Tempo de falar ao País

18-10-2002
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Tempo de Falar ao País

Por CARLOS ZORRINHO*

Domingo, 13 de Outubro de 2002 Para o maior partido da oposição, o ano político começa intenso e desafiante. Para além da frente parlamentar, as estruturas, os militantes e os simpatizantes animam-se com o debate da nova declaração de princípios e das novas normas estatutárias que serão apreciadas no próximo Congresso. Multiplicam-se forums temáticos e o Gabinete de Estudos desdobra-se em dezenas de grupos de trabalho sobre os domínios chave da acção política. Parecem estar assim criadas as condições para que o Congresso que se aproxima seja um momento de afirmação, modernização e credibilização do PS perante o País, enquanto Partido de regime e um dos esteios da democracia portuguesa. A modernização programática e estatutária, e a abertura do PS ao debate, não pode no entanto ser entendida como um fim em si mesmo. Ela constitui a forma mais inteligente e eficaz de iniciar um novo ciclo de intervenção baseada num discurso político estritamente virado para o futuro, mas é meramente instrumental em relação a esse discurso. Num semestre de oposição necessariamente mitigada pela humildade democrática de quem não ganha e pelo direito implícito do novo Príncipe ao benefício da dúvida, o PS marcou com firmeza as suas opções e as suas discordâncias e alertou a coligação governamental e o País para os perigos de erosão do sistema político, recessão económica, desqualificação competitiva, desarticulação do Estado e da Administração Pública, desestruturação social e vassalagem estratégica á escala global, resultantes duma mão cheia de medidas imaturas, impreparadas e imponderadas. Feito com sucesso o trabalho de denúncia, e com todos os sinais e indicadores a comprovarem o acerto das previsões mais pessimistas em relação à fraca qualidade do desempenho governamental, é grande a tentação para que o PS possa aguardar de forma passiva e sem correr riscos, que as consequências políticas dos erros alheios se traduzam a médio prazo em benefício próprio com expressão eleitoral. Não é no entanto isso que o país quer, nem é disso que o país precisa. Chegou o tempo de falar ao país, propor caminhos alternativos, mobilizar vontades, e despertar os sectores mais dinâmicos da sociedade portuguesa da letargia imobilista para que têm vindo a ser conduzidos por um modelo tacanho de poupança cega. Importa falar, mas falar claro. Fazer escolhas e ter a coragem de optar mesmo nos temas que dividem a sociedade portuguesa. Estabelecer a fronteira entre os temas de fractura e os temas de consenso, com consciência que ambos fazem parte da identidade de um Partido de poder, que deseja governar para toda a sociedade em nome dos valores da esquerda moderna. É um serviço à democracia e ao regime o pedido frontal da demissão de Paulo Portas, por ter quebrado as padrões de ética exigíveis para o elevado nível de responsabilidade pública associada aos desempenhos que lhe estão atribuídos. Mas em consequência, para que essa acção não se possa confundir com um mero acto oportunista de combate pelo poder, é preciso retomar o impulso reformista sobre o sistema político, insistindo com convicção nas soluções que aumentam a transparência do sistema e a qualidade da representação. A clarificação de responsabilidades no contributo interno para a crise económica que o País atravessa é também um desafio determinante. Os portugueses começam a distinguir cada vez com mais nitidez entre dois níveis de erros políticos e governativos: o erro dos Governos do PS ao permitirem a derrapagem das contas públicas e o erro do actual governo ao transformar, através duma inadequada gestão de expectativas e medidas de acção, uma crise orçamental numa crise económica. Mas esta clarificação por sim só é um jogo entre perdedores e um desafio entre culpados. Importa por isso que o PS fale ao País de medidas alternativas para controlar a despesa, revitalizar a economia e repor a confiança, com visão estratégica e sensibilidade social. Uma visão estratégica que não é compatível com a simples denúncia dos retrocessos no equilíbrio das relações de trabalho contidas no novo código, mas que exige a demonstração que essa política abre as portas a uma especialização trágica de Portugal como um país de mão de obra barata e dócil, inserido em sistemas produtivos de baixo valor acrescentado e a formulação alternativa, em termos simples e perceptíveis pela sociedade portuguesa, de uma política de mútuo benefício para trabalhadores e empreendedores, baseada no reforço das qualificações e no aproveitamento das novas oportunidades abertas pela economia do conhecimento, às quais Portugal deu ênfase na histórica Cimeira Europeia de Lisboa. Num quadro em que a quebra de confiança se acentua com a suicidária desvalorização da Administração, do Serviço Público e do papel regulador do Estado, com a criação consequente de condições favoráveis ao agravamento das desigualdades e da injustiça social, é tempo também do PS falar ao país sobre a Administração Pública que quer e cuja reforma não consolidou nos seus governos, apostando em critérios de defesa do interesse público para a valorização da Administração, em detrimento de discursos fundados na preservação de direitos adquiridos, por mais legítimos que eles possam ser. Perante a humilhante subserviência aos ditames da actual Administração americana, como única linha condutora visível da política externa do governo em funções, é também tempo do PS falar ao país da sua visão alternativa de plataforma logística e política e nova centralidade global no contexto da União Europeia, que informou o desenho do plano de desenvolvimento integrado e de investimento público em curso no País, agora em risco de desarticulação e pilotagem casuística ao sabor de pressões internas e externas. Com lucidez e ponderação, O PS concedeu um tempo de afirmação ao novo Governo, cumprindo o seu papel de alerta para os erros cometidos. Usando e abusando duma firmeza cega própria dos fracos, o Governo seguiu o seu trajecto baseado na negação de tudo o que foi feito pelo governo anterior, na submissão do serviço público ao interesse privado e na alienação da confiança dos portugueses na economia e nas instituições. Chegou assim o tempo de propor aos portugueses um caminho alternativo e do PS falar ao país, olhos nos olhos, em discurso directo e pela positiva. O Congresso que se aproxima é o tempo certo e o local apropriado para que isso suceda. *Deputado do PS OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Ferro quer mudar o PS por dentro e a relação dos socialistas com o país

Líder propõe "Fóruns Socialistas por Novas Políticas"

"Sou candidato a primeiro-ministro e não quero que fique nenhum tabu sobre isso"

"A despenalização do aborto não é uma questão de consciência"

"Não é possível consolidar as contas públicas num clima de recessão"

Breves

Manuel Maria Carrilho quer congresso renovador e critica Guterres

OPINIÃO

Tempo de falar ao País

Tempo de Falar ao País

Por CARLOS ZORRINHO*

Domingo, 13 de Outubro de 2002 Para o maior partido da oposição, o ano político começa intenso e desafiante. Para além da frente parlamentar, as estruturas, os militantes e os simpatizantes animam-se com o debate da nova declaração de princípios e das novas normas estatutárias que serão apreciadas no próximo Congresso. Multiplicam-se forums temáticos e o Gabinete de Estudos desdobra-se em dezenas de grupos de trabalho sobre os domínios chave da acção política. Parecem estar assim criadas as condições para que o Congresso que se aproxima seja um momento de afirmação, modernização e credibilização do PS perante o País, enquanto Partido de regime e um dos esteios da democracia portuguesa. A modernização programática e estatutária, e a abertura do PS ao debate, não pode no entanto ser entendida como um fim em si mesmo. Ela constitui a forma mais inteligente e eficaz de iniciar um novo ciclo de intervenção baseada num discurso político estritamente virado para o futuro, mas é meramente instrumental em relação a esse discurso. Num semestre de oposição necessariamente mitigada pela humildade democrática de quem não ganha e pelo direito implícito do novo Príncipe ao benefício da dúvida, o PS marcou com firmeza as suas opções e as suas discordâncias e alertou a coligação governamental e o País para os perigos de erosão do sistema político, recessão económica, desqualificação competitiva, desarticulação do Estado e da Administração Pública, desestruturação social e vassalagem estratégica á escala global, resultantes duma mão cheia de medidas imaturas, impreparadas e imponderadas. Feito com sucesso o trabalho de denúncia, e com todos os sinais e indicadores a comprovarem o acerto das previsões mais pessimistas em relação à fraca qualidade do desempenho governamental, é grande a tentação para que o PS possa aguardar de forma passiva e sem correr riscos, que as consequências políticas dos erros alheios se traduzam a médio prazo em benefício próprio com expressão eleitoral. Não é no entanto isso que o país quer, nem é disso que o país precisa. Chegou o tempo de falar ao país, propor caminhos alternativos, mobilizar vontades, e despertar os sectores mais dinâmicos da sociedade portuguesa da letargia imobilista para que têm vindo a ser conduzidos por um modelo tacanho de poupança cega. Importa falar, mas falar claro. Fazer escolhas e ter a coragem de optar mesmo nos temas que dividem a sociedade portuguesa. Estabelecer a fronteira entre os temas de fractura e os temas de consenso, com consciência que ambos fazem parte da identidade de um Partido de poder, que deseja governar para toda a sociedade em nome dos valores da esquerda moderna. É um serviço à democracia e ao regime o pedido frontal da demissão de Paulo Portas, por ter quebrado as padrões de ética exigíveis para o elevado nível de responsabilidade pública associada aos desempenhos que lhe estão atribuídos. Mas em consequência, para que essa acção não se possa confundir com um mero acto oportunista de combate pelo poder, é preciso retomar o impulso reformista sobre o sistema político, insistindo com convicção nas soluções que aumentam a transparência do sistema e a qualidade da representação. A clarificação de responsabilidades no contributo interno para a crise económica que o País atravessa é também um desafio determinante. Os portugueses começam a distinguir cada vez com mais nitidez entre dois níveis de erros políticos e governativos: o erro dos Governos do PS ao permitirem a derrapagem das contas públicas e o erro do actual governo ao transformar, através duma inadequada gestão de expectativas e medidas de acção, uma crise orçamental numa crise económica. Mas esta clarificação por sim só é um jogo entre perdedores e um desafio entre culpados. Importa por isso que o PS fale ao País de medidas alternativas para controlar a despesa, revitalizar a economia e repor a confiança, com visão estratégica e sensibilidade social. Uma visão estratégica que não é compatível com a simples denúncia dos retrocessos no equilíbrio das relações de trabalho contidas no novo código, mas que exige a demonstração que essa política abre as portas a uma especialização trágica de Portugal como um país de mão de obra barata e dócil, inserido em sistemas produtivos de baixo valor acrescentado e a formulação alternativa, em termos simples e perceptíveis pela sociedade portuguesa, de uma política de mútuo benefício para trabalhadores e empreendedores, baseada no reforço das qualificações e no aproveitamento das novas oportunidades abertas pela economia do conhecimento, às quais Portugal deu ênfase na histórica Cimeira Europeia de Lisboa. Num quadro em que a quebra de confiança se acentua com a suicidária desvalorização da Administração, do Serviço Público e do papel regulador do Estado, com a criação consequente de condições favoráveis ao agravamento das desigualdades e da injustiça social, é tempo também do PS falar ao país sobre a Administração Pública que quer e cuja reforma não consolidou nos seus governos, apostando em critérios de defesa do interesse público para a valorização da Administração, em detrimento de discursos fundados na preservação de direitos adquiridos, por mais legítimos que eles possam ser. Perante a humilhante subserviência aos ditames da actual Administração americana, como única linha condutora visível da política externa do governo em funções, é também tempo do PS falar ao país da sua visão alternativa de plataforma logística e política e nova centralidade global no contexto da União Europeia, que informou o desenho do plano de desenvolvimento integrado e de investimento público em curso no País, agora em risco de desarticulação e pilotagem casuística ao sabor de pressões internas e externas. Com lucidez e ponderação, O PS concedeu um tempo de afirmação ao novo Governo, cumprindo o seu papel de alerta para os erros cometidos. Usando e abusando duma firmeza cega própria dos fracos, o Governo seguiu o seu trajecto baseado na negação de tudo o que foi feito pelo governo anterior, na submissão do serviço público ao interesse privado e na alienação da confiança dos portugueses na economia e nas instituições. Chegou assim o tempo de propor aos portugueses um caminho alternativo e do PS falar ao país, olhos nos olhos, em discurso directo e pela positiva. O Congresso que se aproxima é o tempo certo e o local apropriado para que isso suceda. *Deputado do PS OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Ferro quer mudar o PS por dentro e a relação dos socialistas com o país

Líder propõe "Fóruns Socialistas por Novas Políticas"

"Sou candidato a primeiro-ministro e não quero que fique nenhum tabu sobre isso"

"A despenalização do aborto não é uma questão de consciência"

"Não é possível consolidar as contas públicas num clima de recessão"

Breves

Manuel Maria Carrilho quer congresso renovador e critica Guterres

OPINIÃO

Tempo de falar ao País

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