FIM DO MILÉNIO

06-03-2003
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JANEIRO. Portugal inicia presidência da União Europeia (UE). Timor-Leste adopta o dólar americano como moeda de transição. FEVEREIRO. PP viabiliza Orçamento de Estado em troca do aumento das pensões. Jorge Sampaio visita Timor. Durão é reeleito líder no congresso de Viseu, derrotando Marques Mendes e Pedro Santana Lopes. MARÇO. Mário Soares e o filho João Soares são acusados pelo ministro angolano, Vaal Neto, de beneficiarem do tráfico de diamantes e marfim. Cimeira Extraordinária de Lisboa sobre emprego, reformas económicas e segurança social. PP escolhe Basílio Horta candidato a Belém. Durão apoia candidatura de Ferreira do Amaral. ABRIL. «Buzinão nacional» contra aumento do preço dos combustíveis. Sampaio vai ao Brasil para comemorar os 500 anos do «achamento». MAIO. Polícias participam nas manifestações do 1º de Maio. Greve geral da Função Pública. Tribunal de Contas detecta irregularidades nas contas da Parque Expo. JUNHO. Presidência portuguesa consegue compromisso para harmonização fiscal na UE. Manuel Alegre deixa Secretariado Nacional do PS. JULHO. PP apresenta moção de censura ao Governo. Ministro da Cultura, Manuel Maria Carrilho, demite-se. Presidente da República veta lei de descriminalização da droga. Português é língua oficial de Timor. AGOSTO. PSD anuncia moção de censura. SETEMBRO. Remodelação governamental. António Abreu é candidato do PCP a Belém. OUTUBRO. Dois militares portugueses morrem em Timor. Paulo Portas propõe estratégia global com PSD e Basílio Horta renuncia à candidaturaa Belém. Cenário de crise «entra» em Belém, Sampaio chama partidos. NOVEMBRO. Daniel Campelo viabiliza Orçamento de Estado para 2001. Depois de acesa polémica, Sampaio decide participar na cerimónia inaugural do Porto 2001. Presidente promulga lei de descriminalização da droga. Carlos Brito e Edgar Correia deixam Comité Central do PCP. DEZEMBRO. Camarate e Fundação para a Prevenção e Segurança provocam crise no Governo. Na Cimeira de Nice, Guterres bate-se pelo poder dos «pequenos» na UE.

António Guterres:

um «annus horribilis» PEDRO CORREIA

Arquivo DN - José Carlos Carvalho «Se tentarem pôr-me entre a espada e a parede, escolherei a espada.» A revelação foi feita por Guterres num comício em Esposende que marcou o início da actual temporada política. O recado visava a oposição. Mal ele sabia que as únicas espadas que se cruzariam no seu caminho seriam desembainhadas por gente do PS. Nem imaginaria que seriam socialistas a encostá-lo à parede, de crise em crise.

Dezassete dias após o comício, Guterres remodelava o Governo. Desiludindo tudo e todos com as novas escolhas, anunciadas a 12 de Setembro. Uma das cabeças que então rolaram foi a do ministro da Administração Interna, Fernando Gomes. Precisamente o mesmo a quem Guterres jurara solidariedade em Esposende no dia 26 de Agosto. «Não me sinto demissionário – sinto-me demitido», desabafou Gomes. Guterres comprou uma briga política de peso ao substituir o ex-autarca do Porto por Severiano Teixeira. Pina Moura aguentou as Finanças. Mas perdeu a pasta da Economia, entregue a Mário Cristina de Sousa. Fora do Executivo ficou ainda Maria de Belém, que viu eclipsar-se o seu Ministério da Igualdade. Augusto Santos Silva ascendeu de secretário de Estado a ministro da Educação, passando o anterior titular, Oliveira Martins, a sobraçar a pasta da Presidência, que antes era de Jorge Coelho. E Armando Vara, ex-ministro adjunto do PM, ficou a tutelar a Juventude e o Desporto. Conclusão: a capacidade de recrutamento de novos ministros fora da própria esfera governativa foi drasticamente reduzida neste «annus horribilis» de Guterres.

O XIV Governo Constitucional, empossado em 26 de Outubro de 1999, aguentou incólume só oito meses. A primeira baixa ocorreu na Cultura: Manuel Maria Carrilho entregou a carta de demissão em 6 de Julho, inaugurando o «ciclo negro» do Executivo rosa. Para o seu lugar avançou José Sasportes. Ainda antes da remodelação, saiu o prestigiado secretário de Estado do Tesouro, Nogueira Leite, em ruptura com Pina Moura. Já em Dezembro, outro secretário de Estado de Pina, Sá Fernandes, deixava o Governo após pressões do ministro da Justiça. Logo a seguir, na manhã do passado dia 15, saíam Armando Vara (já rendido por José Lello) e o secretário de Estado Luís Patrão, politicamente feridos pela polémica Fundação para a Prevenção e Segurança. Na véspera, Guterres garantira que seguraria ambos. Tal como sucedeu com Gomes, também de nada valeu esta promessa. Com uma diferença: desta vez nem foi preciso esperar 24 horas... Comunistas à procura da identidade PAULA SÁ

No final da década de 80, o PCP sofreu uma das suas maiores crises. A queda dos regimes de Leste e a perestroika puseram os comunistas portugueses em alvoroço. O PCP de Álvaro Cunhal recusou reformas. Uns bateram com a porta, outros foram expulsos. Cunhal passou a pasta a Carlos Carvalhas, rosto da renovação desejada. Doze anos depois, a renovação não chegou e Carvalhas enfrentou nova prova de fogo.

Se a crise de 80 tinha uma explicação clara, em 2000 parece ser uma espécie de ajuste de forças entre «ortodoxas» e «renovadoras».

Os primeiros sentiram uma certa orfandade – a idade do líder histórico não perdoa. Sentiram que se não controlassem o poder acabariam por ouvir «os amanhãs que cantam» ao som da tal renovação adiada.

Os segundos sentiram que com a diminuição do peso da ala «cunhalista» poderiam, finalmente, exigir o que sempre esperaram de Carvalhas – uma via reformista. Demitiram-se umas dezenas do Comité Central, entre eles Carlos Brito e Edgar Correia.

O PCP chegou ao XVI Congresso dividido e à procura de uma identidade. Cunhal, doente, enviou um testamento: «A luta continua», mantenham «a foice e o martelo do partido revolucionário marxista-leninista». As bases aclamaram o testamento. Carvalhas pediu aos renovadores que adiem o sonho das reformas, sem deixar o PCP. Pelo menos isso parece ter conseguido. Até quando? Não se sabe. Dá cá o teu voto, toma lá um queijo P. C. Ironia das ironias: o deputado mais em foco neste ano foi o que menos frequentou o hemiciclo. Toda a gente lhe fixou o nome: Daniel Campelo, presidente da Câmara de Ponte de Lima e parlamentar do CDS/PP em «part-time».

Bastaram-lhe três dias para ascender à fama ao viabilizar o Orçamento de 2001, salvando do naufrágio o Executivo socialista. Em troca de uma fábrica de queijo e de uma estrada. Ingratos, os socialistas interditaram por lei os deputados-autarcas duas semanas depois de aprovado o Orçamento. Como se dissessem: «Campelo, nunca mais.»

Com 115 deputados, tantos como o conjunto dos representantes da oposição, o PS viu-se forçado a pescar votos noutras áreas para conseguir aprovar os seus diplomas. Foi o que aconteceu com a reforma da segurança social e a reforma fiscal, votadas à esquerda, tal como a proposta de lei que descriminaliza a droga.

O ano parlamentar ficou ainda marcado por duas moções de censura ao Governo: a primeira apresentada pelo PP, a outra pelo PSD. Guterres não caiu nem chegou sequer a abanar. Quem deu mais dores de cabeça ao primeiro-ministro foi a própria bancada «rosa». De lá vieram os votos que bastaram para travar a co-incineração de resíduos tóxicos, provocando a maior derrota parlamentar do Governo no ano 2000.

JANEIRO. Portugal inicia presidência da União Europeia (UE). Timor-Leste adopta o dólar americano como moeda de transição. FEVEREIRO. PP viabiliza Orçamento de Estado em troca do aumento das pensões. Jorge Sampaio visita Timor. Durão é reeleito líder no congresso de Viseu, derrotando Marques Mendes e Pedro Santana Lopes. MARÇO. Mário Soares e o filho João Soares são acusados pelo ministro angolano, Vaal Neto, de beneficiarem do tráfico de diamantes e marfim. Cimeira Extraordinária de Lisboa sobre emprego, reformas económicas e segurança social. PP escolhe Basílio Horta candidato a Belém. Durão apoia candidatura de Ferreira do Amaral. ABRIL. «Buzinão nacional» contra aumento do preço dos combustíveis. Sampaio vai ao Brasil para comemorar os 500 anos do «achamento». MAIO. Polícias participam nas manifestações do 1º de Maio. Greve geral da Função Pública. Tribunal de Contas detecta irregularidades nas contas da Parque Expo. JUNHO. Presidência portuguesa consegue compromisso para harmonização fiscal na UE. Manuel Alegre deixa Secretariado Nacional do PS. JULHO. PP apresenta moção de censura ao Governo. Ministro da Cultura, Manuel Maria Carrilho, demite-se. Presidente da República veta lei de descriminalização da droga. Português é língua oficial de Timor. AGOSTO. PSD anuncia moção de censura. SETEMBRO. Remodelação governamental. António Abreu é candidato do PCP a Belém. OUTUBRO. Dois militares portugueses morrem em Timor. Paulo Portas propõe estratégia global com PSD e Basílio Horta renuncia à candidaturaa Belém. Cenário de crise «entra» em Belém, Sampaio chama partidos. NOVEMBRO. Daniel Campelo viabiliza Orçamento de Estado para 2001. Depois de acesa polémica, Sampaio decide participar na cerimónia inaugural do Porto 2001. Presidente promulga lei de descriminalização da droga. Carlos Brito e Edgar Correia deixam Comité Central do PCP. DEZEMBRO. Camarate e Fundação para a Prevenção e Segurança provocam crise no Governo. Na Cimeira de Nice, Guterres bate-se pelo poder dos «pequenos» na UE.

António Guterres:

um «annus horribilis» PEDRO CORREIA

Arquivo DN - José Carlos Carvalho «Se tentarem pôr-me entre a espada e a parede, escolherei a espada.» A revelação foi feita por Guterres num comício em Esposende que marcou o início da actual temporada política. O recado visava a oposição. Mal ele sabia que as únicas espadas que se cruzariam no seu caminho seriam desembainhadas por gente do PS. Nem imaginaria que seriam socialistas a encostá-lo à parede, de crise em crise.

Dezassete dias após o comício, Guterres remodelava o Governo. Desiludindo tudo e todos com as novas escolhas, anunciadas a 12 de Setembro. Uma das cabeças que então rolaram foi a do ministro da Administração Interna, Fernando Gomes. Precisamente o mesmo a quem Guterres jurara solidariedade em Esposende no dia 26 de Agosto. «Não me sinto demissionário – sinto-me demitido», desabafou Gomes. Guterres comprou uma briga política de peso ao substituir o ex-autarca do Porto por Severiano Teixeira. Pina Moura aguentou as Finanças. Mas perdeu a pasta da Economia, entregue a Mário Cristina de Sousa. Fora do Executivo ficou ainda Maria de Belém, que viu eclipsar-se o seu Ministério da Igualdade. Augusto Santos Silva ascendeu de secretário de Estado a ministro da Educação, passando o anterior titular, Oliveira Martins, a sobraçar a pasta da Presidência, que antes era de Jorge Coelho. E Armando Vara, ex-ministro adjunto do PM, ficou a tutelar a Juventude e o Desporto. Conclusão: a capacidade de recrutamento de novos ministros fora da própria esfera governativa foi drasticamente reduzida neste «annus horribilis» de Guterres.

O XIV Governo Constitucional, empossado em 26 de Outubro de 1999, aguentou incólume só oito meses. A primeira baixa ocorreu na Cultura: Manuel Maria Carrilho entregou a carta de demissão em 6 de Julho, inaugurando o «ciclo negro» do Executivo rosa. Para o seu lugar avançou José Sasportes. Ainda antes da remodelação, saiu o prestigiado secretário de Estado do Tesouro, Nogueira Leite, em ruptura com Pina Moura. Já em Dezembro, outro secretário de Estado de Pina, Sá Fernandes, deixava o Governo após pressões do ministro da Justiça. Logo a seguir, na manhã do passado dia 15, saíam Armando Vara (já rendido por José Lello) e o secretário de Estado Luís Patrão, politicamente feridos pela polémica Fundação para a Prevenção e Segurança. Na véspera, Guterres garantira que seguraria ambos. Tal como sucedeu com Gomes, também de nada valeu esta promessa. Com uma diferença: desta vez nem foi preciso esperar 24 horas... Comunistas à procura da identidade PAULA SÁ

No final da década de 80, o PCP sofreu uma das suas maiores crises. A queda dos regimes de Leste e a perestroika puseram os comunistas portugueses em alvoroço. O PCP de Álvaro Cunhal recusou reformas. Uns bateram com a porta, outros foram expulsos. Cunhal passou a pasta a Carlos Carvalhas, rosto da renovação desejada. Doze anos depois, a renovação não chegou e Carvalhas enfrentou nova prova de fogo.

Se a crise de 80 tinha uma explicação clara, em 2000 parece ser uma espécie de ajuste de forças entre «ortodoxas» e «renovadoras».

Os primeiros sentiram uma certa orfandade – a idade do líder histórico não perdoa. Sentiram que se não controlassem o poder acabariam por ouvir «os amanhãs que cantam» ao som da tal renovação adiada.

Os segundos sentiram que com a diminuição do peso da ala «cunhalista» poderiam, finalmente, exigir o que sempre esperaram de Carvalhas – uma via reformista. Demitiram-se umas dezenas do Comité Central, entre eles Carlos Brito e Edgar Correia.

O PCP chegou ao XVI Congresso dividido e à procura de uma identidade. Cunhal, doente, enviou um testamento: «A luta continua», mantenham «a foice e o martelo do partido revolucionário marxista-leninista». As bases aclamaram o testamento. Carvalhas pediu aos renovadores que adiem o sonho das reformas, sem deixar o PCP. Pelo menos isso parece ter conseguido. Até quando? Não se sabe. Dá cá o teu voto, toma lá um queijo P. C. Ironia das ironias: o deputado mais em foco neste ano foi o que menos frequentou o hemiciclo. Toda a gente lhe fixou o nome: Daniel Campelo, presidente da Câmara de Ponte de Lima e parlamentar do CDS/PP em «part-time».

Bastaram-lhe três dias para ascender à fama ao viabilizar o Orçamento de 2001, salvando do naufrágio o Executivo socialista. Em troca de uma fábrica de queijo e de uma estrada. Ingratos, os socialistas interditaram por lei os deputados-autarcas duas semanas depois de aprovado o Orçamento. Como se dissessem: «Campelo, nunca mais.»

Com 115 deputados, tantos como o conjunto dos representantes da oposição, o PS viu-se forçado a pescar votos noutras áreas para conseguir aprovar os seus diplomas. Foi o que aconteceu com a reforma da segurança social e a reforma fiscal, votadas à esquerda, tal como a proposta de lei que descriminaliza a droga.

O ano parlamentar ficou ainda marcado por duas moções de censura ao Governo: a primeira apresentada pelo PP, a outra pelo PSD. Guterres não caiu nem chegou sequer a abanar. Quem deu mais dores de cabeça ao primeiro-ministro foi a própria bancada «rosa». De lá vieram os votos que bastaram para travar a co-incineração de resíduos tóxicos, provocando a maior derrota parlamentar do Governo no ano 2000.

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