Suplemento Pública

07-11-2003
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Como Se Faz o Sal?

Segunda-feira, 03 de Novembro de 2003

Pela evaporação solar. Não há sal sem sol. É preciso reter a água e deixar o sol fazer o resto. Mas se o principal é o sol, os ventos e o clima, tudo depende da dedicação, da qualidade, do empenho e do trabalho do marnoto que, no passado, ainda tinham trabalho para dar aos "moços". Os trabalhos duram pelo menos seis meses. Começam com a limpeza da marinha, a reparação de todo e qualquer estrago deixado pelo Inverno, a lavagem dos tanques. E, também muito importante, espera-se depois pela secagem das lamas, aquelas que, afinal, permitem que o sal venha a ter qualidade. Porque, contrariamente a outras localidades onde há actividade salícola, em Aveiro as paredes das marinhas são mais frágeis, tanto nos lados como nos fundos.

Por cima da lama bem seca é espalhada uma camada fina de areia para impermeabilizar os solos ou, como explicam os marnotos, para ajudar a filtrar o sal e impedir a formação do lodo. É a "Botadela" que baptizava a festa tradicional do início da produção de sal, entre finais de Junho e princípios de Julho. Enquanto os homens tratavam da impermeabilização dos cristalizadores, as mulheres cantavam, dançavam e faziam um "jantar" melhorado para o qual convidavam os vizinhos.

Mas estivemos até agora com a marinha em seco, e já passaram porventura uns bons dois meses de trabalho. E se o sal não se faz sem sal, muito menos faz-se sem água.

O fornecedor de água das marinhas são os viveiros que se enchem com as marés vivas. Só eles ocupam cerca de 35 por cento da superfície da marinha, e é neles onde dá a maior altura da água, que por enquanto tem pouco mais do que três graus de salinidade. Daqui passa para uma segunda etapa, para um tanque mais pequeno e de menor profundidade, sucessivamente para os "algibés", os "caldeiros", as "cabeceiras", as "sub-cabeceiras" ou as "talhas", todas peças do "madamento". Em cada uma delas, perdem profundidade no percurso e aumentam não só o grau de limpeza e pureza da água, mas ainda, e o mais importante, a salinidade da água.

O processo repete-se até chegar a uma altura em que não ultrapassa os dez centímetros. Estamos nos "meios", que a ciência classifica como cristalizadores. Aqui a salinidade da água já ronda os 30 graus, e á superfície vê-se uma película como se fosse gelo. É preciso, então, "bulir" a água com os "ugalhos", para que o sal vá caindo para o fundo. A partir de determinada altura, a marinha já está "amisada", isto é, já se pode andar em cima dela à vontade que a areia não se mistura com o sal. A areia está no fundo, e o sal vai-se formando à superfície em película. Algumas voltas depois, com os "rodos" ou as "rasoilas" vai-se "rer" o sal para as beiras dos meios, onde fica a secar de um dia para o outro. Á canastra de 80 quilos cada, leva-se para a eira, e dos montes de sal que encheram as beiradas das marinhas ficam apenas os "cus da rasa", que só desaparecem com a chuva. Nas eiras, fazem-se crescer as pirâmides que já foram características e marca da paisagem aveirense e agora são pouco mais do que relíquias.

O Marnoto

"O Marnoto é geralmente um homem muito bem apessoado. Ombros largos, peito saliente, o ventre deprimido, a musculatura desenvolvidíssima, e a tez queimada pelo sol ardente da beira mar. Neste belo tipo de força física transparece claramente o homem habituado às afanosas e arriscadas lides do mar: com efeito, o marnoto acumula quase sempre as funções de marinheiro com as de pescador. Ninguém o iguala em orgulho de classe, poucos os excedem em pundonor no que diz respeito à perfeição do seu trabalho. É religioso mas com superstição. Adora a Cristo, mas acredita no quebranto, em duendes e em moiras encantadas..."

in Alcoforado, Museu Tecnológico, nº III, 1º ano, Agosto 1877

M da Maia.

Como Se Faz o Sal?

Segunda-feira, 03 de Novembro de 2003

Pela evaporação solar. Não há sal sem sol. É preciso reter a água e deixar o sol fazer o resto. Mas se o principal é o sol, os ventos e o clima, tudo depende da dedicação, da qualidade, do empenho e do trabalho do marnoto que, no passado, ainda tinham trabalho para dar aos "moços". Os trabalhos duram pelo menos seis meses. Começam com a limpeza da marinha, a reparação de todo e qualquer estrago deixado pelo Inverno, a lavagem dos tanques. E, também muito importante, espera-se depois pela secagem das lamas, aquelas que, afinal, permitem que o sal venha a ter qualidade. Porque, contrariamente a outras localidades onde há actividade salícola, em Aveiro as paredes das marinhas são mais frágeis, tanto nos lados como nos fundos.

Por cima da lama bem seca é espalhada uma camada fina de areia para impermeabilizar os solos ou, como explicam os marnotos, para ajudar a filtrar o sal e impedir a formação do lodo. É a "Botadela" que baptizava a festa tradicional do início da produção de sal, entre finais de Junho e princípios de Julho. Enquanto os homens tratavam da impermeabilização dos cristalizadores, as mulheres cantavam, dançavam e faziam um "jantar" melhorado para o qual convidavam os vizinhos.

Mas estivemos até agora com a marinha em seco, e já passaram porventura uns bons dois meses de trabalho. E se o sal não se faz sem sal, muito menos faz-se sem água.

O fornecedor de água das marinhas são os viveiros que se enchem com as marés vivas. Só eles ocupam cerca de 35 por cento da superfície da marinha, e é neles onde dá a maior altura da água, que por enquanto tem pouco mais do que três graus de salinidade. Daqui passa para uma segunda etapa, para um tanque mais pequeno e de menor profundidade, sucessivamente para os "algibés", os "caldeiros", as "cabeceiras", as "sub-cabeceiras" ou as "talhas", todas peças do "madamento". Em cada uma delas, perdem profundidade no percurso e aumentam não só o grau de limpeza e pureza da água, mas ainda, e o mais importante, a salinidade da água.

O processo repete-se até chegar a uma altura em que não ultrapassa os dez centímetros. Estamos nos "meios", que a ciência classifica como cristalizadores. Aqui a salinidade da água já ronda os 30 graus, e á superfície vê-se uma película como se fosse gelo. É preciso, então, "bulir" a água com os "ugalhos", para que o sal vá caindo para o fundo. A partir de determinada altura, a marinha já está "amisada", isto é, já se pode andar em cima dela à vontade que a areia não se mistura com o sal. A areia está no fundo, e o sal vai-se formando à superfície em película. Algumas voltas depois, com os "rodos" ou as "rasoilas" vai-se "rer" o sal para as beiras dos meios, onde fica a secar de um dia para o outro. Á canastra de 80 quilos cada, leva-se para a eira, e dos montes de sal que encheram as beiradas das marinhas ficam apenas os "cus da rasa", que só desaparecem com a chuva. Nas eiras, fazem-se crescer as pirâmides que já foram características e marca da paisagem aveirense e agora são pouco mais do que relíquias.

O Marnoto

"O Marnoto é geralmente um homem muito bem apessoado. Ombros largos, peito saliente, o ventre deprimido, a musculatura desenvolvidíssima, e a tez queimada pelo sol ardente da beira mar. Neste belo tipo de força física transparece claramente o homem habituado às afanosas e arriscadas lides do mar: com efeito, o marnoto acumula quase sempre as funções de marinheiro com as de pescador. Ninguém o iguala em orgulho de classe, poucos os excedem em pundonor no que diz respeito à perfeição do seu trabalho. É religioso mas com superstição. Adora a Cristo, mas acredita no quebranto, em duendes e em moiras encantadas..."

in Alcoforado, Museu Tecnológico, nº III, 1º ano, Agosto 1877

M da Maia.

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