As vozes de fora

04-02-2005
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As Vozes de Fora

Por SÃO JOSÉ ALMEIDA

Domingo, 30 de Janeiro de 2005

Quem frequenta a Assembleia da República vai deparar-se com uma mudança de relevo na próxima legislatura. Manuela Aguiar, do PSD, não mais irá estar presente nem no hemiciclo, nem nas comissões. O seu nome deixou de constar das listas de candidatos a deputados. Também Carlos Luís, o histórico deputado socialista pela emigração, deverá ficar fora de São Bento, já que surge em segundo lugar pelo PS no círculo da Europa, onde os socialistas só uma vez conseguiram eleger dois deputados - em 1999, numa lista precisamente encabeçada por Carlos Luís.

Agora, Carlos Luís está convicto que repetirá a proeza e se fará eleger. Mas se tiver que ficar fora de São Bento garante que não deixará de lutar pelos direitos dos emigrantes. "Costumo citar o [Miguel] Torga: 'Ser emigrante foi aquele que não coube no berço da mãe pátria.' E infelizmente muitos deles continuam a não caber", diz Carlos Luís, deputado pela Guarda, desde 1986, e pela Europa, desde que, em 1992, António Guterres lhe pediu para assumir no PS o pelouro das comunidades.

Sublinhando que "há muitos emigrantes que vivem em quadros de exclusão social e em situações económicas e sociais muito complicadas", Carlos Luís ressalva por outro lado que as "divisas enviadas por emigrantes continuam a ser mais importantes que as divisas da Europa - só que ninguém fala nisso". Adverte ainda para que Portugal é o único país que tem emigração para todos os continentes, que precisa de políticas direccionadas, mas que está sub-representada na Assembleia. "A receptividade para as questões da emigração é muito pouca, somos quatro deputados para a outra metade da nação que está lá fora", desabafa, explicando: "Há quatro milhões e meio de portugueses inscritos nos consulados, mas são milhões e milhões de luso-descendentes, com problemas específicos desde o ensino da língua a solicitação de um passaporte."

Foi na tentativa de melhorar a qualidade dessa representação que Carlos Luís promoveu a aprovação pela AR, em 1995, da transformação do Conselho das Comunidades Portuguesas em órgão representativo, eleito directa e universalmente nos consulados e com autonomia administrativa. Até aí os membros era nomeados pelos consulados e embaixadas, logo dependiam de escolha do governo central.

Viajar do seu bolso

O envolvimento de Carlos Luís com as questões de emigração tem sido total. Ao ponto de, na última década, ter viajado praticamente todos os fins-de-semana. Fá-lo muitas vezes do seu bolso, garantiu ao PÚBLICO, até porque, como não reside fora de Portugal, tem menos verbas para viagens do que os seus pares que residem fora do país. Além disso, tem viajado também para países não europeus - acompanhou por exemplo no Brasil a legalização dos portugueses. Isto porque defende que um representante da emigração tem de ter uma visão de conjunto e não pode ficar-se apenas por uma visão limitada dos problemas da emigração. E foi precisamente no Brasil, num voo Belo Horizonte-São Paulo, que fez um enfarte: "Um casal de médico que ia no avião deitou-me no chão e massajou-me, até aterrarmos."

Em final de mandato mais uma vez tomou a iniciativa de apresentar um relatório ao presidente da AR, intitulado "Prestar Contas". "E explica: "Em vez de fazer promessas devo prestar contas do que fiz. Essa é a responsabilidade de quem é eleito. Que interessa promessas se não prestar contas? Este é o meu sentido de ética republicana."

Carlos Luís é visto como uma das pessoas que mais sabe sobre comunidades - esta caracterização é feita pela sua par de Parlamento e adversária política Manuela Aguiar, ela também uma histórica destas lides. "Fiquei chocada com o afastamento de Carlos Luís, ele tem sido de uma dedicação e de uma generosidade imensas. Nós interessamo-nos por emigrantes num país que não se interessa", sustenta.

"As mulheres são estrangeiros no seu próprio país"

Várias vezes secretária de Estado - a primeira pasta foi a do Trabalho, em 1978, a convite do seu amigo Carlos Mota Pinto, de quem foi, aliás, assistente na Universidade de Coimbra, assim como de Rui Alarcão -, Manuela Aguiar começa a dedicar-se à emigração, em 1980, quando Sá Carneiro - que assume como seu herói ao lado do Papa João XXIII - a convida para secretária de Estado das Comunidades. Demite-se em 1980, já com Pinto Balsemão primeiro-ministro, em protesto contra o Orçamento que classificou então como "uma vergonha". Vai para o Parlamento, só daí saindo em 1983, para, de novo ao lado de Mota Pinto, reocupar a secretaria de Estado das Comunidades, de onde sai, mais uma vez, por falta de verba, em ruptura com Cavaco Silva.

Recusando a ideia de que agora abandona ou sai em ruptura com a actual direcção do PSD, não dá grandes explicações sobre como foi tomada a decisão e apenas afirma que, já em 2002, estava para não se candidatar: "O Zé Manel [Durão Barroso] foi sempre impecável comigo. Foi muito frontal, disse: 'Queremos mudar, mas precisamos que venha mais uma vez.'." A actualidade, explica-a em poucas palavras: "Tenho 62 anos, a minha mãe tem 84 anos, tenho sete gatos. A minha mãe nunca gostou que eu viajasse tanto. E agora vou passar a ter tempo para ir ao cinema, ao teatro e ao futebol."

Congratula-se, por outro lado, com o facto de deixar o regime da obediência partidária, o qual, aliás, assume, nunca seguiu nas questões que acha violarem a sua consciência: "Tive várias heterodoxias, fui contra a guerra no Iraque, sou pela despenalização do aborto."

Quanto ao futuro diz que vai continuar a dedicar-se à causa dos emigrantes agora com mais calma, escrever, reflectir, alertar: "Não posso apresentar projectos de lei mas posso tentar influenciar." E pensa retomar uma outra sua bandeira antiga, o feminismo - "As mulheres são estrangeiros no seu próprio país."

As Vozes de Fora

Por SÃO JOSÉ ALMEIDA

Domingo, 30 de Janeiro de 2005

Quem frequenta a Assembleia da República vai deparar-se com uma mudança de relevo na próxima legislatura. Manuela Aguiar, do PSD, não mais irá estar presente nem no hemiciclo, nem nas comissões. O seu nome deixou de constar das listas de candidatos a deputados. Também Carlos Luís, o histórico deputado socialista pela emigração, deverá ficar fora de São Bento, já que surge em segundo lugar pelo PS no círculo da Europa, onde os socialistas só uma vez conseguiram eleger dois deputados - em 1999, numa lista precisamente encabeçada por Carlos Luís.

Agora, Carlos Luís está convicto que repetirá a proeza e se fará eleger. Mas se tiver que ficar fora de São Bento garante que não deixará de lutar pelos direitos dos emigrantes. "Costumo citar o [Miguel] Torga: 'Ser emigrante foi aquele que não coube no berço da mãe pátria.' E infelizmente muitos deles continuam a não caber", diz Carlos Luís, deputado pela Guarda, desde 1986, e pela Europa, desde que, em 1992, António Guterres lhe pediu para assumir no PS o pelouro das comunidades.

Sublinhando que "há muitos emigrantes que vivem em quadros de exclusão social e em situações económicas e sociais muito complicadas", Carlos Luís ressalva por outro lado que as "divisas enviadas por emigrantes continuam a ser mais importantes que as divisas da Europa - só que ninguém fala nisso". Adverte ainda para que Portugal é o único país que tem emigração para todos os continentes, que precisa de políticas direccionadas, mas que está sub-representada na Assembleia. "A receptividade para as questões da emigração é muito pouca, somos quatro deputados para a outra metade da nação que está lá fora", desabafa, explicando: "Há quatro milhões e meio de portugueses inscritos nos consulados, mas são milhões e milhões de luso-descendentes, com problemas específicos desde o ensino da língua a solicitação de um passaporte."

Foi na tentativa de melhorar a qualidade dessa representação que Carlos Luís promoveu a aprovação pela AR, em 1995, da transformação do Conselho das Comunidades Portuguesas em órgão representativo, eleito directa e universalmente nos consulados e com autonomia administrativa. Até aí os membros era nomeados pelos consulados e embaixadas, logo dependiam de escolha do governo central.

Viajar do seu bolso

O envolvimento de Carlos Luís com as questões de emigração tem sido total. Ao ponto de, na última década, ter viajado praticamente todos os fins-de-semana. Fá-lo muitas vezes do seu bolso, garantiu ao PÚBLICO, até porque, como não reside fora de Portugal, tem menos verbas para viagens do que os seus pares que residem fora do país. Além disso, tem viajado também para países não europeus - acompanhou por exemplo no Brasil a legalização dos portugueses. Isto porque defende que um representante da emigração tem de ter uma visão de conjunto e não pode ficar-se apenas por uma visão limitada dos problemas da emigração. E foi precisamente no Brasil, num voo Belo Horizonte-São Paulo, que fez um enfarte: "Um casal de médico que ia no avião deitou-me no chão e massajou-me, até aterrarmos."

Em final de mandato mais uma vez tomou a iniciativa de apresentar um relatório ao presidente da AR, intitulado "Prestar Contas". "E explica: "Em vez de fazer promessas devo prestar contas do que fiz. Essa é a responsabilidade de quem é eleito. Que interessa promessas se não prestar contas? Este é o meu sentido de ética republicana."

Carlos Luís é visto como uma das pessoas que mais sabe sobre comunidades - esta caracterização é feita pela sua par de Parlamento e adversária política Manuela Aguiar, ela também uma histórica destas lides. "Fiquei chocada com o afastamento de Carlos Luís, ele tem sido de uma dedicação e de uma generosidade imensas. Nós interessamo-nos por emigrantes num país que não se interessa", sustenta.

"As mulheres são estrangeiros no seu próprio país"

Várias vezes secretária de Estado - a primeira pasta foi a do Trabalho, em 1978, a convite do seu amigo Carlos Mota Pinto, de quem foi, aliás, assistente na Universidade de Coimbra, assim como de Rui Alarcão -, Manuela Aguiar começa a dedicar-se à emigração, em 1980, quando Sá Carneiro - que assume como seu herói ao lado do Papa João XXIII - a convida para secretária de Estado das Comunidades. Demite-se em 1980, já com Pinto Balsemão primeiro-ministro, em protesto contra o Orçamento que classificou então como "uma vergonha". Vai para o Parlamento, só daí saindo em 1983, para, de novo ao lado de Mota Pinto, reocupar a secretaria de Estado das Comunidades, de onde sai, mais uma vez, por falta de verba, em ruptura com Cavaco Silva.

Recusando a ideia de que agora abandona ou sai em ruptura com a actual direcção do PSD, não dá grandes explicações sobre como foi tomada a decisão e apenas afirma que, já em 2002, estava para não se candidatar: "O Zé Manel [Durão Barroso] foi sempre impecável comigo. Foi muito frontal, disse: 'Queremos mudar, mas precisamos que venha mais uma vez.'." A actualidade, explica-a em poucas palavras: "Tenho 62 anos, a minha mãe tem 84 anos, tenho sete gatos. A minha mãe nunca gostou que eu viajasse tanto. E agora vou passar a ter tempo para ir ao cinema, ao teatro e ao futebol."

Congratula-se, por outro lado, com o facto de deixar o regime da obediência partidária, o qual, aliás, assume, nunca seguiu nas questões que acha violarem a sua consciência: "Tive várias heterodoxias, fui contra a guerra no Iraque, sou pela despenalização do aborto."

Quanto ao futuro diz que vai continuar a dedicar-se à causa dos emigrantes agora com mais calma, escrever, reflectir, alertar: "Não posso apresentar projectos de lei mas posso tentar influenciar." E pensa retomar uma outra sua bandeira antiga, o feminismo - "As mulheres são estrangeiros no seu próprio país."

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