Os danos colaterais do 11 de Setembro

17-09-2002
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Agravadas as restrições à privacidade e aos direitos cívicos

Os Danos Colaterais do 11 de Setembro

Por PEDRO FONSECA

Segunda-feira, 9 de Setembro de 2002

Os eventos de 11 de Setembro de 2001 nos EUA permitiram aos governos, democráticos ou não, aproveitar a luta contra o terrorismo para aumentarem a vigilância na Internet e minarem as liberdades cívicas, segundo dois estudos divulgados na semana passada. "Um ano após os trágicos eventos em Nova Iorque e Washington", afirma a organização Reporters Sans Frontières (RSF), "a Internet poderá ser incluída na lista dos 'danos colaterais'".

Segundo o seu estudo "Internet em Liberdade Vigiada", países como a China, a Tunísia ou o Vietname aproveitaram "com oportunismo o contexto da campanha antiterrorista internacional para reforçarem os seus dispositivos policiais e legislativos". No entanto, também os Estados Unidos, o Canadá, a Índia, os países europeus, o Parlamento Europeu, o Conselho da Europa ou o G8 "adoptaram leis, medidas e acções que são estruturadas para colocar a Internet sob a tutela dos serviços de segurança".

A organização sustenta que o registo de informação sobre sítios na Web visitados e sobre as mensagens de correio electrónico poderá transformar os fornecedores de acesso à Internet (os chamados ISP) e outros operadores de telecomunicações em "potenciais auxiliares da polícia". Por outro lado, "este abuso sem precedentes significa que todos os cidadãos estão teoricamente sob suspeita".

Robert Ménard, secretário-geral da RSF, questiona-se sobre o que sucederia se leis semelhantes fossem aplicadas ao correio postal: os cidadãos "sentir-se-iam ultrajados por estas restrições à sua liberdade". "No entanto, é exactamente este tipo de medidas que foi ou está a ser adoptado relativamente à Internet." Em termos de exemplos, a RSF refere a tecnologia Magic Lantern, desenvolvida pelo FBI nos Estados Unidos da América (o país com maior número de referências no relatório) e que permite a instalação discreta, pela Internet, de "software" capaz de registar as teclas batidas num teclado do computador, ficando-se assim a conhecer as "passwords" dos utilizadores.

Na Alemanha, foram tomadas medidas que acabam com a separação entre os serviços da polícia e os de informação, pelo que estes passaram a poder aceder aos ficheiros policiais. Na Dinamarca, os serviços secretos e a polícia podem consultar sem autorização judicial os dados pessoais armazenados pelos ISP. Em Inglaterra, o Ministério do Interior tem o direito de verificar as transacções financeiras electrónicas ou de controlo do correio electrónico privado, em muitos casos sem necessidade de permissão judicial.

Muitas das leis que permitem estas acções foram aprovadas à pressa no final de 2001, como sucedeu com uma lei italiana que permite aos agentes dos serviços secretos civis e militares, "com total impunidade, cometer crimes no decurso das suas missões, excepto matar ou ferir pessoas" - mas, desde o roubo às escutas telefónicas e electrónicas "selvagens", muito é permitido.

Quanto à União Europeia, tradicional opositora de formas de vigilância electrónica até Setembro do ano passado, o relatório lembra a "ingerência" norte-americana para forçar a retenção dos dados das ligações electrónicas pelos operadores de telecomunicações no âmbito de uma directiva então a ser revista no Parlamento Europeu, o que acabou por suceder.

Mais extenso, um estudo conjunto do Electronic Privacy Information Center (EPIC) e da Privacy International igualmente divulgado na semana passada, é o primeiro a documentar pormenorizadamente as modificações nas medidas de preservação da privacidade e nos direitos cívicos, e nas tendências de vigilância desde Setembro de 2001.

O estudo "Privacidade e Direitos Humanos 2002" analisa as novas medidas antiterroristas e de segurança, e identifica quatro tendências principais: a crescente vigilância das comunicações e o aumento dos poderes de busca e de captura, o abrandamento dos regimes de protecção de dados, a crescente partilha de dados (intergovernamental mas também com e entre empresas) e de identificação de indivíduos, nomeadamente dos viajantes. "Nenhuma destas tendências é necessariamente nova; a novidade reside na pressa com que estas políticas foram aceites e, em muitos casos, se tornaram lei", afirma-se no documento.

O texto argumenta igualmente que muitas das propostas entretanto aprovadas não eram novas na altura do 11 de Setembro. "As agências de segurança pediam uma maior margem de autoridade para a vigilância das comunicações. Associações do sector do entretenimento encorajavam os governos nacionais a criarem novas categorias de crime informático que incluíssem a violação do direito de autor. Fornecedores de sistemas de bases de dados informáticas pressionaram os governos para comprarem mais sistemas de bases de dados.

Criadores de tecnologias de identificação impulsionaram um maior uso das suas técnicas de identificação. Estudiosos reclamaram uma maior transparência da vida privada. Todos eles encontraram apoio na sequência dos eventos de 11 de Setembro para argumentarem em prol de uma maior vigilância de pessoas que não tinham cometido nenhum crime", declara Marc Rotenberg, director executivo do Electronic Privacy Information Center.

As ameaças à privacidade detectadas no estudo incluem os sistemas de identificação pessoal - biométricos ou através de bilhetes de identidade -, a vigilância das comunicações por telefone, por vídeo e por satélite, os problemas no comércio electrónico, nos registos públicos e nas parcerias público-privados, os sistemas de gestão de direitos digitais, a chamada Spy TV (televisão interactiva e T-comércio), a privacidade genética e no local de trabalho. A segunda parte do trabalho analisa a situação em cada um de cerca de 50 países, entre os quais Portugal (ver caixa).

Agravadas as restrições à privacidade e aos direitos cívicos

Os Danos Colaterais do 11 de Setembro

Por PEDRO FONSECA

Segunda-feira, 9 de Setembro de 2002

Os eventos de 11 de Setembro de 2001 nos EUA permitiram aos governos, democráticos ou não, aproveitar a luta contra o terrorismo para aumentarem a vigilância na Internet e minarem as liberdades cívicas, segundo dois estudos divulgados na semana passada. "Um ano após os trágicos eventos em Nova Iorque e Washington", afirma a organização Reporters Sans Frontières (RSF), "a Internet poderá ser incluída na lista dos 'danos colaterais'".

Segundo o seu estudo "Internet em Liberdade Vigiada", países como a China, a Tunísia ou o Vietname aproveitaram "com oportunismo o contexto da campanha antiterrorista internacional para reforçarem os seus dispositivos policiais e legislativos". No entanto, também os Estados Unidos, o Canadá, a Índia, os países europeus, o Parlamento Europeu, o Conselho da Europa ou o G8 "adoptaram leis, medidas e acções que são estruturadas para colocar a Internet sob a tutela dos serviços de segurança".

A organização sustenta que o registo de informação sobre sítios na Web visitados e sobre as mensagens de correio electrónico poderá transformar os fornecedores de acesso à Internet (os chamados ISP) e outros operadores de telecomunicações em "potenciais auxiliares da polícia". Por outro lado, "este abuso sem precedentes significa que todos os cidadãos estão teoricamente sob suspeita".

Robert Ménard, secretário-geral da RSF, questiona-se sobre o que sucederia se leis semelhantes fossem aplicadas ao correio postal: os cidadãos "sentir-se-iam ultrajados por estas restrições à sua liberdade". "No entanto, é exactamente este tipo de medidas que foi ou está a ser adoptado relativamente à Internet." Em termos de exemplos, a RSF refere a tecnologia Magic Lantern, desenvolvida pelo FBI nos Estados Unidos da América (o país com maior número de referências no relatório) e que permite a instalação discreta, pela Internet, de "software" capaz de registar as teclas batidas num teclado do computador, ficando-se assim a conhecer as "passwords" dos utilizadores.

Na Alemanha, foram tomadas medidas que acabam com a separação entre os serviços da polícia e os de informação, pelo que estes passaram a poder aceder aos ficheiros policiais. Na Dinamarca, os serviços secretos e a polícia podem consultar sem autorização judicial os dados pessoais armazenados pelos ISP. Em Inglaterra, o Ministério do Interior tem o direito de verificar as transacções financeiras electrónicas ou de controlo do correio electrónico privado, em muitos casos sem necessidade de permissão judicial.

Muitas das leis que permitem estas acções foram aprovadas à pressa no final de 2001, como sucedeu com uma lei italiana que permite aos agentes dos serviços secretos civis e militares, "com total impunidade, cometer crimes no decurso das suas missões, excepto matar ou ferir pessoas" - mas, desde o roubo às escutas telefónicas e electrónicas "selvagens", muito é permitido.

Quanto à União Europeia, tradicional opositora de formas de vigilância electrónica até Setembro do ano passado, o relatório lembra a "ingerência" norte-americana para forçar a retenção dos dados das ligações electrónicas pelos operadores de telecomunicações no âmbito de uma directiva então a ser revista no Parlamento Europeu, o que acabou por suceder.

Mais extenso, um estudo conjunto do Electronic Privacy Information Center (EPIC) e da Privacy International igualmente divulgado na semana passada, é o primeiro a documentar pormenorizadamente as modificações nas medidas de preservação da privacidade e nos direitos cívicos, e nas tendências de vigilância desde Setembro de 2001.

O estudo "Privacidade e Direitos Humanos 2002" analisa as novas medidas antiterroristas e de segurança, e identifica quatro tendências principais: a crescente vigilância das comunicações e o aumento dos poderes de busca e de captura, o abrandamento dos regimes de protecção de dados, a crescente partilha de dados (intergovernamental mas também com e entre empresas) e de identificação de indivíduos, nomeadamente dos viajantes. "Nenhuma destas tendências é necessariamente nova; a novidade reside na pressa com que estas políticas foram aceites e, em muitos casos, se tornaram lei", afirma-se no documento.

O texto argumenta igualmente que muitas das propostas entretanto aprovadas não eram novas na altura do 11 de Setembro. "As agências de segurança pediam uma maior margem de autoridade para a vigilância das comunicações. Associações do sector do entretenimento encorajavam os governos nacionais a criarem novas categorias de crime informático que incluíssem a violação do direito de autor. Fornecedores de sistemas de bases de dados informáticas pressionaram os governos para comprarem mais sistemas de bases de dados.

Criadores de tecnologias de identificação impulsionaram um maior uso das suas técnicas de identificação. Estudiosos reclamaram uma maior transparência da vida privada. Todos eles encontraram apoio na sequência dos eventos de 11 de Setembro para argumentarem em prol de uma maior vigilância de pessoas que não tinham cometido nenhum crime", declara Marc Rotenberg, director executivo do Electronic Privacy Information Center.

As ameaças à privacidade detectadas no estudo incluem os sistemas de identificação pessoal - biométricos ou através de bilhetes de identidade -, a vigilância das comunicações por telefone, por vídeo e por satélite, os problemas no comércio electrónico, nos registos públicos e nas parcerias público-privados, os sistemas de gestão de direitos digitais, a chamada Spy TV (televisão interactiva e T-comércio), a privacidade genética e no local de trabalho. A segunda parte do trabalho analisa a situação em cada um de cerca de 50 países, entre os quais Portugal (ver caixa).

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