apoio dado por Portugal à luta de Timor, "debaixo, às vezes, de céu nublado", e a Durão Barroso que "pôs Timor na agenda internacional, em 1993". E despede-se lendo um último parágrafo que deixa os olhos do Presidente português, vermelhos do esforço para conter uma torrente de lágrimas: "Se em 1515 os liurais de então, nossos antepassados, não tivessem acolhido a religião católica e a bandeira de Portugal, ficaríamos sob domínio holandês e hoje não seríamos independentes". Daí a momentos, quando o maestro Simão Barreto dá o sinal para que um coro de treze homens e mulheres em trajes tradicionais ataquem o hino nacional, Xanana, Mari Alkatiri, José Ramos-Horta mantêm-se silenciosos, mas Manuel e Leão Luca misturam, com toda a naturalidade, as suas às vozes de Sampaio, Durão e Martins da Cruz nas estrofes de "A Portuguesa". 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