A Economia da Política

04-05-2004
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A Economia da Política

Por ELITES, Poder e Rendas

Segunda-feira, 01 de Março de 2004

Paulo Trigo Pereira

Os sociólogos e os cientistas políticos costumam dedicar particular atenção ao papel que as elites desempenham nas sociedades. Já grande parte dos economistas, talvez obnubilados pelas virtualidades do mercado, não dá importância ao tema, considerando que aqueles que se tornam líderes de mercado são os que melhor se adaptam à concorrência, os mais capazes. Alguns vão mesmo mais longe, ao querer ver as instituições não mercantis com a mesma lupa. Segundo uma lógica de um certo darwinismo social, as boas instituições sobrepor-se-iam às más, as boas regras sobreviveriam enquanto as ineficientes seriam alteradas.

A razão principal pela qual certas regras e organizações ineficientes perduram é que há rendas que são apropriadas por aqueles que detêm o poder nessas organizações. Qualquer aluno de microeconomia sabe que um monopólio é ineficiente e que todos (incluindo o monopolista) poderiam ficar melhor com preços competitivos e uma apropriada compensação ao monopolista. A razão da ineficiência é que há consequências distributivas (rendas de monopólio) associadas a essas situações.

Se for preciso uma prova de que uma regra altamente ineficiente perdura no tempo, considere-se a forma de referenciação bibliográfica nos livros de Direito. Ao contrário da esmagadora maioria das ciências sociais (para não falar nas "exactas") que têm as referências no final, as referências nos livros de Direito aparecem em nota pé-de-página, que muitas vezes remete para outra nota onde o livro foi referenciado pela primeira vez.

Um dos poucos estudos entre nós das "elites" políticas e administrativas é o interessante livro organizado por António Costa Pinto e André Freire "Elites, Sociedade e Mudança Política" (Celta). Aqui se fica a saber a importância da licenciatura em Direito quer no período marcelista (17 em 29 ministros, 17 em 47 secretários de Estado, 103 em 245 deputados das legislaturas 69-73 e 73-74) quer num governo constitucional analisado (XIV), onde 29 por cento dos directores-gerais ou equiparados têm essa licenciatura.

A que se deve esta importância do Direito na formação das nossas "elites"? A meu ver a cinco razões. Primeiro, vivemos num Estado democrático de direito. Segundo, por mérito próprio, a licenciatura em Direito é a mais interdisciplinar na área das ciências sociais. Terceiro, por demérito alheio, pois licenciaturas afins, como Economia, ostracizaram Direito, retirando-lhe cátedras que em tempos tiveram. Quarto, porque tem associado as corporações mais antigas e fortes do país (a Ordem dos Advogados foi a primeira Ordem profissional, criada em 1926). Quinto, porque é das licenciaturas onde as barreiras à entrada são mais fortes. Basta pensar que só recentemente a U. Nova criou a sua licenciatura e que a U. Técnica não tem licenciatura em Direito (mas devia ter!).

Um terço da "elite" parlamentar portuguesa era em 2000 constituída por advogados e professores universitários. Uns e outros provêm e os últimos laboram em instituições algo arcaicas e ineficientes. Como dizia há tempos Michael Athans, do MIT, em visita ao Instituto Superior Técnico (em "Portuguese Research Universities: Why not the Best?"): 1 - "Os estudantes de pós-graduação são bem treinados e trabalhadores"; 2 - Os membros juniores do corpo docente estão sobrecarregados e "stressados" (muita leccionação, exames, falta de incentivos); 3 - Poucos professores catedráticos, alguns tecnicamente obsoletos, que exercem política de poder sem "accountability", promulgam procedimentos de promoção injustos e arbitrários e encorajam o "inbreeding" nas contratações, uma prática generalizada, mas extremamente perigosa".

Felizmente que a situação começa a mudar, embora muito lentamente. Enquanto não houver um novo e melhor estatuto da carreira docente universitária (ECDU), a formação e a promoção de parte das nossas "elites" permanecerá como dantes. As alterações das regras de jogo são necessárias para o melhoramento das instituições, mas é necessário que pelo menos alguns entre os que detêm o poder tenham a visão e a ousadia de implementar a mudança.

Pensemos agora noutras elites. Há dias Vasco da Gama, líder histórico da CCP, abandonou o cargo, segundo li, pois os estatutos da organização não o permitiam (e bem). Aparentemente tal norma não consta dos estatutos da CGTP, pelo que Carvalho da Silva se vai eternizando como secretário-geral. Será que podemos esperar alguma renovação do movimento sindical quando alguns dos seus dirigentes se eternizam no poder? Alberto João Jardim também lá terá que fazer esse grande contributo à Madeira em se recandidatar mais uma vez.

No que toca ao sistema político, temos uma Comissão Eventual para a Reforma do Sistema Político, cujo mandato foi recentemente renovado e cujos resultados se espera com expectativa (limites à renovação de mandatos, mas não só). Há muito a fazer e a pensar no que toca à reforma do sistema político, não só ao nível constitucional e parlamentar, como reformas internas aos partidos políticos e às juventudes partidárias. Delas dependerá o futuro das elites políticas.

E como há dias justamente se queixava um magistrado, "as pessoas queixam-se das nossas sentenças, mas nós apenas aplicamos as leis e elas são aprovadas na Assembleia da República". Sem elitismo, diria que precisamos urgentemente de elites!

P.S.1 - Dar uma conferência de imprensa para anunciar um défice de 2,8 por cento quando todos sabemos que, sem receitas extraordinárias, seria de 4,9 por cento, vale o que vale...

P.S.2 - Não percebo a história de Nuno Delerue considerar que não vale a pena abrir concurso público pois o seu sistema de telemóveis é único. Se assim é não deveria temer o concurso, pois ganhá-lo-ia de certeza.

*Professor do ISEG, ppereira@iseg.utl.pt

A Economia da Política

Por ELITES, Poder e Rendas

Segunda-feira, 01 de Março de 2004

Paulo Trigo Pereira

Os sociólogos e os cientistas políticos costumam dedicar particular atenção ao papel que as elites desempenham nas sociedades. Já grande parte dos economistas, talvez obnubilados pelas virtualidades do mercado, não dá importância ao tema, considerando que aqueles que se tornam líderes de mercado são os que melhor se adaptam à concorrência, os mais capazes. Alguns vão mesmo mais longe, ao querer ver as instituições não mercantis com a mesma lupa. Segundo uma lógica de um certo darwinismo social, as boas instituições sobrepor-se-iam às más, as boas regras sobreviveriam enquanto as ineficientes seriam alteradas.

A razão principal pela qual certas regras e organizações ineficientes perduram é que há rendas que são apropriadas por aqueles que detêm o poder nessas organizações. Qualquer aluno de microeconomia sabe que um monopólio é ineficiente e que todos (incluindo o monopolista) poderiam ficar melhor com preços competitivos e uma apropriada compensação ao monopolista. A razão da ineficiência é que há consequências distributivas (rendas de monopólio) associadas a essas situações.

Se for preciso uma prova de que uma regra altamente ineficiente perdura no tempo, considere-se a forma de referenciação bibliográfica nos livros de Direito. Ao contrário da esmagadora maioria das ciências sociais (para não falar nas "exactas") que têm as referências no final, as referências nos livros de Direito aparecem em nota pé-de-página, que muitas vezes remete para outra nota onde o livro foi referenciado pela primeira vez.

Um dos poucos estudos entre nós das "elites" políticas e administrativas é o interessante livro organizado por António Costa Pinto e André Freire "Elites, Sociedade e Mudança Política" (Celta). Aqui se fica a saber a importância da licenciatura em Direito quer no período marcelista (17 em 29 ministros, 17 em 47 secretários de Estado, 103 em 245 deputados das legislaturas 69-73 e 73-74) quer num governo constitucional analisado (XIV), onde 29 por cento dos directores-gerais ou equiparados têm essa licenciatura.

A que se deve esta importância do Direito na formação das nossas "elites"? A meu ver a cinco razões. Primeiro, vivemos num Estado democrático de direito. Segundo, por mérito próprio, a licenciatura em Direito é a mais interdisciplinar na área das ciências sociais. Terceiro, por demérito alheio, pois licenciaturas afins, como Economia, ostracizaram Direito, retirando-lhe cátedras que em tempos tiveram. Quarto, porque tem associado as corporações mais antigas e fortes do país (a Ordem dos Advogados foi a primeira Ordem profissional, criada em 1926). Quinto, porque é das licenciaturas onde as barreiras à entrada são mais fortes. Basta pensar que só recentemente a U. Nova criou a sua licenciatura e que a U. Técnica não tem licenciatura em Direito (mas devia ter!).

Um terço da "elite" parlamentar portuguesa era em 2000 constituída por advogados e professores universitários. Uns e outros provêm e os últimos laboram em instituições algo arcaicas e ineficientes. Como dizia há tempos Michael Athans, do MIT, em visita ao Instituto Superior Técnico (em "Portuguese Research Universities: Why not the Best?"): 1 - "Os estudantes de pós-graduação são bem treinados e trabalhadores"; 2 - Os membros juniores do corpo docente estão sobrecarregados e "stressados" (muita leccionação, exames, falta de incentivos); 3 - Poucos professores catedráticos, alguns tecnicamente obsoletos, que exercem política de poder sem "accountability", promulgam procedimentos de promoção injustos e arbitrários e encorajam o "inbreeding" nas contratações, uma prática generalizada, mas extremamente perigosa".

Felizmente que a situação começa a mudar, embora muito lentamente. Enquanto não houver um novo e melhor estatuto da carreira docente universitária (ECDU), a formação e a promoção de parte das nossas "elites" permanecerá como dantes. As alterações das regras de jogo são necessárias para o melhoramento das instituições, mas é necessário que pelo menos alguns entre os que detêm o poder tenham a visão e a ousadia de implementar a mudança.

Pensemos agora noutras elites. Há dias Vasco da Gama, líder histórico da CCP, abandonou o cargo, segundo li, pois os estatutos da organização não o permitiam (e bem). Aparentemente tal norma não consta dos estatutos da CGTP, pelo que Carvalho da Silva se vai eternizando como secretário-geral. Será que podemos esperar alguma renovação do movimento sindical quando alguns dos seus dirigentes se eternizam no poder? Alberto João Jardim também lá terá que fazer esse grande contributo à Madeira em se recandidatar mais uma vez.

No que toca ao sistema político, temos uma Comissão Eventual para a Reforma do Sistema Político, cujo mandato foi recentemente renovado e cujos resultados se espera com expectativa (limites à renovação de mandatos, mas não só). Há muito a fazer e a pensar no que toca à reforma do sistema político, não só ao nível constitucional e parlamentar, como reformas internas aos partidos políticos e às juventudes partidárias. Delas dependerá o futuro das elites políticas.

E como há dias justamente se queixava um magistrado, "as pessoas queixam-se das nossas sentenças, mas nós apenas aplicamos as leis e elas são aprovadas na Assembleia da República". Sem elitismo, diria que precisamos urgentemente de elites!

P.S.1 - Dar uma conferência de imprensa para anunciar um défice de 2,8 por cento quando todos sabemos que, sem receitas extraordinárias, seria de 4,9 por cento, vale o que vale...

P.S.2 - Não percebo a história de Nuno Delerue considerar que não vale a pena abrir concurso público pois o seu sistema de telemóveis é único. Se assim é não deveria temer o concurso, pois ganhá-lo-ia de certeza.

*Professor do ISEG, ppereira@iseg.utl.pt

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