Símbolo e Mercadoria
Por A MULHER NÃO É COR-DE-ROSA
Segunda-feira, 03 de Novembro de 2003
O cancro da mama tornou-se uma doença com grande impacte cultural. Figuras famosas, como Betty Ford e Nancy Reagan, mulheres de dois antigos presidentes dos Estados Unidos, tornaram público o seu combate com a doença e muitos nomes famosos da música, da moda e da cultura participam em acções de alerta para o cancro da mama. Mas esta visibilidade tem um lado mais negro, relacionado com a mercantilização da doença, dizem vozes críticas que se ouvem sobretudo nos EUA.
"Hoje, o cancro da mama é a doença mais importante do mapa cultural, mais que a sida, a fibrose quística ou os traumatismos da espinal medula", afirma Barbara Ehrenreich, editora da revista Harper's Magazine, num artigo disponível "on-line" (ver http://www . bcaction.org/PDF/Harpers.pdf ). A jornalista relata não só a sua luta pessoal contra o cancro como contra o sistema que enquadra as mulheres a quem é diagnosticado cancro da mama.
Ao fazer uma pesquisa na Internet sobre cancro da mama em inglês, surge uma onda interminável de informação. A maior parte é repetida até à exaustão, com as mesmas dicas, as mesmas descrições da doença. Há também anúncios de iniciativas e de objectos para comprar ou outras formas de contribuir para o avanço da investigação. Tudo sobre um fundo cor-de-rosa xaroposo, que facilmente enjoa mesmo os apreciadores do rosa.
Reparando bem nas letras miúdas destes "sites", descobre-se que muitos são financiados por empresas. O lacinho rosa que se tornou sinónimo da luta conta o cancro da mama, por exemplo, foi inventado pela empresa de cosméticos Estée Lauder.
A multinacional farmacêutica Astra-Zeneca, que fabrica uma das drogas mais usadas contra o cancro da mama, lançou nos EUA a ideia de transformar Outubro no Mês de Alerta para o Cancro da Mama. A iniciativa acabou por ser copiada pelo Reino Unido e coincide com outras noutros países, como a Semana Europeia Contra o Cancro (no início daquele mês) e até o Dia Nacional Contra o Cancro da Mama em Portugal (31 de Outubro).
Há muitas empresas que se destacam pela simpatia pelo cancro da mama, diz Ehrenreich: "É possível 'fazer compras para a cura' durante uma semana em que a Saks doa dois por cento do valor das vendas para um fundo contra o cancro da mama; 'usar ganga para a cura', no Dia Nacional da Ganga Lee, quando pode ir de 'jeans' para o emprego se der um donativo de cinco dólares", relata.
"Há 2,2 milhões de mulheres que estão a passar por distintas fases do cancro da mama que, juntamente com a sua família, constituem um mercado significativo para tudo o que tenha que ver com o cancro da mama", afirma Ehrenreich. A indústria ligada ao cancro da mama movimenta anualmente entre 12 mil e 16 mil milhões de dólares (valor semelhante em euros), diz a jornalista, incluindo no lote cirurgias, quimioterapias, mamografias, centros de radioterapia e medicamentos.
No entanto, o que mais afligiu Barbara Ehrenreich ao ser-lhe diagnosticado cancro da mama e ser inserida no sistema de apoio semi-oficial foi descobrir que as mulheres são reduzidas a um infantilismo insultuoso.
Para além de muitos ursinhos de peluche com lacinhos cor-de-rosa, há exemplos verdadeiramente ridículos. Ehrenreich cita um pacote de informação distribuído pela Fundação Libby Ross, que incluem um creme perfumado para o corpo, um livro de meditação para ajudar a suportar a quimioterapia, uma almofada cor-de-rosa de cetim, pastilhas de mentol, três pulseiras - e um caderno de linhas rosa que pode servir de diário ou para fazer desenhos, juntamente com uma caixa de lápis de cor. "Certamente que homens a quem foi diagnosticado cancro da mama não recebem carrinhos de brincar de presente", diz, ácida, Barbara Ehrenreich.
Símbolo e Mercadoria
Por A MULHER NÃO É COR-DE-ROSA
Segunda-feira, 03 de Novembro de 2003
O cancro da mama tornou-se uma doença com grande impacte cultural. Figuras famosas, como Betty Ford e Nancy Reagan, mulheres de dois antigos presidentes dos Estados Unidos, tornaram público o seu combate com a doença e muitos nomes famosos da música, da moda e da cultura participam em acções de alerta para o cancro da mama. Mas esta visibilidade tem um lado mais negro, relacionado com a mercantilização da doença, dizem vozes críticas que se ouvem sobretudo nos EUA.
"Hoje, o cancro da mama é a doença mais importante do mapa cultural, mais que a sida, a fibrose quística ou os traumatismos da espinal medula", afirma Barbara Ehrenreich, editora da revista Harper's Magazine, num artigo disponível "on-line" (ver http://www . bcaction.org/PDF/Harpers.pdf ). A jornalista relata não só a sua luta pessoal contra o cancro como contra o sistema que enquadra as mulheres a quem é diagnosticado cancro da mama.
Ao fazer uma pesquisa na Internet sobre cancro da mama em inglês, surge uma onda interminável de informação. A maior parte é repetida até à exaustão, com as mesmas dicas, as mesmas descrições da doença. Há também anúncios de iniciativas e de objectos para comprar ou outras formas de contribuir para o avanço da investigação. Tudo sobre um fundo cor-de-rosa xaroposo, que facilmente enjoa mesmo os apreciadores do rosa.
Reparando bem nas letras miúdas destes "sites", descobre-se que muitos são financiados por empresas. O lacinho rosa que se tornou sinónimo da luta conta o cancro da mama, por exemplo, foi inventado pela empresa de cosméticos Estée Lauder.
A multinacional farmacêutica Astra-Zeneca, que fabrica uma das drogas mais usadas contra o cancro da mama, lançou nos EUA a ideia de transformar Outubro no Mês de Alerta para o Cancro da Mama. A iniciativa acabou por ser copiada pelo Reino Unido e coincide com outras noutros países, como a Semana Europeia Contra o Cancro (no início daquele mês) e até o Dia Nacional Contra o Cancro da Mama em Portugal (31 de Outubro).
Há muitas empresas que se destacam pela simpatia pelo cancro da mama, diz Ehrenreich: "É possível 'fazer compras para a cura' durante uma semana em que a Saks doa dois por cento do valor das vendas para um fundo contra o cancro da mama; 'usar ganga para a cura', no Dia Nacional da Ganga Lee, quando pode ir de 'jeans' para o emprego se der um donativo de cinco dólares", relata.
"Há 2,2 milhões de mulheres que estão a passar por distintas fases do cancro da mama que, juntamente com a sua família, constituem um mercado significativo para tudo o que tenha que ver com o cancro da mama", afirma Ehrenreich. A indústria ligada ao cancro da mama movimenta anualmente entre 12 mil e 16 mil milhões de dólares (valor semelhante em euros), diz a jornalista, incluindo no lote cirurgias, quimioterapias, mamografias, centros de radioterapia e medicamentos.
No entanto, o que mais afligiu Barbara Ehrenreich ao ser-lhe diagnosticado cancro da mama e ser inserida no sistema de apoio semi-oficial foi descobrir que as mulheres são reduzidas a um infantilismo insultuoso.
Para além de muitos ursinhos de peluche com lacinhos cor-de-rosa, há exemplos verdadeiramente ridículos. Ehrenreich cita um pacote de informação distribuído pela Fundação Libby Ross, que incluem um creme perfumado para o corpo, um livro de meditação para ajudar a suportar a quimioterapia, uma almofada cor-de-rosa de cetim, pastilhas de mentol, três pulseiras - e um caderno de linhas rosa que pode servir de diário ou para fazer desenhos, juntamente com uma caixa de lápis de cor. "Certamente que homens a quem foi diagnosticado cancro da mama não recebem carrinhos de brincar de presente", diz, ácida, Barbara Ehrenreich.