Propinas, segundo "round"

07-11-2003
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Propinas, Segundo "Round"

Segunda-feira, 03 de Novembro de 2003

%Sandra Silva Costa (textos)Nélson Garrido (fotos)

Estão quase a cumprir-se doze anos sobre o início daquela que ficará para sempre conhecida como a guerra das propinas. A 20 de Novembro de 1991, a PSP reprimiu uma manifestação de estudantes do Porto, que protestavam contra o atraso no pagamento das bolsas. A repressão policial foi a gota que fez transbordar o copo: há muito que o fantasma do aumento das propinas, na altura estacionadas nos 1200 escudos anuais desde 1941, pairava no ar. Estava dado o tiro de partida para uma longa jornada de contestação estudantil que só haveria de arrefecer algures em 1995.

Dias depois, nasceu o Movimento de Estudantes Contra o Aumento das Propinas e ouviu-se pela primeira vez o célebre "slogan" "Não pagamos". A partir daí, o processo de contestação ao aumento da taxa de frequência entrou em velocidade de cruzeiro.

Em 1992 e 1993, perdeu-se a conta ao número de manifestações estudantis. Pelo meio, caíram dois ministros - Diamantino Durão e Couto dos Santos. No Congresso Nacional sobre o Ensino Superior, concebido para sossegar os ânimos dos estudantes, quatro alunos voltaram as costas à mesa onde se encontrava Couto dos Santos, baixaram as calças e as cuecas e deixaram à vista oito nádegas com a frase "Não pago".

A 24 de Novembro, o corpo de intervenção da PSP dispersou, à bastonada, os estudantes que se concentravam em frente à Assembleia da República. No dia a seguir, de forma quase espontânea, os alunos regressaram à rua. A 7 de Dezembro, no mesmo dia em que o Presidente da República dava posse à nova ministra da Educação, Manuela Ferreira Leite, mais de dez mil gargantas afinaram-se para assegurar, diante do Parlamento, que não pagariam as propinas.

Foram anos em que, como escreveu Pedro Garcia Rosado em "A Guerra das Propinas - Porque se revoltaram os estudantes portugueses", os alunos "viraram do avesso as universidades". Diogo Vasconcelos, António Vigário e João Afonso foram apanhados no turbilhão dos acontecimentos. Tiveram a sorte - ou o azar? - de estar na hora certa e no local exacto. Enquanto líderes das três principais academias do país - Porto, Coimbra e Lisboa -, foram amados por uns e temidos por outros.

Nuno Mendes, Victor Hugo Salgado e Miguel Teixeira fazem parte da nova geração de dirigentes associativos. Os três estão a queimar os últimos cartuchos dos respectivos mandatos, mas já disseram várias vezes que estão dispostos a dar tudo por tudo para impedir um aumento das propinas de 356,60 euros para um valor que pode chegar aos 852 euros. O Porto decretou estado de "crise académica", Coimbra ameaça com desobediência civil e Lisboa "suspendeu" as relações com a ministra da Ciência e do Ensino Superior, Maria da Graça Carvalho.

Na quarta-feira estudantes de todo o país desaguarão nas ruas de Lisboa, para dar corpo àquela que deverá ser a primeira grande manifestação contra o aumento das taxas de frequência no ensino superior. Estará à vista o segundo "round" da guerra às propinas? Os dirigentes juram a pés juntos que não, que esta guerra não é só pelo "Não pagamos". "Queremos inverter todo o pacote legislativo proposto pelo anterior ministro", informa Victor Hugo Salgado. Também Vigário e congéneres diziam que a luta não se cingia ao "não pagamos" e que o que estava em causa era a "qualidade do ensino".

O sociólogo João Teixeira Lopes não acredita "em repetições miméticas de fenómenos sociais", pelo que está convencido de que Portugal não assistirá a um segundo "round" da luta que os estudantes travaram a partir de 1991 contra o aumento das propinas. "Nenhuma guerra será igual, porque os protagonistas são outros e o país também é outro", explica Teixeira Lopes.

Apesar de tudo, reconhece, há factores que poderão atiçar a fúria dos estudantes. "Os alunos de hoje estão mais marcados pela deterioração do sistema", diz o sociólogo, sublinhando também que o aumento das propinas que está projectado "é dramático", o que faz com que os alunos estejam mais sensibilizados para a contestação.

João Teixeira Lopes nota, aliás, "uma espécie de ultrapassagem dos dirigentes associativos pela dinâmica dos outros estudantes". "Os líderes estudantis estão agora mais recuados nas reivindicações e nas posições que defendem", considera.

"A universidade é hoje muito mais heterogénea, mas o mercado de trabalho é cada vez mais precário. Os estudantes sabem que a inserção no mundo de trabalho é muito mais difícil e que o ensino superior já não assegura a luz ao fundo do túnel. E isto origina sentimentos de efervescência colectiva", concretiza. Mas João Teixeira Lopes não está 100 por cento convencido de que a luta veio para durar.

"Quando as iniciativas de contestação assumem um carácter mais festivo, convivial e não orgânico, como é o caso, por norma apagam-se mais cedo. São lutas de 100 metros, mais fulgorosas mas também mais efémeras. Sinceramente, não sei se estes estudantes estão preparados para a maratona", conclui.

Propinas, Segundo "Round"

Segunda-feira, 03 de Novembro de 2003

%Sandra Silva Costa (textos)Nélson Garrido (fotos)

Estão quase a cumprir-se doze anos sobre o início daquela que ficará para sempre conhecida como a guerra das propinas. A 20 de Novembro de 1991, a PSP reprimiu uma manifestação de estudantes do Porto, que protestavam contra o atraso no pagamento das bolsas. A repressão policial foi a gota que fez transbordar o copo: há muito que o fantasma do aumento das propinas, na altura estacionadas nos 1200 escudos anuais desde 1941, pairava no ar. Estava dado o tiro de partida para uma longa jornada de contestação estudantil que só haveria de arrefecer algures em 1995.

Dias depois, nasceu o Movimento de Estudantes Contra o Aumento das Propinas e ouviu-se pela primeira vez o célebre "slogan" "Não pagamos". A partir daí, o processo de contestação ao aumento da taxa de frequência entrou em velocidade de cruzeiro.

Em 1992 e 1993, perdeu-se a conta ao número de manifestações estudantis. Pelo meio, caíram dois ministros - Diamantino Durão e Couto dos Santos. No Congresso Nacional sobre o Ensino Superior, concebido para sossegar os ânimos dos estudantes, quatro alunos voltaram as costas à mesa onde se encontrava Couto dos Santos, baixaram as calças e as cuecas e deixaram à vista oito nádegas com a frase "Não pago".

A 24 de Novembro, o corpo de intervenção da PSP dispersou, à bastonada, os estudantes que se concentravam em frente à Assembleia da República. No dia a seguir, de forma quase espontânea, os alunos regressaram à rua. A 7 de Dezembro, no mesmo dia em que o Presidente da República dava posse à nova ministra da Educação, Manuela Ferreira Leite, mais de dez mil gargantas afinaram-se para assegurar, diante do Parlamento, que não pagariam as propinas.

Foram anos em que, como escreveu Pedro Garcia Rosado em "A Guerra das Propinas - Porque se revoltaram os estudantes portugueses", os alunos "viraram do avesso as universidades". Diogo Vasconcelos, António Vigário e João Afonso foram apanhados no turbilhão dos acontecimentos. Tiveram a sorte - ou o azar? - de estar na hora certa e no local exacto. Enquanto líderes das três principais academias do país - Porto, Coimbra e Lisboa -, foram amados por uns e temidos por outros.

Nuno Mendes, Victor Hugo Salgado e Miguel Teixeira fazem parte da nova geração de dirigentes associativos. Os três estão a queimar os últimos cartuchos dos respectivos mandatos, mas já disseram várias vezes que estão dispostos a dar tudo por tudo para impedir um aumento das propinas de 356,60 euros para um valor que pode chegar aos 852 euros. O Porto decretou estado de "crise académica", Coimbra ameaça com desobediência civil e Lisboa "suspendeu" as relações com a ministra da Ciência e do Ensino Superior, Maria da Graça Carvalho.

Na quarta-feira estudantes de todo o país desaguarão nas ruas de Lisboa, para dar corpo àquela que deverá ser a primeira grande manifestação contra o aumento das taxas de frequência no ensino superior. Estará à vista o segundo "round" da guerra às propinas? Os dirigentes juram a pés juntos que não, que esta guerra não é só pelo "Não pagamos". "Queremos inverter todo o pacote legislativo proposto pelo anterior ministro", informa Victor Hugo Salgado. Também Vigário e congéneres diziam que a luta não se cingia ao "não pagamos" e que o que estava em causa era a "qualidade do ensino".

O sociólogo João Teixeira Lopes não acredita "em repetições miméticas de fenómenos sociais", pelo que está convencido de que Portugal não assistirá a um segundo "round" da luta que os estudantes travaram a partir de 1991 contra o aumento das propinas. "Nenhuma guerra será igual, porque os protagonistas são outros e o país também é outro", explica Teixeira Lopes.

Apesar de tudo, reconhece, há factores que poderão atiçar a fúria dos estudantes. "Os alunos de hoje estão mais marcados pela deterioração do sistema", diz o sociólogo, sublinhando também que o aumento das propinas que está projectado "é dramático", o que faz com que os alunos estejam mais sensibilizados para a contestação.

João Teixeira Lopes nota, aliás, "uma espécie de ultrapassagem dos dirigentes associativos pela dinâmica dos outros estudantes". "Os líderes estudantis estão agora mais recuados nas reivindicações e nas posições que defendem", considera.

"A universidade é hoje muito mais heterogénea, mas o mercado de trabalho é cada vez mais precário. Os estudantes sabem que a inserção no mundo de trabalho é muito mais difícil e que o ensino superior já não assegura a luz ao fundo do túnel. E isto origina sentimentos de efervescência colectiva", concretiza. Mas João Teixeira Lopes não está 100 por cento convencido de que a luta veio para durar.

"Quando as iniciativas de contestação assumem um carácter mais festivo, convivial e não orgânico, como é o caso, por norma apagam-se mais cedo. São lutas de 100 metros, mais fulgorosas mas também mais efémeras. Sinceramente, não sei se estes estudantes estão preparados para a maratona", conclui.

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