Ideias Fortes Capoulas Santos Comissão Europeia não conseguirá fazer a reforma que a agricultura portuguesa necessita

16-06-2003
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Ideias Fortes Capoulas Santos Comissão Europeia Não Conseguirá Fazer a Reforma Que a Agricultura Portuguesa Necessita

Por DESTAQUE:

Segunda-feira, 16 de Junho de 2003 %Texto Luís Miguel Viana PÚBLICO - A aposta em produtos mediterrânicos competitivos nos mercados internacionais - como o vinho, azeite, frutos e legumes -, em detrimento dos cereais, resolve por si os problemas da agricultura portuguesa? CAPOULAS SANTOS - Não. Temos um mosaico agro-climático e uma estrutura fundiária que, em 1986, quando aderimos à então CEE, entrou num estado quase medieval na Política Agrícola Comum (PAC). E, se a partir de então, se registaram avanços notáveis, agravaram-se também alguns dos seus problemas pela aplicação das regras estruturais desta política. Basta dizer que quase dois terços da nossa produção agrícola não beneficiam de qualquer apoio à produção: falo do vinho, das frutas, das flores, dos hortícolas. São os sectores mais competitivos que temos, aqueles para os quais o país tem melhores condições naturais. P. - Condições essas que não temos para os cereais? R. - A produtividade média dos cereais ronda os 2000 kg/hectare; na bacia de Paris são 8000 kg/hectare, no mínimo. Ora, um agricultor português recebe ajudas multiplicadas por 2000, o francês por 8000 - mas as despesas por hectare com as máquinas agrícolas, as sementes, os adubos, etc, são iguais. E o francês, como está num país que exporta cereais, ainda recebe as restituições à exportação. O português, como está num país que importa, não recebe nada. E corre um risco muito maior: a irregularidade climática é superior, confronta-se com períodos prolongados de seca ou de excesso de chuva - o clima é exactamente este. Por isso, à excepção de algumas pequenas manchas dos Barros de Beja e de São Manços, e pouco mais, nós não temos boas condições para cultivar cereais. P. - E porque o fazemos? R. - Porque não é fácil encontrar grandes alternativas para os sistemas extensivos de sequeiro. Se não se fizer cereais, faz-se o quê? Pode-se fazer vinha, e o Alentejo é um bom exemplo disso. Mas tudo tem limitações e não se pode inundar o mercado. P - Voltamos ao princípio: até onde é que podem crescer os produtos em que a agricultura portuguesa é competitiva? R. - Os limites são ditados pelo mercado mundial e pelas condições naturais de produção, mas há um grande potencial de crescimento. A União Europeia (UE) importa hoje frutas e legumes de muitos países terceiros, desde logo do Norte de África. No mercado do tomate temos grandes competidores, como a Turquia e Marrocos. No caso da fruta há um enorme potencial de crescimento associado à qualidade. Um exemplo: nas novas agriculturas do Alqueva, uma empresa espanhola pretende instalar-se com uma única plantação de 500 hectares de citrinos. A empresa é oriunda de Valência, uma região caracterizada pela pequena propriedade onde nunca é fácil harmonizar variedades, períodos de colheita, formas de tratamento fito-sanitário - se um agricultor utilizar pesticidas, com um sopro de vento a produção do vizinho do lado pode ficar contaminada. Ora, esta empresa quer fazer produção integrada (o patamar abaixo da agricultura biológica) de citrinos e sabe que no Alentejo vai ter uma dimensão que lhe permite atingir um padrão de qualidade mais elevado e uniforme, que pode ser vendido mais cara. A aposta da agricultura portuguesa deve ser de apoio a estas culturas, garantindo um sistema de aferição da qualidade. P. - E o que é que se faz às culturas para as quais não estamos vocacionados, como os cereais, que consomem a fatia de leão das ajudas da PAC? R. - Foi para dar resposta a essa e a outras questões que enquanto ministro da Agricultura apresentei a minha proposta de reforma da PAC em 9 de Março de 2001. Recebi cartas muito simpáticas, inclusive do próprio comissário [Franz] Fishler - o que não esperava é que um ano depois ele fosse retomar a arquitectura essencial da proposta. Nem os meus críticos esperavam... (risos) Nunca pensei que a Comissão pudesse ir tão longe na intenção de reformar a actual PAC. O que eu propunha era desligar as ajudas da produção - ou, como eu prefiro dizer, ligar as ajudas às explorações. P. - Isso não pode abrir a porta à ociosidade? R. - Nada de mais errado! Uma das condições para receber ajudas era produzir - só que produzir liberto de qualquer sistema de quotas ou de limitações que não fossem a avaliação pelo agricultor do mercado e das suas condições naturais de produção. Hoje, dois agricultores lado a lado, o que só fizer cereais e bovinos recebe ajudas, um que produza fruta não recebe nada. Segundo a minha proposta, passaria a ser atribuída uma ajuda por exploração, traduzida num contrato com a administração nacional ou europeia, em que o agricultor teria inteira liberdade para escolher a produção para que queria mudar. Mas era obrigado a produzir acima de um limite mínimo definido para essa actividade, e era obrigado a cumprir três critérios essenciais: qualidade, emprego e ambiente. Ou seja, se um agricultor quisesse mudar dos cereais para a carne bovina, a fruta e os legumes, para produzir mais e ter mais mercado, podia fazê-lo. Mas só receberia a ajuda desde que respeitasse as seguintes exigências: uma quantidade mínima a produzir; os produtos tinham que ter um certo padrão de qualidade; quantos mais postos de trabalho criasse maior seria a ajuda; e as práticas agrícolas tinham de ser amigas do ambiente - quem fizesse agricultura biológica recebia mais dinheiro. Todas as explorações teriam ajudas, sem excepção. P. - É possível fazer isso respeitando o orçamento comunitário? Seriam muitos mais a receber ajudas. R. - A proposta foi formulada no pressuposto de que iria custar o mesmo que a actual PAC, desde que fossem introduzidas no plano financeiro determinadas correcções. A mais relevante seria o estabelecimento de tectos aos maiores agricultores! Hoje um agricultor tanto pode receber de ajudas 50 mil, como um milhão. Definia-se um tecto: Bush, na América, definiu um tecto de 300 mil dólares. É preciso ver que, à escala europeia, 20 por cento dos agricultores recebem 80 por cento das ajudas; em Portugal 1 - um! - por cento dos agricultores recebem quase 40 por cento das ajudas. P. - Isso traduzido em dinheiro quanto dá? R. - Há dois anos em Portugal 0,6 por cento - 1600 agricultores - recebia 145 milhões de euros por ano; 99 por cento - 256.000 agricultores - recebia 255 milhões de euros. Destes, a esmagadora maioria - 236.000 agricultores - recebia menos de 2,5 mil euros [500 contos] por ano. A minha proposta foi acusada de ser "liberal" por estar mais ligada ao mercado. Estava, de facto, mas dava uma almofada de segurança ligada à exploração. O que obrigava era os agricultores a tirarem as maiores vantagens das condições naturais e em detrimento da "caça ao subsídio". P. - A maioria dos agricultores portugueses está preparada para isso? R. - Bem, a proposta é arrojada por causa disso. Tem vantagens e desvantagens: a vantagem é que passaria a ajudar quem tem mais competitividade e quer produzir com qualidade; a desvantagem seria não beneficiar quem quer produzir a qualquer preço só o que dá subsídio. P. - A ser adoptada, o que é que modificaria no mapa agrícola europeu? R. - Obrigaria a uma orientação regional das produções, a uma certa especialização produtiva. Em cada espaço da UE os agricultores iriam optar por fazer aquilo para que tivessem melhores qualidades ambientais. Isso implicaria que em Portugal boa parte da actual área de cereais passasse para a pecuária extensiva, com um padrão de qualidade superior, que muitas áreas passassem a ter uma exploração florestal, com a recuperação do montado e, sobretudo, um investimento cada vez maior no regadio, na vinha e no olival. Vejo com muita pena que, sendo Portugal o único país da UE que pode aumentar a área de olival com direito a subsídio, não utilize esses direitos, que expiram em 2006. P. - O professor Francisco Avillez sustenta que, se fossem descontadas as transferências geradas pela PAC, os rendimentos dos agricultores portugueses alcançariam os dos países mais ricos - o que dá uma imagem de eficiência. Porém, quando antevê um cenário de liberalização, em que cada exploração ficaria entregue à sua própria eficiência, conclui que 70 por cento das explorações serão inviáveis. Em que ficamos? R. - Bom, ele está a falar num cenário de completa liberalização. Eu estou a falar num cenário de liberalização almofadada: parto do pressuposto que a agricultura europeia só pode competir no mercado mundial se for apoiada. Quando eu estava no Ministério da Agricultura iniciou-se um estudo que, simulando a aplicação da proposta em todos os países europeus, da Lapónia à Sicília, mostrava que ela beneficiaria muitíssimo a agricultura portuguesa. Só no factor emprego, em que nós temos 12 por cento da população activa e os países do centro da Europa entre 2, 3 e 4 por cento, ganharíamos imenso. Como no nosso território temos uma Rede Natura proporcionalmente maior - que, devido às limitações a que obriga, receberia compensações maiores - seríamos beneficiados também por essa via. Nós passaríamos a ser beneficiados por todas as razões que hoje não se aplicam aos critérios da PAC. Ainda por cima isso não seria escandaloso, porque vai de encontro ao que hoje as sociedades mais reclamam! P. - Depende da sociedade de que se fala: o "lobby" dos agricultores instalados neste sistema parece ter força para inviabilizar a reforma. R. - Esses "lobbies", embora poderosos, têm pouca força eleitoral. A maioria dos agricultores, os consumidores e os contribuintes têm muito mais. E há também o compromisso do desmantelamento progressivo das ajudas assumido com a Organização Mundial de Comércio: as ajudas de acordo com o contrato agro-ambiental que preconizo não são incompatíveis com a OMC. P. - Muito bem: mas a Comissão Europeia tem condições para levar a cabo a reforma? R. - Não, de facto neste momento já não tem. A Comissão apresentou em Julho de 2002 a sua proposta, no essencial decalcada da minha, que me surpreendeu pelo arrojo mas que tinha duas perversidades inaceitáveis. Defendia como regra que só receberia ajudas no futuro quem tivesse recebido no passado, ou seja: quem mudasse de cereais para fruta, receberia; o que já produz fruta, não receberia nada. É completamente injusto porque continuaria a deixar de fora as vítimas do modelo actual. A outra perversidade era que nenhum Estado-membro poderia receber mais do que o melhor ano entre 2000 e 2003 - o que seria perpetuar as desigualdades que hoje existem, e que fazem com que um agricultor dinamarquês receba hoje por ano dez vezes mais do que um português. P. - A lógica dessas duas perversões foi a de tornar a reforma mais aceitável aos principais países beneficiados do sistema actual? R. - Aparentemente, mas mesmo assim o núcleo duro dos países mais beneficiados com a actual PAC reagiu violentamente contra. A única surpresa foi o então recém-nomeado ministro português, Sevinate Pinto, ter aderido a esse núcleo: aos seis países mais beneficiados juntou-se o mais prejudicado para bloquear uma reforma que o favorecia, como é referido no recente relatório da Comissão. P. - Provavelmente porque achou que a reforma não se ia fazer e quis obter ganho de causa no sistema actual R. - Eu daria antes outra interpretação. Durante muitos anos o ministro sustentou as posições dos agricultores portugueses mais conservadores, ligados ao sector dos cereais. Trabalhou para a Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP). Foi dos mais acérrimos adversários da minha proposta de reforma, sustentando o modelo actual. Mudar de opinião talvez fosse para ele eticamente insustentável, mas a sua posição não é a que melhor serve os interesses de Portugal. Destaque: OUTROS TÍTULOS EM PÚBLICA

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Objectivo 2008?

A mulher arco-íris na crise dos quarenta

CRÓNICAS

Fronteiras Perdidas

Levante-se o réu

COCKTAIL

Cocktails de Verão

RECEITA

Receitas de Verão

CARTAS DA MAYA

Cartas da Maya

DESAFIOS

Desafios

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R. - A produtividade média dos cereais ronda os 2000 kg/hectare; na bacia de Paris são 8000 kg/hectare, no mínimo. Ora, um agricultor português recebe ajudas multiplicadas por 2000, o francês por 8000 - mas as despesas por hectare com as máquinas agrícolas, as sementes, os adubos, etc, são iguais. E o francês, como está num país que exporta cereais, ainda recebe as restituições à exportação. O português, como está num país que importa, não recebe nada. E corre um risco muito maior: a irregularidade climática é superior, confronta-se com períodos prolongados de seca ou de excesso de chuva - o clima é exactamente este. Por isso, à excepção de algumas pequenas manchas dos Barros de Beja e de São Manços, e pouco mais, nós não temos boas condições para cultivar cereais. P. - E porque o fazemos? R. - Porque não é fácil encontrar grandes alternativas para os sistemas extensivos de sequeiro. Se não se fizer cereais, faz-se o quê? Pode-se fazer vinha, e o Alentejo é um bom exemplo disso. Mas tudo tem limitações e não se pode inundar o mercado. P - Voltamos ao princípio: até onde é que podem crescer os produtos em que a agricultura portuguesa é competitiva? R. - Os limites são ditados pelo mercado mundial e pelas condições naturais de produção, mas há um grande potencial de crescimento. A União Europeia (UE) importa hoje frutas e legumes de muitos países terceiros, desde logo do Norte de África. No mercado do tomate temos grandes competidores, como a Turquia e Marrocos. No caso da fruta há um enorme potencial de crescimento associado à qualidade. Um exemplo: nas novas agriculturas do Alqueva, uma empresa espanhola pretende instalar-se com uma única plantação de 500 hectares de citrinos. A empresa é oriunda de Valência, uma região caracterizada pela pequena propriedade onde nunca é fácil harmonizar variedades, períodos de colheita, formas de tratamento fito-sanitário - se um agricultor utilizar pesticidas, com um sopro de vento a produção do vizinho do lado pode ficar contaminada. Ora, esta empresa quer fazer produção integrada (o patamar abaixo da agricultura biológica) de citrinos e sabe que no Alentejo vai ter uma dimensão que lhe permite atingir um padrão de qualidade mais elevado e uniforme, que pode ser vendido mais cara. A aposta da agricultura portuguesa deve ser de apoio a estas culturas, garantindo um sistema de aferição da qualidade. P. - E o que é que se faz às culturas para as quais não estamos vocacionados, como os cereais, que consomem a fatia de leão das ajudas da PAC? R. - Foi para dar resposta a essa e a outras questões que enquanto ministro da Agricultura apresentei a minha proposta de reforma da PAC em 9 de Março de 2001. Recebi cartas muito simpáticas, inclusive do próprio comissário [Franz] Fishler - o que não esperava é que um ano depois ele fosse retomar a arquitectura essencial da proposta. Nem os meus críticos esperavam... (risos) Nunca pensei que a Comissão pudesse ir tão longe na intenção de reformar a actual PAC. O que eu propunha era desligar as ajudas da produção - ou, como eu prefiro dizer, ligar as ajudas às explorações. P. - Isso não pode abrir a porta à ociosidade? R. - Nada de mais errado! Uma das condições para receber ajudas era produzir - só que produzir liberto de qualquer sistema de quotas ou de limitações que não fossem a avaliação pelo agricultor do mercado e das suas condições naturais de produção. Hoje, dois agricultores lado a lado, o que só fizer cereais e bovinos recebe ajudas, um que produza fruta não recebe nada. Segundo a minha proposta, passaria a ser atribuída uma ajuda por exploração, traduzida num contrato com a administração nacional ou europeia, em que o agricultor teria inteira liberdade para escolher a produção para que queria mudar. Mas era obrigado a produzir acima de um limite mínimo definido para essa actividade, e era obrigado a cumprir três critérios essenciais: qualidade, emprego e ambiente. Ou seja, se um agricultor quisesse mudar dos cereais para a carne bovina, a fruta e os legumes, para produzir mais e ter mais mercado, podia fazê-lo. Mas só receberia a ajuda desde que respeitasse as seguintes exigências: uma quantidade mínima a produzir; os produtos tinham que ter um certo padrão de qualidade; quantos mais postos de trabalho criasse maior seria a ajuda; e as práticas agrícolas tinham de ser amigas do ambiente - quem fizesse agricultura biológica recebia mais dinheiro. Todas as explorações teriam ajudas, sem excepção. P. - É possível fazer isso respeitando o orçamento comunitário? Seriam muitos mais a receber ajudas. R. - A proposta foi formulada no pressuposto de que iria custar o mesmo que a actual PAC, desde que fossem introduzidas no plano financeiro determinadas correcções. A mais relevante seria o estabelecimento de tectos aos maiores agricultores! Hoje um agricultor tanto pode receber de ajudas 50 mil, como um milhão. Definia-se um tecto: Bush, na América, definiu um tecto de 300 mil dólares. É preciso ver que, à escala europeia, 20 por cento dos agricultores recebem 80 por cento das ajudas; em Portugal 1 - um! - por cento dos agricultores recebem quase 40 por cento das ajudas. P. - Isso traduzido em dinheiro quanto dá? R. - Há dois anos em Portugal 0,6 por cento - 1600 agricultores - recebia 145 milhões de euros por ano; 99 por cento - 256.000 agricultores - recebia 255 milhões de euros. Destes, a esmagadora maioria - 236.000 agricultores - recebia menos de 2,5 mil euros [500 contos] por ano. A minha proposta foi acusada de ser "liberal" por estar mais ligada ao mercado. Estava, de facto, mas dava uma almofada de segurança ligada à exploração. O que obrigava era os agricultores a tirarem as maiores vantagens das condições naturais e em detrimento da "caça ao subsídio". P. - A maioria dos agricultores portugueses está preparada para isso? R. - Bem, a proposta é arrojada por causa disso. Tem vantagens e desvantagens: a vantagem é que passaria a ajudar quem tem mais competitividade e quer produzir com qualidade; a desvantagem seria não beneficiar quem quer produzir a qualquer preço só o que dá subsídio. P. - A ser adoptada, o que é que modificaria no mapa agrícola europeu? R. - Obrigaria a uma orientação regional das produções, a uma certa especialização produtiva. Em cada espaço da UE os agricultores iriam optar por fazer aquilo para que tivessem melhores qualidades ambientais. Isso implicaria que em Portugal boa parte da actual área de cereais passasse para a pecuária extensiva, com um padrão de qualidade superior, que muitas áreas passassem a ter uma exploração florestal, com a recuperação do montado e, sobretudo, um investimento cada vez maior no regadio, na vinha e no olival. Vejo com muita pena que, sendo Portugal o único país da UE que pode aumentar a área de olival com direito a subsídio, não utilize esses direitos, que expiram em 2006. P. - O professor Francisco Avillez sustenta que, se fossem descontadas as transferências geradas pela PAC, os rendimentos dos agricultores portugueses alcançariam os dos países mais ricos - o que dá uma imagem de eficiência. Porém, quando antevê um cenário de liberalização, em que cada exploração ficaria entregue à sua própria eficiência, conclui que 70 por cento das explorações serão inviáveis. Em que ficamos? R. - Bom, ele está a falar num cenário de completa liberalização. Eu estou a falar num cenário de liberalização almofadada: parto do pressuposto que a agricultura europeia só pode competir no mercado mundial se for apoiada. Quando eu estava no Ministério da Agricultura iniciou-se um estudo que, simulando a aplicação da proposta em todos os países europeus, da Lapónia à Sicília, mostrava que ela beneficiaria muitíssimo a agricultura portuguesa. Só no factor emprego, em que nós temos 12 por cento da população activa e os países do centro da Europa entre 2, 3 e 4 por cento, ganharíamos imenso. Como no nosso território temos uma Rede Natura proporcionalmente maior - que, devido às limitações a que obriga, receberia compensações maiores - seríamos beneficiados também por essa via. Nós passaríamos a ser beneficiados por todas as razões que hoje não se aplicam aos critérios da PAC. Ainda por cima isso não seria escandaloso, porque vai de encontro ao que hoje as sociedades mais reclamam! P. - Depende da sociedade de que se fala: o "lobby" dos agricultores instalados neste sistema parece ter força para inviabilizar a reforma. R. - Esses "lobbies", embora poderosos, têm pouca força eleitoral. A maioria dos agricultores, os consumidores e os contribuintes têm muito mais. E há também o compromisso do desmantelamento progressivo das ajudas assumido com a Organização Mundial de Comércio: as ajudas de acordo com o contrato agro-ambiental que preconizo não são incompatíveis com a OMC. P. - Muito bem: mas a Comissão Europeia tem condições para levar a cabo a reforma? R. - Não, de facto neste momento já não tem. A Comissão apresentou em Julho de 2002 a sua proposta, no essencial decalcada da minha, que me surpreendeu pelo arrojo mas que tinha duas perversidades inaceitáveis. Defendia como regra que só receberia ajudas no futuro quem tivesse recebido no passado, ou seja: quem mudasse de cereais para fruta, receberia; o que já produz fruta, não receberia nada. É completamente injusto porque continuaria a deixar de fora as vítimas do modelo actual. A outra perversidade era que nenhum Estado-membro poderia receber mais do que o melhor ano entre 2000 e 2003 - o que seria perpetuar as desigualdades que hoje existem, e que fazem com que um agricultor dinamarquês receba hoje por ano dez vezes mais do que um português. P. - A lógica dessas duas perversões foi a de tornar a reforma mais aceitável aos principais países beneficiados do sistema actual? R. - Aparentemente, mas mesmo assim o núcleo duro dos países mais beneficiados com a actual PAC reagiu violentamente contra. A única surpresa foi o então recém-nomeado ministro português, Sevinate Pinto, ter aderido a esse núcleo: aos seis países mais beneficiados juntou-se o mais prejudicado para bloquear uma reforma que o favorecia, como é referido no recente relatório da Comissão. P. - Provavelmente porque achou que a reforma não se ia fazer e quis obter ganho de causa no sistema actual R. - Eu daria antes outra interpretação. Durante muitos anos o ministro sustentou as posições dos agricultores portugueses mais conservadores, ligados ao sector dos cereais. Trabalhou para a Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP). Foi dos mais acérrimos adversários da minha proposta de reforma, sustentando o modelo actual. Mudar de opinião talvez fosse para ele eticamente insustentável, mas a sua posição não é a que melhor serve os interesses de Portugal. Destaque: OUTROS TÍTULOS EM PÚBLICA

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