Duas histórias

12-08-2004
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Duas Histórias

Domingo, 27 de Junho de 2004

Carlos perdeu um amigo

A vida de Carlos, 30 anos, mudou aos 14 anos, quando saiu de casa, já atormentado pela droga e pela "vida que levava". "Passava dias a vadiar, roubava porque não trabalhava, para ter dinheiro para o tabaco, para o haxixe, até ir preso". Regressou à rua com 16 anos. "Nunca tive sítio fixo, era um 'okupa', passei por muitos sítios que na minha cabeça nem tinham nome. Cheguei a ter uma filha, de uma ex-companheira".

Antes do Natal de 1991, houve um acontecimento que o marcou profundamente: com o seu grupo de amigos, ia para uma festa. Já alcoolizados, metem-se no combóio, em Rio de Mouro, mas como penduras. Um deles sobe para o tejadilho, cai, acaba por morrer. "Perder um amigo marca bastante. Foi um tempo perdido, aqueles anos todos", reflecte agora.

As memórias tristes não apagam a esperança do futuro: reatou a relação com a família, está a mês e meio de acabar o processo terapêutico na Quinta da Tomada e já tem hipóteses de emprego, embora "nada seguro": hotelaria ou uma empresa de construção. A Comunidade Vida e Paz ajudará, disso tem a certeza.

Luís saiu do fundo do poço

Luís, 33 anos, viu-se "no fundo do poço" quando esteve preso. Passara por arrumador de carros, roubara, tivera uma arma apontada à boca enquanto um grupo assaltava um amigo. Após sete meses na prisão foi absolvido. Reatara entretanto, no tempo de cadeia, o contacto com a família. "Não é fácil: estamos tanto tempo sem contacto e de repente caímos na vida das pessoas e a precisar de ajuda..."

Foi mesmo a família que ajudou à decisão de deixar a droga: constara em Mafra, onde a família vivia, que Luís tinha morrido. "A minha mãe, a minha irmã e a minha cunhada correram hospitais e morgues à minha procura." Quando soube disso, percebeu que devia mudar.

A queda começara em 1994, quando Luís saiu de casa. "Tive uma educação bem: o meu pai era militar, nunca me faltou nada. Fui para a Força Aérea, onde ia abusando cada vez mais do álcool e dos charros". Com a saída de casa, entra nas drogas duras, a necessidade leva-o até Espanha. "Quando se consome, o único pensamento é como arranjar dinheiro para a próxima dose", frisa.

A prisão foi, no seu caso, lugar de mudança: "Deixei de consumir drogas e ao terceiro dia nem sequer já tomava medicação". Tal como Carlos, Luís também foi "okupa", também viu morrer duas pessoas junto a si - no caso, por overdose.

Quer retomar o tempo perdido: acabar uma disciplina do 12º ano que lhe falta para poder fazer um curso de Desenho Informático, ou História ou Filosofia. "Fui sempre muito activo, a droga é que lixou isto tudo. Agora, sinto-me preparado para retomar sonhos e objectivos".

Duas Histórias

Domingo, 27 de Junho de 2004

Carlos perdeu um amigo

A vida de Carlos, 30 anos, mudou aos 14 anos, quando saiu de casa, já atormentado pela droga e pela "vida que levava". "Passava dias a vadiar, roubava porque não trabalhava, para ter dinheiro para o tabaco, para o haxixe, até ir preso". Regressou à rua com 16 anos. "Nunca tive sítio fixo, era um 'okupa', passei por muitos sítios que na minha cabeça nem tinham nome. Cheguei a ter uma filha, de uma ex-companheira".

Antes do Natal de 1991, houve um acontecimento que o marcou profundamente: com o seu grupo de amigos, ia para uma festa. Já alcoolizados, metem-se no combóio, em Rio de Mouro, mas como penduras. Um deles sobe para o tejadilho, cai, acaba por morrer. "Perder um amigo marca bastante. Foi um tempo perdido, aqueles anos todos", reflecte agora.

As memórias tristes não apagam a esperança do futuro: reatou a relação com a família, está a mês e meio de acabar o processo terapêutico na Quinta da Tomada e já tem hipóteses de emprego, embora "nada seguro": hotelaria ou uma empresa de construção. A Comunidade Vida e Paz ajudará, disso tem a certeza.

Luís saiu do fundo do poço

Luís, 33 anos, viu-se "no fundo do poço" quando esteve preso. Passara por arrumador de carros, roubara, tivera uma arma apontada à boca enquanto um grupo assaltava um amigo. Após sete meses na prisão foi absolvido. Reatara entretanto, no tempo de cadeia, o contacto com a família. "Não é fácil: estamos tanto tempo sem contacto e de repente caímos na vida das pessoas e a precisar de ajuda..."

Foi mesmo a família que ajudou à decisão de deixar a droga: constara em Mafra, onde a família vivia, que Luís tinha morrido. "A minha mãe, a minha irmã e a minha cunhada correram hospitais e morgues à minha procura." Quando soube disso, percebeu que devia mudar.

A queda começara em 1994, quando Luís saiu de casa. "Tive uma educação bem: o meu pai era militar, nunca me faltou nada. Fui para a Força Aérea, onde ia abusando cada vez mais do álcool e dos charros". Com a saída de casa, entra nas drogas duras, a necessidade leva-o até Espanha. "Quando se consome, o único pensamento é como arranjar dinheiro para a próxima dose", frisa.

A prisão foi, no seu caso, lugar de mudança: "Deixei de consumir drogas e ao terceiro dia nem sequer já tomava medicação". Tal como Carlos, Luís também foi "okupa", também viu morrer duas pessoas junto a si - no caso, por overdose.

Quer retomar o tempo perdido: acabar uma disciplina do 12º ano que lhe falta para poder fazer um curso de Desenho Informático, ou História ou Filosofia. "Fui sempre muito activo, a droga é que lixou isto tudo. Agora, sinto-me preparado para retomar sonhos e objectivos".

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