EXPRESSO: País

13-07-2002
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CORREIA DE CAMPOS, ministro da Saúde

«Às vezes é preciso partir cadeiras» Ana Baião «Não tenho bombons para distribuir, tenho uma conta negativa para gerir e, por isso, tenho mais dificuldades em ser popular. As minhas metas são ficar nos últimos lugares das sondagens e temos vindo a melhorar, consistentemente, os indicadores de saúde» MINISTRO da Saúde, Correia de Campos, admite que os hospitais transformem serviços em empresas que depois lhes prestem serviços, quer pôr fim à eleição dos directores e alterar o regime de funcionamento das urgências. Recusando ser antimédico, defende que um ministro tem de mostrar autoridade e abriu a guerra aos congressos com componente turística. Embora admita que alguns aspectos só avançam «paulatinamente», não se arrepende de ter partido uma cadeira defeituosa numa visita a um hospital: «Há momentos na vida em que é preciso». «paulatinamente»,«Há momentos na vida em que é preciso». EXPRESSO - Por que disse que «se conhecesse os hospitais não seria ministro da Saúde»? CORREIA DE CAMPOS - Como ministro não tenho tempo nem condições para conhecer profundamente todos hospitais, mas, provavelmente, conheço-os melhor do que qualquer outro ministro que tenha ocupado a pasta. Lamentavelmente, esta resposta foi distorcida. Estou profundamente empenhado nesta função. EXP. - A porta-voz do PSD para Saúde disse que «Correia de Campos não tem apoio do PS. Chegou no fim do banquete, não tem 'timing' político para fazer o que tem defendido». C.C. - Somos bons amigos, mas, com todo o respeito, essa afirmação não é correcta. O PS é um partido que está no meio do tecido social, haverá muita gente que não está sempre de acordo com as minhas decisões, mas a maioria dos socialistas está. EXP. - Clara Carneiro também disse que a sua política é a do PSD. C.C. - Há uma enorme margem de consenso entre todas as forças políticas. Desde 1996 que está desmistificada a noção de que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) era uma questão puramente socialista. Na reunião da Comissão Parlamentar de Saúde, antigos ministros afirmaram que o SNS é uma grande conquista e está para ficar. EXP. - Concorda com o professor Manuel Antunes, quando ele diz que «a promiscuidade entre o sector público e o sector privado é a principal causa da falta de produtividade». C.C. - Acompanho-o parcialmente. Em toda a minha carreira de professor universitário nunca estive em dedicação exclusiva e publicava tanto ou mais do que os meus colegas. Não sou muito crente na exclusividade, mas doutrinariamente fui talvez das pessoas que mais escreveu sobre a utilidade dos regimes de dedicação exclusiva em Portugal. Quando não há uma missão e objectivos claramente partilhados no sector público, pode acontecer que alguns se desviem para o sector privado. Isso existe em todos os sistemas e aí o professor Manuel Antunes tem razão. Por isso, não concebo que o director de um serviço hospital seja proprietário de um laboratório. E a Lei de Bases do SNS permite fazer experiências inovadoras de gestão. Os hospitais podem transformar serviços em sociedades privadas com capital maioritariamente público e os médicos serem destacados para essas empresas com uma licença sem vencimento. Onde nos interessar, vamos criar estas sociedades para que possam vender os seus serviços ao hospital e ao exterior e ter os equipamentos de alta tecnologia a funcionar durante todo o dia. EXP. - Continua a defender que não é necessária uma nova Lei de Bases da Saúde ao contrário da sua antecessora. C.C. - Não vou promover uma discussão estratosférica quando temos problemas terrenos para tratar. EXP. - E que responde ao dr. Bagão Félix, quando lamenta que «custa a ver como se arranjam milhões para obras e não há verbas para combater as listas de espera». C.C. - O combate às listas de espera são um programa com um sucesso paulatino, mas garantido. Este ano vamos gastar cinco milhões de contos. No segundo semestre vamos fazer 21 mil cirurgias, mais 4 mil que em período homólogo do ano passado. EXP. - E as longas listas de espera em estomatologia? C.C. - Haverá eternamente. No total de cuidados de saúde dentária prestados, 90% são privados, e tem sido sempre assim. Curiosamente, a saúde pública está a apostar no Programa de Prevenção da Saúde Oral... EXP. - Que não faz pouco sentido, se não há consultas... C.C. - Tudo isso é verdade e não se resolve, mas o problema número um na saúde oral é preventivo. Se nos habituarmos a ir a consultas periódicas só teremos a ganhar. EXP. - Se pensa que a prevenção é importante, que é feito dos centros de saúde de 3ª geração, anunciados como tendo uma estrutura mais eficaz e que estão «na gaveta»? C.C. - Os centros de saúde de 3ª geração vão avançar com toda a convicção. A primeira missão do alto comissário da Saúde, que tomou posse terça-feira, é constituir as comissões de acompanhamento desses centros. EXP. - Que é feito do plano de redução da comparticipação dos medicamentos? C.C. - As relações que temos estabelecido com a indústria são de tal forma positivas que conseguimos, na quarta-feira, celebrar um protocolo escrito sobre a prescrição. É um acordo sério que, até 2003, vai permitir poupar 20 milhões de contos através de mecanismos que limitam o crescimento da despesa. EXP. - Os gastos com medicamentos, no entanto, não param de aumentar? C.C. - Este crescimento em flecha resulta dos medicamentos dispensados gratuitamente aos doentes com sida e aos doentes oncológicos. As inovações tecnologias e terapêuticas têm sido espectaculares, mas com um custo brutal. EXP. - Os orçamentos clínicos para os médicos vão avançar? C.C. - Essa expressão não agrada aos médicos, porque é «economicista», dizem, e prefiro que adoptemos outro estilo: melhorar a qualidade da prescrição. O importante é ajudar os médicos a prescrever, através de sistemas de informação que lhes forneçam os preços dos medicamentos. EXP. - Os chamados perfis médicos de tratamento vão ser alargados aos hospitais públicos? C.C. - Já acontece nos subsistemas privados e em alguns centros de saúde da região de Setúbal, por exemplo. Os clínicos dos centros de saúde são informados, confidencialmente, sob o seu perfil de tratamento e sobre os desvios à norma e há uma co-responsabilização para que se tenha um padrão de prescrição terapêutica sóbrio e efectivo. EXP. - Ainda defende que o farmacêutico tem competência para alterar a prescrição? C.C. - Tenho que cumprir a lei. Em Janeiro de 2004, todos os médicos têm de prescrever por denominação comum internacional. Nas prescrições sem nome comercial, o farmacêutico é obrigado a informar o paciente sobre o preço dos medicamentos e, mesmo com o nome comercial, pode exibir um medicamento alternativo e escolher pelo preço. EXP. - E os genéricos? C.C. - Estão a avançar paulatinamente. Cada vez há mais aprovações e vendas. EXP. - Só paulatinamente, por quê? C.C. - É necessário educar a classe médica. EXP. - Sente-se numa camisa de varas perante os poderosos «lobbies» do sector? C.C. - São uma realidade nas sociedades contemporâneas. EXP. - 73% da população diz-se insatisfeita com a Saúde. C.C. - Neste ministério, não tenho bombons para distribuir, tenho uma conta negativa para gerir e, por isso, tenho mais dificuldades em ser popular. Não é por acaso que nas sondagens sobre a popularidade dos ministros, os da Saúde e da Educação são os menos populares em todo o mundo. As minhas metas são ficar nos últimos lugares. A percepção da população depende de muitos factores, sobretudo, do nível de exigência. Temos vindo a melhorar, consistentemente, os indicadores de saúde. EXP. - Os médicos portugueses têm um poder excessivo? C.C. - Os ministros é que têm de afirmar o seu poder e assumir as suas responsabilidades. Recentemente, fiz um despacho dando instruções para não se autorizar a concessão de comissão gratuita de serviço aos médicos que apresentassem pedidos para se deslocarem a um certo número de congressos onde o motivo não era exclusivamente científico. EXP. - Foi esse o motivo porque entregou à Ordem dos Médicos uma proposta para reduzir de 15 para cinco dias as comissões gratuitas de serviço? C.C. - Essa informação é errada. A título pessoal, entreguei ao presidente da Apifarma e ao bastonário dos médicos um projecto de despacho onde mantinha os 15 dias e para que fosse a OM e a Ordem dos Farmacêuticos a verificarem o carácter científico dos encontros. EXP. - Desde 1997, que a Ordem dos Médicos e Apifarma têm um protocolo, nesse sentido. C.C. - Têm, certamente, mas pelos últimos exemplos não estava a ser praticado. Não basta reconhecer o carácter científico, é necessário que as manifestações tenham um carácter exclusivamente científico. EXP. - Vai permitir a venda de medicamentos fora das farmácias? C.C. - Não tinha nada a opor se as farmácias tivessem um balcão de compra livre ou se se instalassem em supermercados. Tem é que haver sempre um farmacêutico presente. EXP. - E quanto à protecção das farmácias? C.C. - Não é um problema exclusivamente português, sei que choca e também não se enquadra com a minha maneira de pensar. Apesar dessas acusações as farmácias têm funcionado bem, prestado um serviço sério e com qualidade. São um «lobbie» forte e duro na negociação, mas têm padrões éticos. EXP. - E a dívida permanente às farmácias? C.C. - Estamos a pagar as dívidas do Ministério da Saúde relativas a 2000 ao abrigo do Orçamento Rectificativo dos 290 milhões de contos, ao ritmo que o Tesouro nos disponibiliza o dinheiro. EXP. - Haverá um orçamento rectificativo este ano? C.C. - Não, mas estamos a gerar défice. EXP. - É concebível alterar os horários dos médicos de quatro horas diárias e 12 na urgência para seis horas diárias? C.C. - O que vamos fazer é reformar e profissionalizar as urgências. Temos já um projecto de lei para que cada hospital possua um departamento, uma direcção e um corpo de médicos permanentes de urgência. As urgências vão ser reorganizadas, criando cinco graus de urgência e a possibilidade de contacto com os centros de saúde. Os médicos serão pagos por turnos e por um regime de incentivos porque as horas extraordinárias são uma forma errada de remunerar. As 12 horas de urgência vão acabar e o médico terá mais tempo para as consultas. EXP. - Quando é que vai alterar a Lei de Gestão Hospitalar? C.C. - Já está em elaboração. O modelo de Vila da Feira servirá de base à nova lei no sentido de reforçar a capacidade de gestão autónoma dos hospitais e uma maior responsabilização. EXP. - Qual é a solução para a falta de profissionais de saúde? C.C. - Vamos ter um problema grave nos próximos dez anos. Todavia, o registo deste Governo é exemplar. Em 1989 o «numerus clausus» das universidades de medicina chegou aos 400 e este ano vamos ter 975 alunos. Mas temos que ultrapassar estes números. Quanto à enfermagem, a integração nas escolas superiores veio aumentar o ritmo de formação. EXP. - Mantendo a qualidade? C.C. - Espero que sim. Não ficarei surpreendido se houver algumas diferenças, mas a enfermagem em Portugal é de alto nível. EXP. - As notas são um bom critério para a admissão de alunos às universidades de medicina? C.C. - São as universidades que têm de decidir essa questão. É um critério relativamente equitativo e objectivo. Não posso intervir nessa matéria. Tenho uma opinião, que pode não ser operacional. Por exemplo, a introdução das entrevistas aos candidatos. EXP. - Tem alguma objecção à abertura de cursos de medicina no ensino privado? C.C. - Garantida a qualidade, não tenho qualquer objecção. EXP. - É um conhecido estudioso das questões da Saúde. Agora que tem de pôr os conceitos em prática, sente alguma frustração? C.C. - Se eu quisesse prevenir o complexo de frustração candidatava-me a presidente de Câmara, que são quem vê, fisicamente, no fim do mandato, o resultado do seu trabalho. O ministro da Saúde pode não ver, apenas pode lançar sementes e o terreno é muito rico. Todos os dias me surpreendo com a generosidade dos profissionais de saúde nos hospitais públicos. Há quem entenda que eu tenho um sentimento antimédico, mas não. EXP. - Mas é possível executar as ideias que defende? C.C. - Algumas já estão executadas: o protocolo com a indústria foi executado, em três meses, nomeámos o alto comissário da Saúde, descentralizámos a gestão, vamos recuperar a Lei do Conselho Nacional da Saúde, desbloqueámos a construção de hospitais na área de Lisboa, está em vias de ser posto em circulação o novo Estatuto Jurídico dos hospitais, vamos iniciar os centros de saúde de 3ª geração, quero criar as cooperativas médicas e acabar com a eleição dos directores hospitalares. Passei mais de 50 horas à procura de uma solução para os regimes remuneratórios das horas extraordinárias nas urgências. EXP. - Se não chegou «no fim do banquete», por quanto mais tempo vai estar à mesa? C.C. - O tempo deste Governo. Até ao fim da legislatura e não tenho nenhuma dúvida retórica. EXP. - Acha que a situação política internacional foi uma benesse para o Governo? C.C. - A situação política internacional ocupa páginas da imprensa que de outra forma seriam ocupadas pela política doméstica. EXP. - Acha que o Governo está de boa saúde? C.C. - Até já não se fuma nas reuniões do Conselho de Ministros. Logo, as suas expectativas de saúde estão reforçadas. EXP. - Vai partir mais alguma cadeira, como fez numa visita a um hospital, até ao final do mandato? C.C. - Foi um gesto simbólico. Há momentos na vida, não são muitos, nem podem ser, em que é preciso partir algumas cadeiras. Mas temos de deixar intactas a maioria delas.

JOÃO GARCIA e VERA LÚCIA ARREIGOSO

COMENTÁRIOS

4 comentários 1 a 4

9 de Outubro de 2001 às 18:11

Amazon

estou ansiosa para ver como este ministro vai resolver os problemas das consultas , das urgências , da não justificação das horas extra e dos apregoados incentivos .

deve ser o ovo de colombo escondido como o pote de ouro no fim do arco iris.

9 de Outubro de 2001 às 01:07

Jd

A visão do Senhor Ministro sobre a questão das farmácias é, pura e simplesmente, vergonhosa. Então se choca e se não concorda com ela, de que é que o Senhor Ministro está à espera para actuar? Será que o Senhor Ministro ainda não percebeu que o caso das farmácias é uma das demonstrações de que Portugal não é um estado de direito? Se qualquer cidadão pode ter hospitais, pode possuir fábricas de medicamentos, pode ser o proprietário de lojas de tudo e mais alguma coisa, porque razão não pode comercializar medicamentos? A existência do lobbie é justificação bastante para tudo? Qual é o preço, Senhor Ministro?

8 de Outubro de 2001 às 08:35

Ed

Este "menistro" é um perfeito emproado anormal...

Volta, Arcanja, está tudo perdoado.

8 de Outubro de 2001 às 08:35

Ed

Este "menistro" é um perfeito emproado anormal...

Volta, Arcanja, está tudo perdoado.

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CORREIA DE CAMPOS, ministro da Saúde

«Às vezes é preciso partir cadeiras» Ana Baião «Não tenho bombons para distribuir, tenho uma conta negativa para gerir e, por isso, tenho mais dificuldades em ser popular. As minhas metas são ficar nos últimos lugares das sondagens e temos vindo a melhorar, consistentemente, os indicadores de saúde» MINISTRO da Saúde, Correia de Campos, admite que os hospitais transformem serviços em empresas que depois lhes prestem serviços, quer pôr fim à eleição dos directores e alterar o regime de funcionamento das urgências. Recusando ser antimédico, defende que um ministro tem de mostrar autoridade e abriu a guerra aos congressos com componente turística. Embora admita que alguns aspectos só avançam «paulatinamente», não se arrepende de ter partido uma cadeira defeituosa numa visita a um hospital: «Há momentos na vida em que é preciso». «paulatinamente»,«Há momentos na vida em que é preciso». EXPRESSO - Por que disse que «se conhecesse os hospitais não seria ministro da Saúde»? CORREIA DE CAMPOS - Como ministro não tenho tempo nem condições para conhecer profundamente todos hospitais, mas, provavelmente, conheço-os melhor do que qualquer outro ministro que tenha ocupado a pasta. Lamentavelmente, esta resposta foi distorcida. Estou profundamente empenhado nesta função. EXP. - A porta-voz do PSD para Saúde disse que «Correia de Campos não tem apoio do PS. Chegou no fim do banquete, não tem 'timing' político para fazer o que tem defendido». C.C. - Somos bons amigos, mas, com todo o respeito, essa afirmação não é correcta. O PS é um partido que está no meio do tecido social, haverá muita gente que não está sempre de acordo com as minhas decisões, mas a maioria dos socialistas está. EXP. - Clara Carneiro também disse que a sua política é a do PSD. C.C. - Há uma enorme margem de consenso entre todas as forças políticas. Desde 1996 que está desmistificada a noção de que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) era uma questão puramente socialista. Na reunião da Comissão Parlamentar de Saúde, antigos ministros afirmaram que o SNS é uma grande conquista e está para ficar. EXP. - Concorda com o professor Manuel Antunes, quando ele diz que «a promiscuidade entre o sector público e o sector privado é a principal causa da falta de produtividade». C.C. - Acompanho-o parcialmente. Em toda a minha carreira de professor universitário nunca estive em dedicação exclusiva e publicava tanto ou mais do que os meus colegas. Não sou muito crente na exclusividade, mas doutrinariamente fui talvez das pessoas que mais escreveu sobre a utilidade dos regimes de dedicação exclusiva em Portugal. Quando não há uma missão e objectivos claramente partilhados no sector público, pode acontecer que alguns se desviem para o sector privado. Isso existe em todos os sistemas e aí o professor Manuel Antunes tem razão. Por isso, não concebo que o director de um serviço hospital seja proprietário de um laboratório. E a Lei de Bases do SNS permite fazer experiências inovadoras de gestão. Os hospitais podem transformar serviços em sociedades privadas com capital maioritariamente público e os médicos serem destacados para essas empresas com uma licença sem vencimento. Onde nos interessar, vamos criar estas sociedades para que possam vender os seus serviços ao hospital e ao exterior e ter os equipamentos de alta tecnologia a funcionar durante todo o dia. EXP. - Continua a defender que não é necessária uma nova Lei de Bases da Saúde ao contrário da sua antecessora. C.C. - Não vou promover uma discussão estratosférica quando temos problemas terrenos para tratar. EXP. - E que responde ao dr. Bagão Félix, quando lamenta que «custa a ver como se arranjam milhões para obras e não há verbas para combater as listas de espera». C.C. - O combate às listas de espera são um programa com um sucesso paulatino, mas garantido. Este ano vamos gastar cinco milhões de contos. No segundo semestre vamos fazer 21 mil cirurgias, mais 4 mil que em período homólogo do ano passado. EXP. - E as longas listas de espera em estomatologia? C.C. - Haverá eternamente. No total de cuidados de saúde dentária prestados, 90% são privados, e tem sido sempre assim. Curiosamente, a saúde pública está a apostar no Programa de Prevenção da Saúde Oral... EXP. - Que não faz pouco sentido, se não há consultas... C.C. - Tudo isso é verdade e não se resolve, mas o problema número um na saúde oral é preventivo. Se nos habituarmos a ir a consultas periódicas só teremos a ganhar. EXP. - Se pensa que a prevenção é importante, que é feito dos centros de saúde de 3ª geração, anunciados como tendo uma estrutura mais eficaz e que estão «na gaveta»? C.C. - Os centros de saúde de 3ª geração vão avançar com toda a convicção. A primeira missão do alto comissário da Saúde, que tomou posse terça-feira, é constituir as comissões de acompanhamento desses centros. EXP. - Que é feito do plano de redução da comparticipação dos medicamentos? C.C. - As relações que temos estabelecido com a indústria são de tal forma positivas que conseguimos, na quarta-feira, celebrar um protocolo escrito sobre a prescrição. É um acordo sério que, até 2003, vai permitir poupar 20 milhões de contos através de mecanismos que limitam o crescimento da despesa. EXP. - Os gastos com medicamentos, no entanto, não param de aumentar? C.C. - Este crescimento em flecha resulta dos medicamentos dispensados gratuitamente aos doentes com sida e aos doentes oncológicos. As inovações tecnologias e terapêuticas têm sido espectaculares, mas com um custo brutal. EXP. - Os orçamentos clínicos para os médicos vão avançar? C.C. - Essa expressão não agrada aos médicos, porque é «economicista», dizem, e prefiro que adoptemos outro estilo: melhorar a qualidade da prescrição. O importante é ajudar os médicos a prescrever, através de sistemas de informação que lhes forneçam os preços dos medicamentos. EXP. - Os chamados perfis médicos de tratamento vão ser alargados aos hospitais públicos? C.C. - Já acontece nos subsistemas privados e em alguns centros de saúde da região de Setúbal, por exemplo. Os clínicos dos centros de saúde são informados, confidencialmente, sob o seu perfil de tratamento e sobre os desvios à norma e há uma co-responsabilização para que se tenha um padrão de prescrição terapêutica sóbrio e efectivo. EXP. - Ainda defende que o farmacêutico tem competência para alterar a prescrição? C.C. - Tenho que cumprir a lei. Em Janeiro de 2004, todos os médicos têm de prescrever por denominação comum internacional. Nas prescrições sem nome comercial, o farmacêutico é obrigado a informar o paciente sobre o preço dos medicamentos e, mesmo com o nome comercial, pode exibir um medicamento alternativo e escolher pelo preço. EXP. - E os genéricos? C.C. - Estão a avançar paulatinamente. Cada vez há mais aprovações e vendas. EXP. - Só paulatinamente, por quê? C.C. - É necessário educar a classe médica. EXP. - Sente-se numa camisa de varas perante os poderosos «lobbies» do sector? C.C. - São uma realidade nas sociedades contemporâneas. EXP. - 73% da população diz-se insatisfeita com a Saúde. C.C. - Neste ministério, não tenho bombons para distribuir, tenho uma conta negativa para gerir e, por isso, tenho mais dificuldades em ser popular. Não é por acaso que nas sondagens sobre a popularidade dos ministros, os da Saúde e da Educação são os menos populares em todo o mundo. As minhas metas são ficar nos últimos lugares. A percepção da população depende de muitos factores, sobretudo, do nível de exigência. Temos vindo a melhorar, consistentemente, os indicadores de saúde. EXP. - Os médicos portugueses têm um poder excessivo? C.C. - Os ministros é que têm de afirmar o seu poder e assumir as suas responsabilidades. Recentemente, fiz um despacho dando instruções para não se autorizar a concessão de comissão gratuita de serviço aos médicos que apresentassem pedidos para se deslocarem a um certo número de congressos onde o motivo não era exclusivamente científico. EXP. - Foi esse o motivo porque entregou à Ordem dos Médicos uma proposta para reduzir de 15 para cinco dias as comissões gratuitas de serviço? C.C. - Essa informação é errada. A título pessoal, entreguei ao presidente da Apifarma e ao bastonário dos médicos um projecto de despacho onde mantinha os 15 dias e para que fosse a OM e a Ordem dos Farmacêuticos a verificarem o carácter científico dos encontros. EXP. - Desde 1997, que a Ordem dos Médicos e Apifarma têm um protocolo, nesse sentido. C.C. - Têm, certamente, mas pelos últimos exemplos não estava a ser praticado. Não basta reconhecer o carácter científico, é necessário que as manifestações tenham um carácter exclusivamente científico. EXP. - Vai permitir a venda de medicamentos fora das farmácias? C.C. - Não tinha nada a opor se as farmácias tivessem um balcão de compra livre ou se se instalassem em supermercados. Tem é que haver sempre um farmacêutico presente. EXP. - E quanto à protecção das farmácias? C.C. - Não é um problema exclusivamente português, sei que choca e também não se enquadra com a minha maneira de pensar. Apesar dessas acusações as farmácias têm funcionado bem, prestado um serviço sério e com qualidade. São um «lobbie» forte e duro na negociação, mas têm padrões éticos. EXP. - E a dívida permanente às farmácias? C.C. - Estamos a pagar as dívidas do Ministério da Saúde relativas a 2000 ao abrigo do Orçamento Rectificativo dos 290 milhões de contos, ao ritmo que o Tesouro nos disponibiliza o dinheiro. EXP. - Haverá um orçamento rectificativo este ano? C.C. - Não, mas estamos a gerar défice. EXP. - É concebível alterar os horários dos médicos de quatro horas diárias e 12 na urgência para seis horas diárias? C.C. - O que vamos fazer é reformar e profissionalizar as urgências. Temos já um projecto de lei para que cada hospital possua um departamento, uma direcção e um corpo de médicos permanentes de urgência. As urgências vão ser reorganizadas, criando cinco graus de urgência e a possibilidade de contacto com os centros de saúde. Os médicos serão pagos por turnos e por um regime de incentivos porque as horas extraordinárias são uma forma errada de remunerar. As 12 horas de urgência vão acabar e o médico terá mais tempo para as consultas. EXP. - Quando é que vai alterar a Lei de Gestão Hospitalar? C.C. - Já está em elaboração. O modelo de Vila da Feira servirá de base à nova lei no sentido de reforçar a capacidade de gestão autónoma dos hospitais e uma maior responsabilização. EXP. - Qual é a solução para a falta de profissionais de saúde? C.C. - Vamos ter um problema grave nos próximos dez anos. Todavia, o registo deste Governo é exemplar. Em 1989 o «numerus clausus» das universidades de medicina chegou aos 400 e este ano vamos ter 975 alunos. Mas temos que ultrapassar estes números. Quanto à enfermagem, a integração nas escolas superiores veio aumentar o ritmo de formação. EXP. - Mantendo a qualidade? C.C. - Espero que sim. Não ficarei surpreendido se houver algumas diferenças, mas a enfermagem em Portugal é de alto nível. EXP. - As notas são um bom critério para a admissão de alunos às universidades de medicina? C.C. - São as universidades que têm de decidir essa questão. É um critério relativamente equitativo e objectivo. Não posso intervir nessa matéria. Tenho uma opinião, que pode não ser operacional. Por exemplo, a introdução das entrevistas aos candidatos. EXP. - Tem alguma objecção à abertura de cursos de medicina no ensino privado? C.C. - Garantida a qualidade, não tenho qualquer objecção. EXP. - É um conhecido estudioso das questões da Saúde. Agora que tem de pôr os conceitos em prática, sente alguma frustração? C.C. - Se eu quisesse prevenir o complexo de frustração candidatava-me a presidente de Câmara, que são quem vê, fisicamente, no fim do mandato, o resultado do seu trabalho. O ministro da Saúde pode não ver, apenas pode lançar sementes e o terreno é muito rico. Todos os dias me surpreendo com a generosidade dos profissionais de saúde nos hospitais públicos. Há quem entenda que eu tenho um sentimento antimédico, mas não. EXP. - Mas é possível executar as ideias que defende? C.C. - Algumas já estão executadas: o protocolo com a indústria foi executado, em três meses, nomeámos o alto comissário da Saúde, descentralizámos a gestão, vamos recuperar a Lei do Conselho Nacional da Saúde, desbloqueámos a construção de hospitais na área de Lisboa, está em vias de ser posto em circulação o novo Estatuto Jurídico dos hospitais, vamos iniciar os centros de saúde de 3ª geração, quero criar as cooperativas médicas e acabar com a eleição dos directores hospitalares. Passei mais de 50 horas à procura de uma solução para os regimes remuneratórios das horas extraordinárias nas urgências. EXP. - Se não chegou «no fim do banquete», por quanto mais tempo vai estar à mesa? C.C. - O tempo deste Governo. Até ao fim da legislatura e não tenho nenhuma dúvida retórica. EXP. - Acha que a situação política internacional foi uma benesse para o Governo? C.C. - A situação política internacional ocupa páginas da imprensa que de outra forma seriam ocupadas pela política doméstica. EXP. - Acha que o Governo está de boa saúde? C.C. - Até já não se fuma nas reuniões do Conselho de Ministros. Logo, as suas expectativas de saúde estão reforçadas. EXP. - Vai partir mais alguma cadeira, como fez numa visita a um hospital, até ao final do mandato? C.C. - Foi um gesto simbólico. Há momentos na vida, não são muitos, nem podem ser, em que é preciso partir algumas cadeiras. Mas temos de deixar intactas a maioria delas.

JOÃO GARCIA e VERA LÚCIA ARREIGOSO

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4 comentários 1 a 4

9 de Outubro de 2001 às 18:11

Amazon

estou ansiosa para ver como este ministro vai resolver os problemas das consultas , das urgências , da não justificação das horas extra e dos apregoados incentivos .

deve ser o ovo de colombo escondido como o pote de ouro no fim do arco iris.

9 de Outubro de 2001 às 01:07

Jd

A visão do Senhor Ministro sobre a questão das farmácias é, pura e simplesmente, vergonhosa. Então se choca e se não concorda com ela, de que é que o Senhor Ministro está à espera para actuar? Será que o Senhor Ministro ainda não percebeu que o caso das farmácias é uma das demonstrações de que Portugal não é um estado de direito? Se qualquer cidadão pode ter hospitais, pode possuir fábricas de medicamentos, pode ser o proprietário de lojas de tudo e mais alguma coisa, porque razão não pode comercializar medicamentos? A existência do lobbie é justificação bastante para tudo? Qual é o preço, Senhor Ministro?

8 de Outubro de 2001 às 08:35

Ed

Este "menistro" é um perfeito emproado anormal...

Volta, Arcanja, está tudo perdoado.

8 de Outubro de 2001 às 08:35

Ed

Este "menistro" é um perfeito emproado anormal...

Volta, Arcanja, está tudo perdoado.

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