Denúncias noticiadas em 1981 não tiveram eco nos jornais

03-12-2002
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Denúncias Noticiadas em 1981 Não Tiveram Eco nos Jornais

Por ALEXANDRA CAMPOS

Domingo, 01 de Dezembro de 2002

Pode parecer bizarro uma reportagem ser recordada duas décadas depois da publicação, sobretudo quando foi ignorada pela imprensa da época. Mas foi o que aconteceu com o artigo do "Tal & Qual", que dava conta dos graves problemas vividos na Casa Pia, há 21 anos

A agora famosa reportagem do "Tal & Qual", publicada na edição de 11 de Julho de 1981, não teve qualquer repercussão nos principais jornais diários e semanários da época, que ignoraram por completo o melindroso assunto. Seria quase impensável hoje que uma história - sugestivamente intitulada "Prostituição masculina tinha mercado na Casa Pia: Senhores iam lá abastecer-se de miúdos" - não despertasse o interesse e a curiosidade de outros jornalistas. Mas nessa altura não havia estações privadas de televisão e a imprensa estava demasiado ocupada com a situação política e económica, deveras conturbada, e com o calor que começava a apertar naquele início de Verão. A contestação ao primeiro-ministro, Pinto Balsemão, subia de tom; um pacote de duras medidas restritivas era ultimado pelo ministro das Finanças e do Plano, enquanto a gasolina subia uns escandalosos cinco escudos e a inflação se aproximava perigosamente dos 30 por cento; Carlos Antunes, um dos detidos do caso PRP (Partido Revolucionário do Proletariado), emocionava o país com uma prolongada greve de fome e as FP-25 continuavam a pôr muitos corações em sobressalto.

Curiosamente, aos mesmos jornais que ignoraram a história denunciada pelo "Tal & Qual" não escapara, porém, uma semana antes, a chamada notícia institucional: a substituição do provedor da Casa Pia, Peixoto Simões, pelo comandante Baptista Comprido, que tomou posse numa cerimónia oficial com direito à presença e aos discursos do então ministro do Assuntos Sociais, Carlos Macedo, e da secretária de Estado da Família, Teresa Costa Macedo (o secretário de Estado da Segurança Social, Bagão Félix, assistiu mas não discursou). Seguiu-se missa e um programa recreativo com "cinema, variedades e tarde de dança".

Seis dias depois, era justamente a demissão do provedor Simões que dava o mote à reportagem do "Tal & Qual", assinada por Luís Marques: "... as entidades oficiais" consideraram "normal a substituição do provedor" e cuidaram de "dar ao acto o mínimo de repercussão "provavelmente para desviar as atenções de alguns factos menos normais (...) pecados antigos como sejam a droga e a prostituição masculina...". O jornalista aludia ao facto de alguns funcionários terem preparado, dias antes da substituição, um relatório circunstanciado sobre "um grande número de anomalias" e, pondo já o dedo na ferida, adiantava que este documento ter-se-ia "juntado a muitos outros existentes na mesa do chefe de gabinete da secretária de Estado da Família, Teresa Costa Macedo". Especificava, até, que "muitas denúncias acabaram no cesto dos papéis", em virtude de existir "uma cobertura flagrante do antigo chefe de gabinete a Peixoto Simões". Sem falar no nome do indivíduo agora detido, referia-se ainda à descoberta de um funcionário que aliciava jovens para práticas homossexuais, que, depois de afastado, viria a ser reintegrado nos serviços centrais da Provedoria. As palavras-chave eram "prostituição masculina" e "homossexualidade" - naquela altura ninguém falava em pedofilia.

No dia seguinte, os jornais diários dedicavam as suas primeiras páginas ao nascimento de três gémeos em Lisboa (manchete do "Correio da Manhã"), à "Maré de Calor" e à morte de um menino despedaçado por cães, em Vila do Conde ("Diário Popular"); e o "Diário de Notícias" dispersava a sua atenção pela reunião entre François Mitterrand e Helmut Schmidt, o frágil estado de saúde do Papa (debilitado por uma"infecção virosa" ) e a inauguração do aeroporto da Graciosa.

Os semanários desprezaram igualmente o assunto: para além de não lhe dedicar uma linha, o "Expresso" destaca, curiosamente, numa breve, na primeira página, o "louvor da Santa Sé" a Teresa Costa Macedo, pela sua "comunicação na 17ª Sessão da Conferência dos Ministros Europeus Encarregados da Família"; e "O Jornal" não faz qualquer comentário, nem sequer no "Periscópio" - a primeira página é dedicada ao aumento dos preços e dos combustíveis e aos "800 contos" que a RTP teria acordado pagar a Pulido Valente, Cunha Rego e Sarsfield Cabral por uma biografia de Sá Carneiro para um programa de 90 minutos.

Denúncias Noticiadas em 1981 Não Tiveram Eco nos Jornais

Por ALEXANDRA CAMPOS

Domingo, 01 de Dezembro de 2002

Pode parecer bizarro uma reportagem ser recordada duas décadas depois da publicação, sobretudo quando foi ignorada pela imprensa da época. Mas foi o que aconteceu com o artigo do "Tal & Qual", que dava conta dos graves problemas vividos na Casa Pia, há 21 anos

A agora famosa reportagem do "Tal & Qual", publicada na edição de 11 de Julho de 1981, não teve qualquer repercussão nos principais jornais diários e semanários da época, que ignoraram por completo o melindroso assunto. Seria quase impensável hoje que uma história - sugestivamente intitulada "Prostituição masculina tinha mercado na Casa Pia: Senhores iam lá abastecer-se de miúdos" - não despertasse o interesse e a curiosidade de outros jornalistas. Mas nessa altura não havia estações privadas de televisão e a imprensa estava demasiado ocupada com a situação política e económica, deveras conturbada, e com o calor que começava a apertar naquele início de Verão. A contestação ao primeiro-ministro, Pinto Balsemão, subia de tom; um pacote de duras medidas restritivas era ultimado pelo ministro das Finanças e do Plano, enquanto a gasolina subia uns escandalosos cinco escudos e a inflação se aproximava perigosamente dos 30 por cento; Carlos Antunes, um dos detidos do caso PRP (Partido Revolucionário do Proletariado), emocionava o país com uma prolongada greve de fome e as FP-25 continuavam a pôr muitos corações em sobressalto.

Curiosamente, aos mesmos jornais que ignoraram a história denunciada pelo "Tal & Qual" não escapara, porém, uma semana antes, a chamada notícia institucional: a substituição do provedor da Casa Pia, Peixoto Simões, pelo comandante Baptista Comprido, que tomou posse numa cerimónia oficial com direito à presença e aos discursos do então ministro do Assuntos Sociais, Carlos Macedo, e da secretária de Estado da Família, Teresa Costa Macedo (o secretário de Estado da Segurança Social, Bagão Félix, assistiu mas não discursou). Seguiu-se missa e um programa recreativo com "cinema, variedades e tarde de dança".

Seis dias depois, era justamente a demissão do provedor Simões que dava o mote à reportagem do "Tal & Qual", assinada por Luís Marques: "... as entidades oficiais" consideraram "normal a substituição do provedor" e cuidaram de "dar ao acto o mínimo de repercussão "provavelmente para desviar as atenções de alguns factos menos normais (...) pecados antigos como sejam a droga e a prostituição masculina...". O jornalista aludia ao facto de alguns funcionários terem preparado, dias antes da substituição, um relatório circunstanciado sobre "um grande número de anomalias" e, pondo já o dedo na ferida, adiantava que este documento ter-se-ia "juntado a muitos outros existentes na mesa do chefe de gabinete da secretária de Estado da Família, Teresa Costa Macedo". Especificava, até, que "muitas denúncias acabaram no cesto dos papéis", em virtude de existir "uma cobertura flagrante do antigo chefe de gabinete a Peixoto Simões". Sem falar no nome do indivíduo agora detido, referia-se ainda à descoberta de um funcionário que aliciava jovens para práticas homossexuais, que, depois de afastado, viria a ser reintegrado nos serviços centrais da Provedoria. As palavras-chave eram "prostituição masculina" e "homossexualidade" - naquela altura ninguém falava em pedofilia.

No dia seguinte, os jornais diários dedicavam as suas primeiras páginas ao nascimento de três gémeos em Lisboa (manchete do "Correio da Manhã"), à "Maré de Calor" e à morte de um menino despedaçado por cães, em Vila do Conde ("Diário Popular"); e o "Diário de Notícias" dispersava a sua atenção pela reunião entre François Mitterrand e Helmut Schmidt, o frágil estado de saúde do Papa (debilitado por uma"infecção virosa" ) e a inauguração do aeroporto da Graciosa.

Os semanários desprezaram igualmente o assunto: para além de não lhe dedicar uma linha, o "Expresso" destaca, curiosamente, numa breve, na primeira página, o "louvor da Santa Sé" a Teresa Costa Macedo, pela sua "comunicação na 17ª Sessão da Conferência dos Ministros Europeus Encarregados da Família"; e "O Jornal" não faz qualquer comentário, nem sequer no "Periscópio" - a primeira página é dedicada ao aumento dos preços e dos combustíveis e aos "800 contos" que a RTP teria acordado pagar a Pulido Valente, Cunha Rego e Sarsfield Cabral por uma biografia de Sá Carneiro para um programa de 90 minutos.

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