Porque vale a pena investir na cooperação tecnológica internacional

09-05-2004
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Energias renováveis

Porque Vale a Pena Investir na Cooperação Tecnológica Internacional

Segunda-feira, 01 de Março de 2004

Experiência no âmbito da OCDE revela que a participação em programas internacionais de investigação, desenvolvimento e demonstração em tecnologias energéticas gera benefícios adicionais ao que seria expectável se as mesmas actividades fossem isoladamente conduzidas a nível nacional

Maria João Rodrigues*

Dos muitos mecanismos existentes para a cooperação tecnológica internacional, o enquadramento proporcionado pela Agência Internacional de Energia (AIE) em matéria de tecnologias energéticas é talvez aquele se reveste de maior cariz estratégico, como comprova a participação da Comissão Europeia na qualidade de Membro em áreas fundamentais como seja o desenvolvimento das energias renováveis e seus mercados. Portugal tem neste domínio tido uma participação modesta, quase que tímida, com elevado teor de voluntarismo das instituições envolvidas e sem um apoio político claro e inequívoco.

A AIE, um organismo independente da OCDE, foi fundada em 1974 como resposta à elevada vulnerabilidade demonstrada pelos países industrializados à disrupção de fornecimento de combustíveis fósseis que marcou a crise do petróleo de 73-74. O fomento e promoção da inovação tecnológica constituem-se como uma parte central das actividades da AIE, através do Programa de Cooperação Tecnológica (PCT) que se dedica à investigação, desenvolvimento e demonstração (ID&D) em tecnologias energéticas para combustíveis fósseis, energias renováveis, fusão nuclear e utilização final de energia. A implementação ao nível da OCDE de um programa de cooperação de ID&D em tecnologias energéticas tem subjacente o reconhecimento da existência de benefícios adicionais ao que seria expectável se as mesmas actividades fossem isoladamente conduzidas a nível nacional. Por um lado a cooperação assim estabelecida motiva a criação de redes de investigação internacionais, facilitando a disseminação de informação, a uniformização de metodologias, enquanto que promovendo a identificação e entendimento comum das questões de maior premência ao nível da ID&D. Criam-se subsequentemente efeitos de "feedback" que se reflectem num reforço dos programas nacionais de ID&D, permitindo-lhes uma maior focagem e coerência com os objectivos internacionais que assistem a todos os Estados-membros da OCDE que participam no PCT.

Programas da AIE mobilizam mais de 120 milhões de euros anuais

O PCT compreende mais de 40 Acordos de Implementação, que não mais são do que programas específicos para uma determinada tecnologia e que contam com o envolvimento de mais de 500 instituições, estimando-se que mobilizem anualmente uma verba situada entre 120 e 150 milhões de dólares (96 a 120 milhões de euros). A este respeito é importante salientar que o conceito de cooperação deve ser entendido literalmente, já que cada instituição participante num determinado Acordo deve assegurar o seu financiamento. Usualmente este financiamento é largamente providenciado pelos governos nacionais, ainda que a participação nos Acordos seja atribuída às instituições relevantes. Assim sendo, a participação num determinado Acordo faz parte de uma estratégia nacional para o desenvolvimento de uma determinada tecnologia e seus mercados. Portugal não tem previstos mecanismos de apoio à participação nestes Acordos, assim como não estão inequivocamente estabelecidas as orientações estratégicas subjacentes a eventuais participações. Perde-se deste modo uma parte significativa dos benefícios advenientes da cooperação tecnológica internacional anteriormente mencionados.

Considere-se a título de exemplo o Acordo de Implementação em Sistemas Solares Fotovoltaicos (abreviadamente designado por PVPS), um dos 9 Acordos de Implementação em energias renováveis, criado em 1993. De entre todos os acordos de implementação, o PVPS constitui-se como um dos mais activos e de maior sucesso, representando um esforço conjunto de cerca de 5 milhões de dólares, que se traduz no envolvimento de 150 peritos de 20 países, a que se adiciona a Comissão Europeia. Os objectivos do PVPS foram estabelecidos antevendo que a difusão efectiva das tecnologias fotovoltaicas teria de ter em conta não só os mercados que à data se demonstravam viáveis, embora demonstrando um nível de desenvolvimento muito àquem das suas potencialidades, como também aqueles que embrionariamente se começavam a desenvolver, especialmente nos países industrializados. O foco do PVPS pode-se assim dizer global, enquanto que bi-polarizado: num extremo as aplicações remotas, com maior potencial nos países em vias de desenvolvimento; no outro, as aplicações ligadas à rede eléctrica, com maior potencial nos países industrializados. Adicionalmente, a visão do PVPS foi além das barreiras tecnológicas que dominavam a discussão em 1993, fazendo reflectir nos seus objectivos a identificação de barreiras não tecnológicas e o estabelecimento de estratégias para a sua remoção. De forma a alcançar estes objectivos foram implementados 9 diferentes projectos (vide caixa) - ou "tasks", na terminologia da AIE - que originaram resultados significativos, de que se destacam: o desenvolvimento de uma rede global de cooperação, fortemente marcada pela partilha e disseminação de informação, e onde coexistem peritos dos mais diversos quadrantes, desde organismos governamentais à indústria, passando por centros de investigação, gabinetes de arquitectura e empresas de engenharia e consultoria; a monitorização sistemática do mercado e das políticas de promoção; a identificação e monitorização de aspectos técnicos e não técnicos críticos; a avaliação de projectos, abordagens e consequente desenvolvimento de guias, directrizes e boas práticas; o desenvolvimento de estudos específicos, nomeadamente o estabelecimento de diversas metodologias.

Portugal coopera pouco e não aproveita benefícios

Apesar de Portugal estar presente em três das "tasks" em curso ou entretanto terminadas, os benefícios da participação não foram muito além das fronteiras das instituições envolvidas, remetendo-se para o domínio privado conhecimento que deveria ser de domínio público. O mercado fotovoltaico português, e os seus actores, mantêm-se largamente desconhecidos da maioria dos quadrantes da sociedade. Prevalecem os mitos tecnológicos e a percepção de risco, que induzem desconfiança a potenciais investidores, mesmo para aqueles habituados às andanças energéticas como os produtores independentes. A maioria dos arquitectos portugueses desconhece o potencial dos materiais fotovoltaicos para o enriquecimento do processo arquitectónico. A sociedade portuguesa continua a não saber a distinção entre sistemas solares térmicos e fotovoltaicos. As actividades de investigação são incipientes e sem expressão de mercado. Não se advoga com isto que todo este estado de subdesenvolvimento se deve apenas e somente a uma falta de posicionamento estratégico pela ausência de apoio àquelas actividades de cooperação internacional. Advoga-se, sim, que este é um instrumento essencial no desenvolvimento tecnológico e de mercado, segundo metodologias implementadas e testadas internacionalmente.

Na entrada no seu segundo decénio de existência, o PVPS oferece novas oportunidades para uma participação portuguesa reforçada e concertada, nomeadamente na extensão temporal das "tasks" que permanecem em curso e no arranque de uma nova "task" dedicada à difusão à escala urbana de sistemas solares fotovoltaicos. Esta "task" persegue o desafio de dinamizar a larga base de investigação desenvolvida até ao momento no âmbito do PVPS, conduzindo a uma clara definição do mercado global e de todos os valores associados, energéticos e não energéticos, como via de concretização desse mesmo mercado (vide figura). Esta é também assim uma oportunidade para que, de uma coordenação efectiva entre as políticas energética e de ciência e tecnologia, resulte a criação de mecanismos de apoio e estímulo que permitam uma participação consequente em redes internacionais de cooperação tecnológica.

*Investigadora do Centro de Estudos em Inovação, Tecnologia e Políticas de Desenvolvimento, IN+, do Instituto Superior Técnico

Colaboração INTELI - Inteligência em Inovação

Energias renováveis

Porque Vale a Pena Investir na Cooperação Tecnológica Internacional

Segunda-feira, 01 de Março de 2004

Experiência no âmbito da OCDE revela que a participação em programas internacionais de investigação, desenvolvimento e demonstração em tecnologias energéticas gera benefícios adicionais ao que seria expectável se as mesmas actividades fossem isoladamente conduzidas a nível nacional

Maria João Rodrigues*

Dos muitos mecanismos existentes para a cooperação tecnológica internacional, o enquadramento proporcionado pela Agência Internacional de Energia (AIE) em matéria de tecnologias energéticas é talvez aquele se reveste de maior cariz estratégico, como comprova a participação da Comissão Europeia na qualidade de Membro em áreas fundamentais como seja o desenvolvimento das energias renováveis e seus mercados. Portugal tem neste domínio tido uma participação modesta, quase que tímida, com elevado teor de voluntarismo das instituições envolvidas e sem um apoio político claro e inequívoco.

A AIE, um organismo independente da OCDE, foi fundada em 1974 como resposta à elevada vulnerabilidade demonstrada pelos países industrializados à disrupção de fornecimento de combustíveis fósseis que marcou a crise do petróleo de 73-74. O fomento e promoção da inovação tecnológica constituem-se como uma parte central das actividades da AIE, através do Programa de Cooperação Tecnológica (PCT) que se dedica à investigação, desenvolvimento e demonstração (ID&D) em tecnologias energéticas para combustíveis fósseis, energias renováveis, fusão nuclear e utilização final de energia. A implementação ao nível da OCDE de um programa de cooperação de ID&D em tecnologias energéticas tem subjacente o reconhecimento da existência de benefícios adicionais ao que seria expectável se as mesmas actividades fossem isoladamente conduzidas a nível nacional. Por um lado a cooperação assim estabelecida motiva a criação de redes de investigação internacionais, facilitando a disseminação de informação, a uniformização de metodologias, enquanto que promovendo a identificação e entendimento comum das questões de maior premência ao nível da ID&D. Criam-se subsequentemente efeitos de "feedback" que se reflectem num reforço dos programas nacionais de ID&D, permitindo-lhes uma maior focagem e coerência com os objectivos internacionais que assistem a todos os Estados-membros da OCDE que participam no PCT.

Programas da AIE mobilizam mais de 120 milhões de euros anuais

O PCT compreende mais de 40 Acordos de Implementação, que não mais são do que programas específicos para uma determinada tecnologia e que contam com o envolvimento de mais de 500 instituições, estimando-se que mobilizem anualmente uma verba situada entre 120 e 150 milhões de dólares (96 a 120 milhões de euros). A este respeito é importante salientar que o conceito de cooperação deve ser entendido literalmente, já que cada instituição participante num determinado Acordo deve assegurar o seu financiamento. Usualmente este financiamento é largamente providenciado pelos governos nacionais, ainda que a participação nos Acordos seja atribuída às instituições relevantes. Assim sendo, a participação num determinado Acordo faz parte de uma estratégia nacional para o desenvolvimento de uma determinada tecnologia e seus mercados. Portugal não tem previstos mecanismos de apoio à participação nestes Acordos, assim como não estão inequivocamente estabelecidas as orientações estratégicas subjacentes a eventuais participações. Perde-se deste modo uma parte significativa dos benefícios advenientes da cooperação tecnológica internacional anteriormente mencionados.

Considere-se a título de exemplo o Acordo de Implementação em Sistemas Solares Fotovoltaicos (abreviadamente designado por PVPS), um dos 9 Acordos de Implementação em energias renováveis, criado em 1993. De entre todos os acordos de implementação, o PVPS constitui-se como um dos mais activos e de maior sucesso, representando um esforço conjunto de cerca de 5 milhões de dólares, que se traduz no envolvimento de 150 peritos de 20 países, a que se adiciona a Comissão Europeia. Os objectivos do PVPS foram estabelecidos antevendo que a difusão efectiva das tecnologias fotovoltaicas teria de ter em conta não só os mercados que à data se demonstravam viáveis, embora demonstrando um nível de desenvolvimento muito àquem das suas potencialidades, como também aqueles que embrionariamente se começavam a desenvolver, especialmente nos países industrializados. O foco do PVPS pode-se assim dizer global, enquanto que bi-polarizado: num extremo as aplicações remotas, com maior potencial nos países em vias de desenvolvimento; no outro, as aplicações ligadas à rede eléctrica, com maior potencial nos países industrializados. Adicionalmente, a visão do PVPS foi além das barreiras tecnológicas que dominavam a discussão em 1993, fazendo reflectir nos seus objectivos a identificação de barreiras não tecnológicas e o estabelecimento de estratégias para a sua remoção. De forma a alcançar estes objectivos foram implementados 9 diferentes projectos (vide caixa) - ou "tasks", na terminologia da AIE - que originaram resultados significativos, de que se destacam: o desenvolvimento de uma rede global de cooperação, fortemente marcada pela partilha e disseminação de informação, e onde coexistem peritos dos mais diversos quadrantes, desde organismos governamentais à indústria, passando por centros de investigação, gabinetes de arquitectura e empresas de engenharia e consultoria; a monitorização sistemática do mercado e das políticas de promoção; a identificação e monitorização de aspectos técnicos e não técnicos críticos; a avaliação de projectos, abordagens e consequente desenvolvimento de guias, directrizes e boas práticas; o desenvolvimento de estudos específicos, nomeadamente o estabelecimento de diversas metodologias.

Portugal coopera pouco e não aproveita benefícios

Apesar de Portugal estar presente em três das "tasks" em curso ou entretanto terminadas, os benefícios da participação não foram muito além das fronteiras das instituições envolvidas, remetendo-se para o domínio privado conhecimento que deveria ser de domínio público. O mercado fotovoltaico português, e os seus actores, mantêm-se largamente desconhecidos da maioria dos quadrantes da sociedade. Prevalecem os mitos tecnológicos e a percepção de risco, que induzem desconfiança a potenciais investidores, mesmo para aqueles habituados às andanças energéticas como os produtores independentes. A maioria dos arquitectos portugueses desconhece o potencial dos materiais fotovoltaicos para o enriquecimento do processo arquitectónico. A sociedade portuguesa continua a não saber a distinção entre sistemas solares térmicos e fotovoltaicos. As actividades de investigação são incipientes e sem expressão de mercado. Não se advoga com isto que todo este estado de subdesenvolvimento se deve apenas e somente a uma falta de posicionamento estratégico pela ausência de apoio àquelas actividades de cooperação internacional. Advoga-se, sim, que este é um instrumento essencial no desenvolvimento tecnológico e de mercado, segundo metodologias implementadas e testadas internacionalmente.

Na entrada no seu segundo decénio de existência, o PVPS oferece novas oportunidades para uma participação portuguesa reforçada e concertada, nomeadamente na extensão temporal das "tasks" que permanecem em curso e no arranque de uma nova "task" dedicada à difusão à escala urbana de sistemas solares fotovoltaicos. Esta "task" persegue o desafio de dinamizar a larga base de investigação desenvolvida até ao momento no âmbito do PVPS, conduzindo a uma clara definição do mercado global e de todos os valores associados, energéticos e não energéticos, como via de concretização desse mesmo mercado (vide figura). Esta é também assim uma oportunidade para que, de uma coordenação efectiva entre as políticas energética e de ciência e tecnologia, resulte a criação de mecanismos de apoio e estímulo que permitam uma participação consequente em redes internacionais de cooperação tecnológica.

*Investigadora do Centro de Estudos em Inovação, Tecnologia e Políticas de Desenvolvimento, IN+, do Instituto Superior Técnico

Colaboração INTELI - Inteligência em Inovação

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