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13-04-2003
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Dirigentes sem rosto

Na sua última revisão (1993) o Código Deontológico do Jornalista incorporou (timidamente) algumas questões éticas originárias do mundo audiovisual. Assim, "o jornalista obriga-se, antes de recolher declarações e imagens, a atender às condições de serenidade, liberdade e responsabilidade das pessoas envolvidas." Qualquer bloco informativo das televisões portuguesas mostra a distância que separa a prática jornalística nelas vigente da observância das normas éticas que os próprios jornalistas escolheram como referência. Quanto mais emocionalmente congestionada está uma qualquer personagem, maior é o tempo de emissão que lhe é consagrado: choro, fúria, desespero e revolta parecem ter-se tornado sentimentos de exibição obrigatória para se poder "ter direito" a imagem televisiva. Mas, ao que consta, as vítimas não se queixam...

É sobre a "deficiência fotográfica" do PÚBLICO que escreve o leitor Vítor Vieira, do Porto. Mas a sua carta nada tem a ver com o que até agora escrevi. A sua questão é outra, mais simples e mais directa: "Constato que a cobertura fotográfica do jornal é bastante deficiente quando se trata de publicar fotos de militantes e dirigentes comunistas, contrastando com o que se passa no tratamento dado a outros partidos." Para ser mais cru, ponha-se a questão: será que o PÚBLICO pratica alguma forma de "discriminação fotográfica" face aos dirigentes do PCP?

Questão tão mais relevante quanto o PÚBLICO se propõe desde o seu primeiro número atribuir "à fotografia uma importância fundamental na definição do estilo informativo e gráfico do jornal. Nesse contexto, fotografia e texto estabelecem uma relação dinâmica permanente e intensa. Por isso, a fotografia não é, para o PÚBLICO, um género menor ou um mero suporte ilustrativo, mas um contraponto informativo e dramático do texto". É claro que o Livro de Estilo não adopta uma postura fundamentalista e reconhece as contingências do dia-a-dia quando acrescenta: "Exceptuam-se os grandes planos de caras a uma coluna de identificação de personagens. As situações imprevisíveis de paginação impõem, por vezes, soluções de recurso, mas deve-se evitar - tanto quanto possível - a facilidade e a utilização da fotografia como "tapa-buracos". Mas, mesmo aceitando as constrições, sublinha a intenção pretendida: "Como critério básico deve prevalecer a valorização de uma fotografia, que constitui um centro de atracção visual, em detrimento da disseminação de fotografias, cuja carga informativa ou dramática tende a ser repetitiva e retórica, além de tornar confusa e dispersiva a leitura gráfica da página ou do plano de páginas."

E, em matéria fotográfica, o PCP é discriminado no PÚBLICO? Foi-se ver. Tomou-se toda a edição do último mês de Março. Estabeleceu-se como comparação o CDS/PP - partido de dimensão parlamentar semelhante à do PCP. Escolheram-se as editorias Política e Sociedade, para não enviesar os resultados (recorde-se que a CDU tem importante presença na Câmara da capital, o que a torna mais "visível" no caderno Local-Lisboa). E a análise qualitativa diz o seguinte: O PCP (incluindo a CDU) foi objecto de 18 notícias (três das quais sob a forma de breves); em contrapartida, o CDS/PP mereceu 34 notícias (10 breves). Fotograficamente: nas quatro vezes em que foram ilustradas notícias sobre o PCP, Carlos Carvalhas faz o pleno (numa das quais acompanhado de outros dirigentes do partido); nas 13 vezes que se ilustraram textos sobre o PP a situação é mais variada: Manuel Monteiro teve direito a oito fotos, três outros dirigentes surgiram em edições diferentes e dois textos sobre o partido foram acompanhados de fotos sobre o tema da notícia sem a presença de nenhum dirigente. A desvantagem do PCP é notória!

Escreve o editor da Política, João Fragoso Mendes, a propósito de critérios sobre a matéria: "A fotografia desempenha num jornal com as características gráficas do PÚBLICO um papel extremamente importante. Há fotos que, por si só, são noticia; há notícias que só precisam de foto, independentemente do seu carácter mais ou menos noticioso, porque o grafismo do jornal a tal "obriga" - aliviam a "massa" de texto. Em termos genéricos (e algo simplistas) são estes os critérios." E, quanto à ilustração de peças jornalísticas sobre o PCP, acrescenta: "Nos últimos dois meses (Fevereiro e Março) foram publicadas (nas páginas da Política e última página) 47 peças sobre o PCP e, dessas, 13 foram acompanhadas por fotografia com "protagonista": Carlos Carvalhas (7), Luís Sá (1), Ilda Figueiredo (1), Odete Santos (1), Rúben de Carvalho (1), Eufrázio Filipe (1). Só uma das fotos não tinha um "protagonista" - tinha vários, pois tratava-se da bancada do partido na Assembleia da República. Como termo de comparação, no mesmo período, foram publicadas 22 fotos do primeiro-ministro."

Regressando à comparação com o CDS/PP: o PCP é prejudicado por três ordens de razões. Em primeiro lugar, não desenvolve uma política de protagonismo e exposição individual dos seus dirigentes. Depois, não expõe na praça pública questões de estratégia que dividem a sua direcção, como aquela que, durante o último mês, atravessou o PP, de roda da estratégia de coligações face às autárquicas - tema que envolvia também o maior partido da oposição, o PSD. E é também certo que as iniciativas do PCP em matéria política e social não constituem surpresa face ao seu passado, sendo que o mesmo nem sempre se pode dizer de outros partidos. Protagonismo, divergência de opinião e surpresa são factores de acrescida atenção informativa e, superlativamente, de registo fotográfico.

A nossa amostra do mês de Março dá razão ao leitor: o PÚBLICO ilustra (com fotos de dirigentes) um pouco menos as notícias relativas ao PCP (uma foto em cada 4,5 notícias) que as do PP (uma em cada 3,1). Mas a análise revela, sobretudo, que o PCP é menos vezes fonte de notícia do que o PP. Os números mostram que não existe discriminação fotográfica. Mas o PÚBLICO não pode deixar-se ir a reboque da actualidade e das estratégias mediáticas de cada partido. Mesmo que o PCP seja um objecto mais difícil de abordar do ponto de vista jornalístico, o desafio está nisso mesmo: produzir sobre ele informação que surpreenda o leitor, revele protagonismos e identifique (não as haverá?) diferenças de opinião.

Contactos do provedor do leitor:

Cartas:

Rua Amílcar Cabral, lt. 1

1750 Lisboa

Fax: (01) 758 71 38

e-mail: provedor@publico.pt

Dirigentes sem rosto

Na sua última revisão (1993) o Código Deontológico do Jornalista incorporou (timidamente) algumas questões éticas originárias do mundo audiovisual. Assim, "o jornalista obriga-se, antes de recolher declarações e imagens, a atender às condições de serenidade, liberdade e responsabilidade das pessoas envolvidas." Qualquer bloco informativo das televisões portuguesas mostra a distância que separa a prática jornalística nelas vigente da observância das normas éticas que os próprios jornalistas escolheram como referência. Quanto mais emocionalmente congestionada está uma qualquer personagem, maior é o tempo de emissão que lhe é consagrado: choro, fúria, desespero e revolta parecem ter-se tornado sentimentos de exibição obrigatória para se poder "ter direito" a imagem televisiva. Mas, ao que consta, as vítimas não se queixam...

É sobre a "deficiência fotográfica" do PÚBLICO que escreve o leitor Vítor Vieira, do Porto. Mas a sua carta nada tem a ver com o que até agora escrevi. A sua questão é outra, mais simples e mais directa: "Constato que a cobertura fotográfica do jornal é bastante deficiente quando se trata de publicar fotos de militantes e dirigentes comunistas, contrastando com o que se passa no tratamento dado a outros partidos." Para ser mais cru, ponha-se a questão: será que o PÚBLICO pratica alguma forma de "discriminação fotográfica" face aos dirigentes do PCP?

Questão tão mais relevante quanto o PÚBLICO se propõe desde o seu primeiro número atribuir "à fotografia uma importância fundamental na definição do estilo informativo e gráfico do jornal. Nesse contexto, fotografia e texto estabelecem uma relação dinâmica permanente e intensa. Por isso, a fotografia não é, para o PÚBLICO, um género menor ou um mero suporte ilustrativo, mas um contraponto informativo e dramático do texto". É claro que o Livro de Estilo não adopta uma postura fundamentalista e reconhece as contingências do dia-a-dia quando acrescenta: "Exceptuam-se os grandes planos de caras a uma coluna de identificação de personagens. As situações imprevisíveis de paginação impõem, por vezes, soluções de recurso, mas deve-se evitar - tanto quanto possível - a facilidade e a utilização da fotografia como "tapa-buracos". Mas, mesmo aceitando as constrições, sublinha a intenção pretendida: "Como critério básico deve prevalecer a valorização de uma fotografia, que constitui um centro de atracção visual, em detrimento da disseminação de fotografias, cuja carga informativa ou dramática tende a ser repetitiva e retórica, além de tornar confusa e dispersiva a leitura gráfica da página ou do plano de páginas."

E, em matéria fotográfica, o PCP é discriminado no PÚBLICO? Foi-se ver. Tomou-se toda a edição do último mês de Março. Estabeleceu-se como comparação o CDS/PP - partido de dimensão parlamentar semelhante à do PCP. Escolheram-se as editorias Política e Sociedade, para não enviesar os resultados (recorde-se que a CDU tem importante presença na Câmara da capital, o que a torna mais "visível" no caderno Local-Lisboa). E a análise qualitativa diz o seguinte: O PCP (incluindo a CDU) foi objecto de 18 notícias (três das quais sob a forma de breves); em contrapartida, o CDS/PP mereceu 34 notícias (10 breves). Fotograficamente: nas quatro vezes em que foram ilustradas notícias sobre o PCP, Carlos Carvalhas faz o pleno (numa das quais acompanhado de outros dirigentes do partido); nas 13 vezes que se ilustraram textos sobre o PP a situação é mais variada: Manuel Monteiro teve direito a oito fotos, três outros dirigentes surgiram em edições diferentes e dois textos sobre o partido foram acompanhados de fotos sobre o tema da notícia sem a presença de nenhum dirigente. A desvantagem do PCP é notória!

Escreve o editor da Política, João Fragoso Mendes, a propósito de critérios sobre a matéria: "A fotografia desempenha num jornal com as características gráficas do PÚBLICO um papel extremamente importante. Há fotos que, por si só, são noticia; há notícias que só precisam de foto, independentemente do seu carácter mais ou menos noticioso, porque o grafismo do jornal a tal "obriga" - aliviam a "massa" de texto. Em termos genéricos (e algo simplistas) são estes os critérios." E, quanto à ilustração de peças jornalísticas sobre o PCP, acrescenta: "Nos últimos dois meses (Fevereiro e Março) foram publicadas (nas páginas da Política e última página) 47 peças sobre o PCP e, dessas, 13 foram acompanhadas por fotografia com "protagonista": Carlos Carvalhas (7), Luís Sá (1), Ilda Figueiredo (1), Odete Santos (1), Rúben de Carvalho (1), Eufrázio Filipe (1). Só uma das fotos não tinha um "protagonista" - tinha vários, pois tratava-se da bancada do partido na Assembleia da República. Como termo de comparação, no mesmo período, foram publicadas 22 fotos do primeiro-ministro."

Regressando à comparação com o CDS/PP: o PCP é prejudicado por três ordens de razões. Em primeiro lugar, não desenvolve uma política de protagonismo e exposição individual dos seus dirigentes. Depois, não expõe na praça pública questões de estratégia que dividem a sua direcção, como aquela que, durante o último mês, atravessou o PP, de roda da estratégia de coligações face às autárquicas - tema que envolvia também o maior partido da oposição, o PSD. E é também certo que as iniciativas do PCP em matéria política e social não constituem surpresa face ao seu passado, sendo que o mesmo nem sempre se pode dizer de outros partidos. Protagonismo, divergência de opinião e surpresa são factores de acrescida atenção informativa e, superlativamente, de registo fotográfico.

A nossa amostra do mês de Março dá razão ao leitor: o PÚBLICO ilustra (com fotos de dirigentes) um pouco menos as notícias relativas ao PCP (uma foto em cada 4,5 notícias) que as do PP (uma em cada 3,1). Mas a análise revela, sobretudo, que o PCP é menos vezes fonte de notícia do que o PP. Os números mostram que não existe discriminação fotográfica. Mas o PÚBLICO não pode deixar-se ir a reboque da actualidade e das estratégias mediáticas de cada partido. Mesmo que o PCP seja um objecto mais difícil de abordar do ponto de vista jornalístico, o desafio está nisso mesmo: produzir sobre ele informação que surpreenda o leitor, revele protagonismos e identifique (não as haverá?) diferenças de opinião.

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