Ex-director de Finanças de Lisboa foi poupado no caso Lanalgo

23-03-2004
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Edifício vendido por 90 mil contos quando o preço base era 800 mil

Ex-director de Finanças de Lisboa Foi Poupado no Caso Lanalgo

Segunda-feira, 01 de Março de 2004

Depoimentos do próprio processo disciplinar, juntos à contestação de um dos funcionários punidos, aludem que José Maria Pires participou em decisões desde a escolha da leiloeira até à venda do imóvel

João Ramos de Almeida

O instrutor do processo disciplinar a quatro funcionários tributários relacionado com o caso Lanalgo, excluiu o ex-director de Finanças de Lisboa dos responsáveis, apesar de este ter admitido, em depoimento, que acompanhou o caso com os visados e de estes terem declarado nos autos que o director participou em todas as decisões. Actualmente, o ex-director é assessor do instrutor do processo, o subdirector-geral José João Duarte responsável pela tributação do património. O PÚBLICO tentou obter, em vão, um comentário do instrutor do processo e do Ministério das Finanças.

O processo disciplinar foi levantado no final de 2000 após um inquérito da auditoria interna da Direcção-Geral de Impostos (DGCI) e na sequência das denúncias dos trabalhadores. Os serviços recomendaram, na altura, a comunicação dos indícios às autoridades criminais.

Esses indícios prendiam-se com o facto de o conhecido estabelecimento lisboeta ter sido posto à venda pelo Fisco (depois de penhorado para cobrar dívidas fiscais) por 800 mil contos ou cerca de quatro milhões de euros, incluindo os encargos com os seus trabalhadores, mas acabou por ser vendido apenas o seu imóvel - através de uma leiloeira sugerida pela Direcção Distrital - por 90 mil contos, a uma firma com sede no offshore fiscal de Gibraltar, liberto de encargos com os trabalhadores. Esse facto levou a Polícia Judiciária (PJ) a interessar-se. Mas passados quase quatro anos, e apesar da anulação judicial da venda, nem o prédio reintegrou a massa falida da empresa, nem as instâncias judiciais chegaram a conclusões, para prejuízo dos trabalhadores (ver caixa).

Com base na auditoria que teve ecos da comunicação social, o então secretário de Estado dos Assuntos Fiscais Ricardo Sá Fernandes abriu o processo aos funcionários ligados ao caso. Foram designados quatro funcionários: o director adjunto da 1ª Direcção Distrital de Finanças de Lisboa (DDF), o chefe do 3º bairro fiscal, o chefe de divisão na DDF e um técnico da DDF.

Após quase ano e meio de inquérito disciplinar, a instrutor, o subdirector-geral José João Duarte, decidiu penalizar os quatro funcionários, embora, como na altura afirmou fonte oficial do Ministério das Finanças, por "actos disciplinares menores, relacionados com falta de zelo e negligência". As penas oscilaram entre 15 a 60 dias de suspensão. Mas mesmo a pena mais alta não teve efeito porque a sua notificação levou dois meses a chegar ao destinatário. O director adjunto, que teve a maior pena e fora promovido pouco tempo antes, aposentou-se sem ver a sua pensão alterada por isso.

Responsável admite ter sido chamado "a formular uma opinião"

Mas um dos funcionários não aceitou o veredicto. O chefe do 3º bairro fiscal Bertolino Figueira, punido com 30 dias de suspensão, pediu a sua anulação, o que foi recusado pelo já actual director-geral dos impostos. O caso corre nos tribunais administrativos.

Os depoimentos do próprio processo disciplinar, juntos à contestação, aludem que o director de Finanças participou na decisão irregular. Segundo a contestação, essas decisões foram desde a escolha da leiloeira até à venda do imóvel.

O director José Maria Pires afirmou para os autos que "só passou a acompanhar mais de perto a evolução do processo Lanalgo a partir de uma reunião com o director Guerreiro Lourenço, o chefe de divisão Pombo Alves e Dr. Baptista [técnico na DDF], onde lhe foi dito que, não obstar algumas incorrecções verificadas na penhora do imóvel, a repartição de Finanças poderia avançar com a venda". E que essa reunião ocorreu em 2000, ou seja, posteriormente à própria venda. Mas que "só posteriormente e face às notícias divulgadas na comunicação social é que começou a ter algumas dúvidas sobre o processo". Mas remeteu responsabilidades para o director adjunto, embora admita que foi chamado "a formular uma opinião".

Esta versão foi, porém, contestada. O director-adjunto Guerreiro Lourenço afirmou no processo que "contactou com o processo Lanalgo quando este veio à DDF para autorizar a venda por negociação particular, o que motivou uma primeira reunião entre o declarante e o Sr.director de Finanças" e com os outros dois visados. Ou seja, de acordo com os documentos, ainda no final de 1999. "Nos casos mais complexos, só decide depois de ouvir o Sr. director de Finanças", referem os autos.

Joaquim Baptista, técnico na DDF, reiterou a presença de Pires desde o início. Declarou que o acompanhamento do processo teve que ver "com o sancionamento da venda isolada do imóvel, ficando para mais tarde a penhora e venda do estabelecimento comercial", ou seja, "pequenas irregularidades". E "que as decisões tomadas no processo foram todas tomadas por consenso em reuniões entre o declarante, o director Pires, o director Guerreiro Lourenço e o chefe de divisão Pombo Alves".

Face a estes depoimentos, o instrutor não retirou certidão relativa ao director José Manuel Pires e o então director-geral dos impostos António Nunes dos Reis ratificou esta decisão. Em declarações ao PÚBLICO justificou-a porque "o instrutor não o propôs". O PÚBLICO tentou obter um comentário do instrutor sobre esta decisão, mas foi remetido para a assessoria de imprensa, a qual não forneceu qualquer resposta.

José Manuel Pires deixou a 1ª Direcção Distrital de Finanças após a fusão das duas direcções distritais. De acordo com elementos recolhidos, não abordados oficialmente, o instrutor do processo disciplinar propôs que o ex-director fosse promovido a director de serviços, mas foi recusado. Posteriormente, chamou-o para colaborador, estando actualmente com funções relacionadas com a reforma da tributação do património imobiliário e é apontado na administração como podendo substituir o próprio subdirector-geral da tributação do património.

Edifício vendido por 90 mil contos quando o preço base era 800 mil

Ex-director de Finanças de Lisboa Foi Poupado no Caso Lanalgo

Segunda-feira, 01 de Março de 2004

Depoimentos do próprio processo disciplinar, juntos à contestação de um dos funcionários punidos, aludem que José Maria Pires participou em decisões desde a escolha da leiloeira até à venda do imóvel

João Ramos de Almeida

O instrutor do processo disciplinar a quatro funcionários tributários relacionado com o caso Lanalgo, excluiu o ex-director de Finanças de Lisboa dos responsáveis, apesar de este ter admitido, em depoimento, que acompanhou o caso com os visados e de estes terem declarado nos autos que o director participou em todas as decisões. Actualmente, o ex-director é assessor do instrutor do processo, o subdirector-geral José João Duarte responsável pela tributação do património. O PÚBLICO tentou obter, em vão, um comentário do instrutor do processo e do Ministério das Finanças.

O processo disciplinar foi levantado no final de 2000 após um inquérito da auditoria interna da Direcção-Geral de Impostos (DGCI) e na sequência das denúncias dos trabalhadores. Os serviços recomendaram, na altura, a comunicação dos indícios às autoridades criminais.

Esses indícios prendiam-se com o facto de o conhecido estabelecimento lisboeta ter sido posto à venda pelo Fisco (depois de penhorado para cobrar dívidas fiscais) por 800 mil contos ou cerca de quatro milhões de euros, incluindo os encargos com os seus trabalhadores, mas acabou por ser vendido apenas o seu imóvel - através de uma leiloeira sugerida pela Direcção Distrital - por 90 mil contos, a uma firma com sede no offshore fiscal de Gibraltar, liberto de encargos com os trabalhadores. Esse facto levou a Polícia Judiciária (PJ) a interessar-se. Mas passados quase quatro anos, e apesar da anulação judicial da venda, nem o prédio reintegrou a massa falida da empresa, nem as instâncias judiciais chegaram a conclusões, para prejuízo dos trabalhadores (ver caixa).

Com base na auditoria que teve ecos da comunicação social, o então secretário de Estado dos Assuntos Fiscais Ricardo Sá Fernandes abriu o processo aos funcionários ligados ao caso. Foram designados quatro funcionários: o director adjunto da 1ª Direcção Distrital de Finanças de Lisboa (DDF), o chefe do 3º bairro fiscal, o chefe de divisão na DDF e um técnico da DDF.

Após quase ano e meio de inquérito disciplinar, a instrutor, o subdirector-geral José João Duarte, decidiu penalizar os quatro funcionários, embora, como na altura afirmou fonte oficial do Ministério das Finanças, por "actos disciplinares menores, relacionados com falta de zelo e negligência". As penas oscilaram entre 15 a 60 dias de suspensão. Mas mesmo a pena mais alta não teve efeito porque a sua notificação levou dois meses a chegar ao destinatário. O director adjunto, que teve a maior pena e fora promovido pouco tempo antes, aposentou-se sem ver a sua pensão alterada por isso.

Responsável admite ter sido chamado "a formular uma opinião"

Mas um dos funcionários não aceitou o veredicto. O chefe do 3º bairro fiscal Bertolino Figueira, punido com 30 dias de suspensão, pediu a sua anulação, o que foi recusado pelo já actual director-geral dos impostos. O caso corre nos tribunais administrativos.

Os depoimentos do próprio processo disciplinar, juntos à contestação, aludem que o director de Finanças participou na decisão irregular. Segundo a contestação, essas decisões foram desde a escolha da leiloeira até à venda do imóvel.

O director José Maria Pires afirmou para os autos que "só passou a acompanhar mais de perto a evolução do processo Lanalgo a partir de uma reunião com o director Guerreiro Lourenço, o chefe de divisão Pombo Alves e Dr. Baptista [técnico na DDF], onde lhe foi dito que, não obstar algumas incorrecções verificadas na penhora do imóvel, a repartição de Finanças poderia avançar com a venda". E que essa reunião ocorreu em 2000, ou seja, posteriormente à própria venda. Mas que "só posteriormente e face às notícias divulgadas na comunicação social é que começou a ter algumas dúvidas sobre o processo". Mas remeteu responsabilidades para o director adjunto, embora admita que foi chamado "a formular uma opinião".

Esta versão foi, porém, contestada. O director-adjunto Guerreiro Lourenço afirmou no processo que "contactou com o processo Lanalgo quando este veio à DDF para autorizar a venda por negociação particular, o que motivou uma primeira reunião entre o declarante e o Sr.director de Finanças" e com os outros dois visados. Ou seja, de acordo com os documentos, ainda no final de 1999. "Nos casos mais complexos, só decide depois de ouvir o Sr. director de Finanças", referem os autos.

Joaquim Baptista, técnico na DDF, reiterou a presença de Pires desde o início. Declarou que o acompanhamento do processo teve que ver "com o sancionamento da venda isolada do imóvel, ficando para mais tarde a penhora e venda do estabelecimento comercial", ou seja, "pequenas irregularidades". E "que as decisões tomadas no processo foram todas tomadas por consenso em reuniões entre o declarante, o director Pires, o director Guerreiro Lourenço e o chefe de divisão Pombo Alves".

Face a estes depoimentos, o instrutor não retirou certidão relativa ao director José Manuel Pires e o então director-geral dos impostos António Nunes dos Reis ratificou esta decisão. Em declarações ao PÚBLICO justificou-a porque "o instrutor não o propôs". O PÚBLICO tentou obter um comentário do instrutor sobre esta decisão, mas foi remetido para a assessoria de imprensa, a qual não forneceu qualquer resposta.

José Manuel Pires deixou a 1ª Direcção Distrital de Finanças após a fusão das duas direcções distritais. De acordo com elementos recolhidos, não abordados oficialmente, o instrutor do processo disciplinar propôs que o ex-director fosse promovido a director de serviços, mas foi recusado. Posteriormente, chamou-o para colaborador, estando actualmente com funções relacionadas com a reforma da tributação do património imobiliário e é apontado na administração como podendo substituir o próprio subdirector-geral da tributação do património.

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