EXPRESSO: Opinião

29-08-2002
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Prefácio com paredes de vidro

«Não basta repetir, como Álvaro Cunhal, que 'o marxismo-leninismo não é um pensamento petrificado mas uma teoria em constante enriquecimento com as lições de prática (...)'. É preciso também demonstrá-lo, analisando as mudanças e os inevitáveis reflexos no projecto e na vida do PCP.»

NO ÚLTIMO artigo, assumi o compromisso de uma continuação sobre o conteúdo actualizado da ideia comunista. Mas a proposta de punição de Carlos Luís Figueira por delito de opinião leva-me a adiar esse tema, para privilegiar um outro: o prefácio de Álvaro Cunhal à 6ª edição do Partido com Paredes de Vidro.

A reedição ocorre durante a campanha para as legislativas. O prefácio, de Janeiro de 2002, assume-se como peça da controvérsia que atravessava o PCP a partir do desastroso resultado das autárquicas. Pelo menos em dois pontos, o prefácio refere-se à conjuntura partidária, ao apelar a medidas para «restabelecimento da disciplina» e para assegurar «os elementos da unidade do partido». É com a mesma legítima liberdade usada para escrever o prefácio que comento algumas ideias nele contidas.

O prefácio serve para reafirmar o conteúdo do ensaio, apesar dos dezasseis anos decorridos desde a sua publicação, em Agosto de 1985, e apesar de tudo o que ocorreu nesse período. Só num ponto existe o que o autor chama uma referência autocrítica. De facto, o ensaio diagnosticava a agonia do capitalismo e previa a irreversível vitória do socialismo em curto prazo, «talvez ainda no século XX». O prefácio admite o erro, tal é a sua evidência! Mas, quando se exigia a análise das causas do fracasso, o prefácio atribui-o em nove linhas às maquinações do imperialismo e em cinco linhas a desvios dos partidos comunistas.

O mínimo que se pode dizer sobre esta apreciação dos acontecimentos do final do século XX é que ela é escassa. Não há nenhuma reflexão, nem uma sombra de questionamento, acerca da sustentação do modelo de «construção do socialismo» seguido nos países em causa. Como também não há reflexão sobre as consequências, nos planos teórico e da acção política, do fracasso desse modelo.

Claro que Álvaro Cunhal não nega a existência de mudanças, que estão à vista. Diz mesmo que em Portugal e no mundo houve, desde a 1ª edição, «profundas transformações». E refere as «modificações profundas na composição social da sociedade e da própria classe operária». Mas logo a seguir, num passe de mágica, sem qualquer análise das transformações e sem qualquer argumento, advoga a plena actualidade do ensaio: tudo deve continuar na mesma, na organização e funcionamento do PCP.

Não basta repetir, como Álvaro Cunhal, que «o marxismo-leninismo não é um pensamento petrificado mas uma teoria em constante enriquecimento com as lições de prática (...)». É preciso também demonstrá-lo, analisando as mudanças e os inevitáveis reflexos no projecto e na vida do PCP.

Sem essa análise, o resultado, como está no prefácio, é a repetição das teses datadas do final dos anos 30. Lá vem a regra de ouro (maioria operária), apesar das mudanças sociais; ou a defesa do voto de braço no ar, apesar das regras democráticas hoje aceites; a escolha pelos superiores dos quadros a promover; a configuração dirigista e hierárquica do partido; a anatematização do debate horizontal...

É uma exigência do pensamento marxista assumir que as profundas transformações conduzem a repensar este modelo. Se isso não for feito, Marx e Lenine não pararão de dar voltas no túmulo.

E-mail: joao.amaral@netcabo.pt

Prefácio com paredes de vidro

«Não basta repetir, como Álvaro Cunhal, que 'o marxismo-leninismo não é um pensamento petrificado mas uma teoria em constante enriquecimento com as lições de prática (...)'. É preciso também demonstrá-lo, analisando as mudanças e os inevitáveis reflexos no projecto e na vida do PCP.»

NO ÚLTIMO artigo, assumi o compromisso de uma continuação sobre o conteúdo actualizado da ideia comunista. Mas a proposta de punição de Carlos Luís Figueira por delito de opinião leva-me a adiar esse tema, para privilegiar um outro: o prefácio de Álvaro Cunhal à 6ª edição do Partido com Paredes de Vidro.

A reedição ocorre durante a campanha para as legislativas. O prefácio, de Janeiro de 2002, assume-se como peça da controvérsia que atravessava o PCP a partir do desastroso resultado das autárquicas. Pelo menos em dois pontos, o prefácio refere-se à conjuntura partidária, ao apelar a medidas para «restabelecimento da disciplina» e para assegurar «os elementos da unidade do partido». É com a mesma legítima liberdade usada para escrever o prefácio que comento algumas ideias nele contidas.

O prefácio serve para reafirmar o conteúdo do ensaio, apesar dos dezasseis anos decorridos desde a sua publicação, em Agosto de 1985, e apesar de tudo o que ocorreu nesse período. Só num ponto existe o que o autor chama uma referência autocrítica. De facto, o ensaio diagnosticava a agonia do capitalismo e previa a irreversível vitória do socialismo em curto prazo, «talvez ainda no século XX». O prefácio admite o erro, tal é a sua evidência! Mas, quando se exigia a análise das causas do fracasso, o prefácio atribui-o em nove linhas às maquinações do imperialismo e em cinco linhas a desvios dos partidos comunistas.

O mínimo que se pode dizer sobre esta apreciação dos acontecimentos do final do século XX é que ela é escassa. Não há nenhuma reflexão, nem uma sombra de questionamento, acerca da sustentação do modelo de «construção do socialismo» seguido nos países em causa. Como também não há reflexão sobre as consequências, nos planos teórico e da acção política, do fracasso desse modelo.

Claro que Álvaro Cunhal não nega a existência de mudanças, que estão à vista. Diz mesmo que em Portugal e no mundo houve, desde a 1ª edição, «profundas transformações». E refere as «modificações profundas na composição social da sociedade e da própria classe operária». Mas logo a seguir, num passe de mágica, sem qualquer análise das transformações e sem qualquer argumento, advoga a plena actualidade do ensaio: tudo deve continuar na mesma, na organização e funcionamento do PCP.

Não basta repetir, como Álvaro Cunhal, que «o marxismo-leninismo não é um pensamento petrificado mas uma teoria em constante enriquecimento com as lições de prática (...)». É preciso também demonstrá-lo, analisando as mudanças e os inevitáveis reflexos no projecto e na vida do PCP.

Sem essa análise, o resultado, como está no prefácio, é a repetição das teses datadas do final dos anos 30. Lá vem a regra de ouro (maioria operária), apesar das mudanças sociais; ou a defesa do voto de braço no ar, apesar das regras democráticas hoje aceites; a escolha pelos superiores dos quadros a promover; a configuração dirigista e hierárquica do partido; a anatematização do debate horizontal...

É uma exigência do pensamento marxista assumir que as profundas transformações conduzem a repensar este modelo. Se isso não for feito, Marx e Lenine não pararão de dar voltas no túmulo.

E-mail: joao.amaral@netcabo.pt

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