«Avante!» Nº 1521

03-02-2003
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Detenções

A TALHE DE FOICE • Henrique Custódio

E sta semana, a detenção para interrogatório do presidente da câmara municipal de Águeda, Manuel Castro Azevedo, terminou após sete horas de interrogatório com um resultado já trivial: foi constituído arguido num processo judicial por suspeita de prática de crimes de corrupção e peculato e libertado sob uma caução de 100 mil euros (20 mil contos), quantia cujo elevado montante configura graves suspeitas do tribunal sobre o arguido.

A trivialidade do caso prende-se directamente com o recente e semelhante episódio ocorrido com outro autarca, Fátima Felgueiras, por sinal também presidente de uma câmara municipal (a que se acrescentou, nas últimas horas, rumores sobre um processo semelhante envolvendo o presidente da câmara municipal de Paredes, do PSD).

As diferenças mais substantivas são que esta última foi eleita pelo PS e preside à câmara de Felgueiras, enquanto Castro Azevedo o foi pelo PSD e dirige o município de Águeda.

Quanto ao resto – que é o essencial -, nada os distingue: foram ambos detidos por largas horas, ambos saíram arguidos em processos onde são acusados de crimes vários (peculato, corrupção e etc.), ambos se encontram sobre medidas de coacção impostas pelo tribunal, ambos estão suspensos de funções (a primeira por imposição do juiz, o segundo voluntariamente), ambos pertencem a «partidos de poder» e a ambos os respectivos partidos já afirmaram retirar a confiança política «caso venham a ser condenados».

Outra semelhança, ainda, os irmana: ambos alcançaram o poder sob flagrantes práticas de caciquismo, ao ponto de os dois se haverem imposto aos respectivos partidos nas duas últimas eleições autárquicas apesar de, também sobre ambos, já haver impendido à época, e no mínimo, desprestigiantes suspeitas públicas.

No caso de Fátima Felgueiras, com investigações judiciais já conhecidas e perseguindo graves suspeitas de corrupção na sua actividade como presidente da câmara municipal.

No caso de Manuel Castro Azevedo, com este a desempenhar o papel de joguete dos interesses do cacique local, o empresário António Cruz Silva (ou «o Silva do Travassô», como é popularmente conhecido), dirigente máximo do PSD na região, actual deputado do PSD e conhecido na terra por fazer e desfazer carreiras políticas a seu bel prazer. Foi o que fez precisamente com Manuel Castro Azevedo, um discreto ex-funcionário das Finanças, vereador do PSD, que foi inesperadamente colocado à frente da lista do PSD à câmara por António Cruz Silva, que entretanto havia afastado o «candidato natural» do partido (e que por isso saiu mesmo do PSD). Assim, Castro Azevedo foi eleito há já dois mandatos e com maioria absoluta, tendo-se tornado matéria de falatório na cidade a constante presença no edifício dos Paços do Concelho do empresário «patrocinador» da sua candidatura. O resultado está à vista: o presidente da câmara, Castro e Azevedo, está acusado de práticas de corrupção exactamente com uma empresa de que é proprietário o «Silva do Travassô»

Mais grave que a trivialidade em que se está a tornar este tipo de acusações a autarcas (desprestigiando, obviamente, o poder local) é o cinismo com que tanto o PS como o PSD se comportam nestas situações.

Para obterem vitórias eleitorais a qualquer preço, caucionam alegremente o caciquismo e dão cobertura a todo o tipo de comportamentos e actuações políticas.

Para se livrarem das efectivas responsabilidades que têm nos eventuais desmandos dos seus eleitos, retiram-lhes a confiança como se não os conhecessem.

Mas conhecem. E, politicamente, são os primeiros responsáveis pelas suas eleições

«Avante!» Nº 1521 - 23.Janeiro.2003

Detenções

A TALHE DE FOICE • Henrique Custódio

E sta semana, a detenção para interrogatório do presidente da câmara municipal de Águeda, Manuel Castro Azevedo, terminou após sete horas de interrogatório com um resultado já trivial: foi constituído arguido num processo judicial por suspeita de prática de crimes de corrupção e peculato e libertado sob uma caução de 100 mil euros (20 mil contos), quantia cujo elevado montante configura graves suspeitas do tribunal sobre o arguido.

A trivialidade do caso prende-se directamente com o recente e semelhante episódio ocorrido com outro autarca, Fátima Felgueiras, por sinal também presidente de uma câmara municipal (a que se acrescentou, nas últimas horas, rumores sobre um processo semelhante envolvendo o presidente da câmara municipal de Paredes, do PSD).

As diferenças mais substantivas são que esta última foi eleita pelo PS e preside à câmara de Felgueiras, enquanto Castro Azevedo o foi pelo PSD e dirige o município de Águeda.

Quanto ao resto – que é o essencial -, nada os distingue: foram ambos detidos por largas horas, ambos saíram arguidos em processos onde são acusados de crimes vários (peculato, corrupção e etc.), ambos se encontram sobre medidas de coacção impostas pelo tribunal, ambos estão suspensos de funções (a primeira por imposição do juiz, o segundo voluntariamente), ambos pertencem a «partidos de poder» e a ambos os respectivos partidos já afirmaram retirar a confiança política «caso venham a ser condenados».

Outra semelhança, ainda, os irmana: ambos alcançaram o poder sob flagrantes práticas de caciquismo, ao ponto de os dois se haverem imposto aos respectivos partidos nas duas últimas eleições autárquicas apesar de, também sobre ambos, já haver impendido à época, e no mínimo, desprestigiantes suspeitas públicas.

No caso de Fátima Felgueiras, com investigações judiciais já conhecidas e perseguindo graves suspeitas de corrupção na sua actividade como presidente da câmara municipal.

No caso de Manuel Castro Azevedo, com este a desempenhar o papel de joguete dos interesses do cacique local, o empresário António Cruz Silva (ou «o Silva do Travassô», como é popularmente conhecido), dirigente máximo do PSD na região, actual deputado do PSD e conhecido na terra por fazer e desfazer carreiras políticas a seu bel prazer. Foi o que fez precisamente com Manuel Castro Azevedo, um discreto ex-funcionário das Finanças, vereador do PSD, que foi inesperadamente colocado à frente da lista do PSD à câmara por António Cruz Silva, que entretanto havia afastado o «candidato natural» do partido (e que por isso saiu mesmo do PSD). Assim, Castro Azevedo foi eleito há já dois mandatos e com maioria absoluta, tendo-se tornado matéria de falatório na cidade a constante presença no edifício dos Paços do Concelho do empresário «patrocinador» da sua candidatura. O resultado está à vista: o presidente da câmara, Castro e Azevedo, está acusado de práticas de corrupção exactamente com uma empresa de que é proprietário o «Silva do Travassô»

Mais grave que a trivialidade em que se está a tornar este tipo de acusações a autarcas (desprestigiando, obviamente, o poder local) é o cinismo com que tanto o PS como o PSD se comportam nestas situações.

Para obterem vitórias eleitorais a qualquer preço, caucionam alegremente o caciquismo e dão cobertura a todo o tipo de comportamentos e actuações políticas.

Para se livrarem das efectivas responsabilidades que têm nos eventuais desmandos dos seus eleitos, retiram-lhes a confiança como se não os conhecessem.

Mas conhecem. E, politicamente, são os primeiros responsáveis pelas suas eleições

«Avante!» Nº 1521 - 23.Janeiro.2003

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