Intervenção do Deputado António Filipe

09-09-2003
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Debate mensal do Primeiro-Ministro com a Assembleia da República sobre o tema “A situação política internacional, designadamente a questão do Iraque” (pergunta ao Primeiro-Ministro)

Intervenção do Deputado António Filipe

19 de Setembro de 2002

Sr. Presidente,

Sr. Primeiro-Ministro,

A posição que V. Ex.ª assumiu à saída da reunião com o Presidente George W. Bush deu uma imagem de seguidismo do nosso país que nos entristece e que se dissociou claramente de posições, mais sensatas e mais ponderadas, tomadas por outros responsáveis de países da União Europeia.

Disse-nos o Sr. Primeiro-Ministro que foi a Washington para dar a sua opinião, como aliado, ao Sr. Presidente dos Estados Unidos. Mas, Sr. Primeiro-Ministro, não me parece que a sua opinião tenha contribuído para alterar a posição do Presidente Bush; porém, pelos vistos, a opinião dele contribuiu para alterar a sua.

O Sr. Primeiro-Ministro disse ter falado com parceiros europeus — e referiu o Sr. Blair e a Grã-Bretanha, e a Grã-Bretanha e o Sr. Blair. O Sr. Primeiro-Ministro não pensou falar também com o Sr. Presidente Chirac? Com o Chanceler Schroeder? Com o Sr. Prodi? Significativamente não citou aqui essas opiniões, e são opiniões muitos diferentes das suas e, do nosso ponto de vista, muito mais sensatas relativamente aos perigos de uma guerra no Golfo e, particularmente, de uma acção unilateral dos Estados Unidos da América.

Sabemos que a voz do Sr. Blair, infelizmente, em matéria de política externa, não tem passado de um eco da voz do Presidente dos Estados Unidos da América, seja ele qual for e que, aliás, tem transformado, infelizmente, a Grã-Bretanha, no plano internacional, numa espécie de 51.º Estado dos Estados Unidos da América.

Nós não somos o 52.º Estado dos EUA e gostaríamos que o Governo se comportasse sempre tendo em conta esse facto.

Como toda a gente sabe, Sr. Primeiro-Ministro, a decisão norte-americana de desencadear uma guerra contra o Iraque foi tomada pelos Estados Unidos da América de uma forma unilateral, de há muito que ela está anunciada. E também toda a gente sabe que o presidente norte-americano tem deixado claro que essa sua decisão é incontornável, seja qual for a posição iraquiana perante as resoluções das Nações Unidas, e daí também a desvalorização que fez desta perspectiva que se pode abrir, que o Sr. Primeiro-Ministro, aliás, referiu, para salvaguardar a paz no Golfo.

Curiosamente, o Sr. Deputado Correia de Jesus, agora, também assumiu aqui, claramente, «preto no branco», a posição do Presidente George W. Bush relativamente a essa iniciativa, aliás, de uma forma que me pareceu conflituante com a posição expressa pelo Sr. Primeiro-Ministro. Por isso, seria importante que o Sr. Primeiro-Ministro clarificasse a sua posição acerca disto.

Aliás, é do conhecimento de todos que as razões invocadas pelos Estados Unidos da América para a guerra contra o Iraque, que, aliás, mudam todos os dias — cada dia há uma nova razão, que substitui a anterior —, não passam de pretextos para obter apoios internacionais para a sua posição unilateral. Repito, toda a gente sabe isto, mas o Sr. Primeiro-Ministro finge desconhecer.

Mas vamos à questão do Direito Internacional.

O Sr. Primeiro-Ministro falou na obstinação do regime iraquiano em não cumprir as resoluções das Nações Unidas. De facto, nós pensamos que as resoluções das Nações Unidas, estas e outras, devem ser cumpridas.

Dizia o Sr. Primeiro-Ministro, há pouco, que só há um Direito Internacional. Bom, então tenho de perguntar qual é a posição do Governo português perante a sistemática violação do Direito Internacional pelo Estado de Israel.

Israel é um Estado do Médio Oriente e, pelo que sabemos, tem armas de destruição maciça, comete crimes contra a Humanidade, viola sistematicamente as resoluções das Nações Unidas, sejam elas da Assembleia Geral, sejam elas do próprio Conselho de Segurança, e recusa frontalmente a presença das Nações Unidas na Palestina. No entanto, contra Israel não há uma sanção, tudo não passa de uma leve censura, e continua a ser um dilecto parceiro e a ser considerado como um aliado!

Sr. Primeiro-Ministro, se só há um Direito Internacional, por que é que há um Direito Internacional em relação ao Iraque que tem de ser cumprido — e entendemos que tem — e há um Direito Internacional que pode deixar de ser cumprido, que é o que se refere a Israel? Nós consideramos que não há dignidade alguma nessa posição e que o Governo português deveria clarificar a sua posição relativamente ao cumprimento do Direito Internacional também pelo Estado de Israel!

Sr. Primeiro-Ministro, a posição digna, que entendemos deve ser a do Governo português, quanto ao Médio Oriente, deve ser a da procura da paz na região! Não serve nenhum interesse nacional procurar obter algumas «migalhas do saco», do petróleo iraquiano à custa de muitos milhares de mortos!

Só há duas posições: ou aceitar a guerra com subserviência, ou defender a paz com dignidade! É esta última a nossa opção, e estamos certos de que se for esta a opção do Governo estará de acordo com a da esmagadora maioria do povo português!

Debate mensal do Primeiro-Ministro com a Assembleia da República sobre o tema “A situação política internacional, designadamente a questão do Iraque” (pergunta ao Primeiro-Ministro)

Intervenção do Deputado António Filipe

19 de Setembro de 2002

Sr. Presidente,

Sr. Primeiro-Ministro,

A posição que V. Ex.ª assumiu à saída da reunião com o Presidente George W. Bush deu uma imagem de seguidismo do nosso país que nos entristece e que se dissociou claramente de posições, mais sensatas e mais ponderadas, tomadas por outros responsáveis de países da União Europeia.

Disse-nos o Sr. Primeiro-Ministro que foi a Washington para dar a sua opinião, como aliado, ao Sr. Presidente dos Estados Unidos. Mas, Sr. Primeiro-Ministro, não me parece que a sua opinião tenha contribuído para alterar a posição do Presidente Bush; porém, pelos vistos, a opinião dele contribuiu para alterar a sua.

O Sr. Primeiro-Ministro disse ter falado com parceiros europeus — e referiu o Sr. Blair e a Grã-Bretanha, e a Grã-Bretanha e o Sr. Blair. O Sr. Primeiro-Ministro não pensou falar também com o Sr. Presidente Chirac? Com o Chanceler Schroeder? Com o Sr. Prodi? Significativamente não citou aqui essas opiniões, e são opiniões muitos diferentes das suas e, do nosso ponto de vista, muito mais sensatas relativamente aos perigos de uma guerra no Golfo e, particularmente, de uma acção unilateral dos Estados Unidos da América.

Sabemos que a voz do Sr. Blair, infelizmente, em matéria de política externa, não tem passado de um eco da voz do Presidente dos Estados Unidos da América, seja ele qual for e que, aliás, tem transformado, infelizmente, a Grã-Bretanha, no plano internacional, numa espécie de 51.º Estado dos Estados Unidos da América.

Nós não somos o 52.º Estado dos EUA e gostaríamos que o Governo se comportasse sempre tendo em conta esse facto.

Como toda a gente sabe, Sr. Primeiro-Ministro, a decisão norte-americana de desencadear uma guerra contra o Iraque foi tomada pelos Estados Unidos da América de uma forma unilateral, de há muito que ela está anunciada. E também toda a gente sabe que o presidente norte-americano tem deixado claro que essa sua decisão é incontornável, seja qual for a posição iraquiana perante as resoluções das Nações Unidas, e daí também a desvalorização que fez desta perspectiva que se pode abrir, que o Sr. Primeiro-Ministro, aliás, referiu, para salvaguardar a paz no Golfo.

Curiosamente, o Sr. Deputado Correia de Jesus, agora, também assumiu aqui, claramente, «preto no branco», a posição do Presidente George W. Bush relativamente a essa iniciativa, aliás, de uma forma que me pareceu conflituante com a posição expressa pelo Sr. Primeiro-Ministro. Por isso, seria importante que o Sr. Primeiro-Ministro clarificasse a sua posição acerca disto.

Aliás, é do conhecimento de todos que as razões invocadas pelos Estados Unidos da América para a guerra contra o Iraque, que, aliás, mudam todos os dias — cada dia há uma nova razão, que substitui a anterior —, não passam de pretextos para obter apoios internacionais para a sua posição unilateral. Repito, toda a gente sabe isto, mas o Sr. Primeiro-Ministro finge desconhecer.

Mas vamos à questão do Direito Internacional.

O Sr. Primeiro-Ministro falou na obstinação do regime iraquiano em não cumprir as resoluções das Nações Unidas. De facto, nós pensamos que as resoluções das Nações Unidas, estas e outras, devem ser cumpridas.

Dizia o Sr. Primeiro-Ministro, há pouco, que só há um Direito Internacional. Bom, então tenho de perguntar qual é a posição do Governo português perante a sistemática violação do Direito Internacional pelo Estado de Israel.

Israel é um Estado do Médio Oriente e, pelo que sabemos, tem armas de destruição maciça, comete crimes contra a Humanidade, viola sistematicamente as resoluções das Nações Unidas, sejam elas da Assembleia Geral, sejam elas do próprio Conselho de Segurança, e recusa frontalmente a presença das Nações Unidas na Palestina. No entanto, contra Israel não há uma sanção, tudo não passa de uma leve censura, e continua a ser um dilecto parceiro e a ser considerado como um aliado!

Sr. Primeiro-Ministro, se só há um Direito Internacional, por que é que há um Direito Internacional em relação ao Iraque que tem de ser cumprido — e entendemos que tem — e há um Direito Internacional que pode deixar de ser cumprido, que é o que se refere a Israel? Nós consideramos que não há dignidade alguma nessa posição e que o Governo português deveria clarificar a sua posição relativamente ao cumprimento do Direito Internacional também pelo Estado de Israel!

Sr. Primeiro-Ministro, a posição digna, que entendemos deve ser a do Governo português, quanto ao Médio Oriente, deve ser a da procura da paz na região! Não serve nenhum interesse nacional procurar obter algumas «migalhas do saco», do petróleo iraquiano à custa de muitos milhares de mortos!

Só há duas posições: ou aceitar a guerra com subserviência, ou defender a paz com dignidade! É esta última a nossa opção, e estamos certos de que se for esta a opção do Governo estará de acordo com a da esmagadora maioria do povo português!

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