Organização do Ensino Superior de Lisboa da JCP

10-04-2002
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Saúde: pública e para todos - Gerir melhor sem Privatizar

Entrevista com Bernardino Soares - 12 de Abril de 2001

- Porque decidiu o PCP avançar com esta Semana da Saúde?

- Porque a política de direita do Governo na área da saúde tem levado ao desaproveitamento de muitas das potencialidades do Serviço Nacional de Saúde e ao agravamento de muitos dos problemas que este possui há alguns anos. Claro que esta política não se desliga de uma estratégia que visa a privatização de pelo menos parte dos serviços públicos de saúde. Ou seja, «é bom» que as coisas se degradem e que a população fique descontente com a prestação dos serviços públicos que actualmente tem...

- A população fica descontente mas não tem condições financeiras para pagar os serviços privados...

- Naturalmente. Uma tal solução passaria sempre pelo aumento das despesas da participação da população e pela definição de um conteúdo mínimo de serviços de saúde que serviria apenas a população mais indigente.

- As acções em que tens participado no decurso desta semana confirmam o diagnóstico do PCP nesta área?

- Sim, ainda que a situação mais referida por utentes, profissionais e responsáveis de diversas instituições seja a da falta de recursos humanos, de médicos de família, de enfermeiros e de outros profissionais, técnicos mas também administrativos e auxiliares, fundamentais para o funcionamento dos serviços.

- Essa carência de pessoal tem que ver com a falta de procura dessas profissões ou com a falta de resposta do nosso ensino?

- Há uma enorme procura e há uma restrição muito grande na entrada nas faculdades de medicina e nas escolas de enfermagem. E quando se sabe, por exemplo, que 40% dos médicos que hoje estão no SNS terão em 2005 mais de 55 anos - idade em começam a aposentar-se, ou pelo menos a ter menos participação em urgências e em serviços à noite -, a situação é muito preocupante, pois a entrada de alunos para as faculdades de medicina está muito longe de compensar essa saída.

Mas o problema não é só esse. No que diz respeito a auxiliares e administrativos, como vigora o regime de congelamento de vagas, que só circunstancialmente é alterado, quando um funcionário de uma instituição do SNS se reforma, normalmente a sua vaga não volta a ser preenchida, o que leva ao esvaziamento crescente de pessoal dos serviços de saúde e à degradação das condições de funcionamento destes.

- Entretanto, o numerus clausus continua a impedir a entrada de alunos nas faculdades...

- O problema é que há em jogo uma série de apetites de entidades privadas (ao que se sabe, são cerca de uma dúzia a querer abrir cursos de medicina privados) e talvez aí resida em parte a razão de o Governo não mostrar vontade de aumentar o numerus clausus: para haver mercado para essas entidades. Quando as faculdades públicas, afinal, devidamente apoiadas, com mais recursos e investimentos, têm capacidade para formar muito mais profissionais do que o fazem agora.

- E como resolver um outro problema, que é o de, muitas vezes, os médicos não quererem ir para zonas afastadas dos centros urbanos?

- Encontrando mecanismos semelhantes aos que existem para outras profissões. Aliás, a falta de fixação em zonas carenciadas afecta não só o interior mas também as zonas mais periféricas dos centros urbanos e das áreas metropolitanas, designadamente nos centros de saúde, pois há tendência para a concentração nos hospitais mais centrais em detrimento dos centros de saúde, a primeira porta de entrada nos serviços de saúde. É necessário, portanto, encontrar medidas, quer para a fixação de profissionais em zonas carenciadas quer para a orientação dos recursos para os centros de saúde.

Gestão – Um novo modelo

- Que novo modelo de gestão para as unidades de saúde defende o PCP?

- Um modelo que prova ser possível gerir melhor sem privatizar a gestão. Como? Fazendo, por exemplo, com que as direcções dos centros de saúde e dos hospitais sejam escolhidas por concurso e não por nomeação, ou seja, premiando a competência e não o compadrio político, como hoje acontece em muitos casos. Depois, pretende-se que esses concursos tenham em conta propostas de determinada produção de serviços de saúde, isto é de consultas, de operações cirúrgicas, de atendimento, pois a definição de metas, a produtividade, tem que ser um objectivo a alcançar no período em que decorre essa gestão.

Por fim, uma participação muito maior, quer da população directamente através das suas comissões de utentes - fundamental, como a experiência já comprovou, para que os serviços de saúde melhorem e tenham mais em consideração as necessidades dos próprios utentes -, quer das autarquias, que deverão ter uma voz própria ao nível da distribuição dos recursos na sua área. Não é dar mais responsabilidades à autarquia mas sim dar-lhe o poder de participar nas decisões, de forma a que elas sejam as mais adequadas às necessidades da população.

- As listas de espera poderiam ser resolvidas com esse novo modelo?

- A esmagadora maioria das listas de espera poderia ser resolvida com um melhor aproveitamento da capacidade das próprias unidades públicas, mas isto não está a acontecer porque o Governo entendeu começar a contratualizar a recuperação de listas de espera com os privados mesmo antes de esgotar a capacidade dos hospitais públicos.

É, aliás, inaceitável que o Governo não saiba ou não queira dizer hoje quanto é que foi o aumento ou a diminuição da produtividade normal dos hospitais durante o ano 2000. Pode-se, por exemplo, dizer que recuperámos 15000 operações que estavam em lista de espera mas, depois, se na actividade normal elas diminuem em 20000, não há recuperação, há maior atraso. E é esse aproveitamento da capacidade de trabalho normal, do cumprimento dos horários, do alargamento do funcionamento dos blocos operatórios, dos horários de consultas externas que é preciso fazer.

- E as listas de espera para as consultas de especialidade?

- Bem, essa é uma questão que tem estado a ser ignorada pelo Governo. Porque as listas de espera não são só para cirurgias mas também referentes a situações em que as pessoas estão meses e anos à espera de obter uma consulta especializada no hospital. E hoje tem-se conhecimento de diversos atrasos nessa área - alguns de anos - sem que haja qualquer planificação do Governo para fazer face a essa situação e, até, de algumas situações em que há o fecho da entrada de gente para primeiras consultas em especialidades, de forma a que elas depois não apareçam nas listas de espera para cirurgias. É que, quando se vai a uma primeira consulta de oftalmologia e se detecta a existência de cataratas, entra-se na lista de espera para cirurgia mas se se limitar a entrada na primeira consulta a lista de espera também não cresce...

- Porquê um plano de emergência para formação de profissionais de saúde?

- Porque a situação é, de facto, de emergência. Sabe-se hoje que estão por preencher no SNS metade dos lugares para médicos, um terço dos enfermeiros, metade dos técnicos superiores de saúde e técnicos de diagnóstico e terapêutica e um quarto dos auxiliares e administrativos. Numa situação destas, e com a rápida evolução que vai haver nos próximos anos, nomeadamente na área dos médicos, a situação é de facto de emergência. É que o Governo continua a não ter qualquer plano para a formação dos profissionais de saúde, apesar da Resolução proposta pelo PCP e aprovada por unanimidade na Assembleia da República nesse sentido. Ora, é preciso fazer a planificação - que não é difícil - das saídas de médicos, enfermeiros e profissionais do SNS de modo a que o aumento das vagas nas várias faculdades e escolas acompanhem essa evolução. A questão é: ou se alarga o numerus clausus das faculdades e das escolas superiores ou não se conseguirá dar resposta ao problema, pois só daqui a seis, sete ou oito anos é que das duas novas faculdades de medicina vão sair alunos aptos a exercer.

- A entrada de médicos e outros profissionais de saúde, designadamente espanhóis, nos nossos serviços não prejudica a prestação dos cuidados de saúde?

- Ela é mais ou menos inevitável e em muitas situações pior seria que nem sequer esses existissem, embora, obviamente, não seja a solução final para o problema. Para além da barreira da língua há outro problema que é o de esses profissionais não se fixarem cá durante muito tempo e não darem estabilidade aos serviços.

Equipamentos – Um plano Nacional

- A elaboração que o PCP propõe de um plano nacional de equipamentos passa por uma maior dotação de verbas para a saúde no Orçamento do Estado?

- Talvez não. Passa por uma reorientação do dinheiro que se gasta a comprar serviços ao sector privado. Mais de 90 por cento dos exames complementares que se fazem nos centros de saúde são comprados ao sector privado. Ora é indispensável que haja nos centros de saúde o equipamento mínimo que permita ver as questões básicas quando o utente lá se dirige. Não é ter equipamentos de ponta em todos os centros de saúde, pois isso não é possível, nem desejável, nem sequer necessário. É ter um equipamento básico e, por outro lado, aproveitar os equipamentos que existem nos hospitais. Um estudo mandado elaborar pelo Governo há uns anos dizia que se os serviços públicos na área dos exames complementares funcionassem oito meses por ano a 10 horas diárias seria possível praticamente cobrir tudo aquilo que é radiografias, ecografias e TACs que se compram ao sector privado. E, portanto, não se trata aqui de, porventura, gastar mais dinheiro, mas sim gastar melhor o dinheiro que hoje está a ser desperdiçado entregando ao sector privado aquilo que podia ser feito no sector público.

- Que outras propostas apresenta o PCP para minorar os problemas da saúde?

- Uma delas tem a ver com a abolição das taxas moderadoras. Em primeiro lugar porque não é justo que os utentes paguem, para além do que já pagam nos impostos, para subsidiar o SNS; depois porque embora elas se afirmem como moderadoras do consumo de cuidados de saúde, na prática o seu único efeito é fazer as pessoas pagarem-nas; e finalmente, porque pelo que nos é dado saber, a receita do SNS vindo das taxas moderadoras é inferior ao que se gasta em ocupação de recursos humanos, circuitos burocráticos e todos os outros trâmites administrativos que estão ligados à questão da taxa moderadora.

Uma outra proposta tem a ver com os medicamentos. O País continua a ter uma política do medicamento que engrossa os lucros da indústria farmacêutica e das farmácias, mantendo sobre os utentes um peso muito grande do custo dos medicamentos. Nós defendemos, por exemplo, que se estabeleça para todo o SNS a regra que já existe nos hospitais de prescrição por princípio activo. Isto é, o médico indicaria a categoria do medicamento que o doente deve tomar e dentro dessa categoria o doente teria a possibilidade de escolher na farmácia aquele que é similar e mais barato.

Há, ainda, medidas que poderiam ser tomadas, como a dispensa gratuita nos hospitais, designadamente nas consultas externas e nas urgências, dos medicamentos receitados e que se foram comprados na farmácia saem mais caros ao Estado por via da comparticipação.

- Há, ainda, um outra proposta que tem a ver com a assistência dentária?

- Essa proposta é muito importante, já que no nosso país praticamente não se pode tratar os dentes se não for no sector privado. Ora, não podemos continuar a ter um serviço público que não tem resposta para os cuidados de saúde oral, que a própria Organização Mundial de Saúde definiu como dos mais importantes. Não há sequer carreira de médicos dentistas no SNS. Nós pensamos, assim, que não é possível continuarmos a ter essa matéria desguarnecida e completamente entregue ao sector privado. E uma vez que há profissionais desta área a saírem das faculdades em número suficiente para virem a ser integrados no SNS, é preciso garantir essa integração e esse aproveitamento e essa resposta do SNS.

- Em tua opinião as propostas do PCP são, portanto, viáveis sem a implicação de mais dinheiro?

- Nós temos dito que há ainda um subfinanciamento do sector da saúde, pois, comparativamente com outros países, gastamos uma percentagem mais baixa do PIB. Por isso, a ideia de que já gastamos demasiado com a saúde não é verdadeira. Mas, para além de globalmente haver este subfinanciamento, há dinheiro do SNS que, em boa parte, é entregue de bandeja ao sector privado. Portanto, há aqui duas questões: uma o subfianciamento que existe em termos globais e outra a necessidade de melhor se aproveitar os dinheiros que existem e são entregues de bandeja aos interesses privados na área do medicamento, dos meios de diagnóstico, dos equipamentos e em tantas outras áreas que consomem boa parte do orçamento da saúde.

Com estas propostas pretendemos, sobretudo, provar que o SNS tem problemas mas que eles são resultado da política seguida ao longo destes anos. E que podem ser resolvidos. Visto que, com uma certa campanha de degradação do SNS pretende-se dar espaço às orientações neoliberais de privatização dos serviços de saúde, procurando convencer a população de que o único remédio para esta situação é privatizar, nós queremos demonstrar que é possível recuperar o SNS e pô-lo a funcionar melhor. Até porque ele é responsável nos últimos anos pelo grosso dos cuidados de saúde prestados à população e tem nessa matéria um currículo bom, invejável e que devemos valorizar.

Se quiseres envia-nos um texto ou simplesmente um comentário para:

Saúde: pública e para todos - Gerir melhor sem Privatizar

Entrevista com Bernardino Soares - 12 de Abril de 2001

- Porque decidiu o PCP avançar com esta Semana da Saúde?

- Porque a política de direita do Governo na área da saúde tem levado ao desaproveitamento de muitas das potencialidades do Serviço Nacional de Saúde e ao agravamento de muitos dos problemas que este possui há alguns anos. Claro que esta política não se desliga de uma estratégia que visa a privatização de pelo menos parte dos serviços públicos de saúde. Ou seja, «é bom» que as coisas se degradem e que a população fique descontente com a prestação dos serviços públicos que actualmente tem...

- A população fica descontente mas não tem condições financeiras para pagar os serviços privados...

- Naturalmente. Uma tal solução passaria sempre pelo aumento das despesas da participação da população e pela definição de um conteúdo mínimo de serviços de saúde que serviria apenas a população mais indigente.

- As acções em que tens participado no decurso desta semana confirmam o diagnóstico do PCP nesta área?

- Sim, ainda que a situação mais referida por utentes, profissionais e responsáveis de diversas instituições seja a da falta de recursos humanos, de médicos de família, de enfermeiros e de outros profissionais, técnicos mas também administrativos e auxiliares, fundamentais para o funcionamento dos serviços.

- Essa carência de pessoal tem que ver com a falta de procura dessas profissões ou com a falta de resposta do nosso ensino?

- Há uma enorme procura e há uma restrição muito grande na entrada nas faculdades de medicina e nas escolas de enfermagem. E quando se sabe, por exemplo, que 40% dos médicos que hoje estão no SNS terão em 2005 mais de 55 anos - idade em começam a aposentar-se, ou pelo menos a ter menos participação em urgências e em serviços à noite -, a situação é muito preocupante, pois a entrada de alunos para as faculdades de medicina está muito longe de compensar essa saída.

Mas o problema não é só esse. No que diz respeito a auxiliares e administrativos, como vigora o regime de congelamento de vagas, que só circunstancialmente é alterado, quando um funcionário de uma instituição do SNS se reforma, normalmente a sua vaga não volta a ser preenchida, o que leva ao esvaziamento crescente de pessoal dos serviços de saúde e à degradação das condições de funcionamento destes.

- Entretanto, o numerus clausus continua a impedir a entrada de alunos nas faculdades...

- O problema é que há em jogo uma série de apetites de entidades privadas (ao que se sabe, são cerca de uma dúzia a querer abrir cursos de medicina privados) e talvez aí resida em parte a razão de o Governo não mostrar vontade de aumentar o numerus clausus: para haver mercado para essas entidades. Quando as faculdades públicas, afinal, devidamente apoiadas, com mais recursos e investimentos, têm capacidade para formar muito mais profissionais do que o fazem agora.

- E como resolver um outro problema, que é o de, muitas vezes, os médicos não quererem ir para zonas afastadas dos centros urbanos?

- Encontrando mecanismos semelhantes aos que existem para outras profissões. Aliás, a falta de fixação em zonas carenciadas afecta não só o interior mas também as zonas mais periféricas dos centros urbanos e das áreas metropolitanas, designadamente nos centros de saúde, pois há tendência para a concentração nos hospitais mais centrais em detrimento dos centros de saúde, a primeira porta de entrada nos serviços de saúde. É necessário, portanto, encontrar medidas, quer para a fixação de profissionais em zonas carenciadas quer para a orientação dos recursos para os centros de saúde.

Gestão – Um novo modelo

- Que novo modelo de gestão para as unidades de saúde defende o PCP?

- Um modelo que prova ser possível gerir melhor sem privatizar a gestão. Como? Fazendo, por exemplo, com que as direcções dos centros de saúde e dos hospitais sejam escolhidas por concurso e não por nomeação, ou seja, premiando a competência e não o compadrio político, como hoje acontece em muitos casos. Depois, pretende-se que esses concursos tenham em conta propostas de determinada produção de serviços de saúde, isto é de consultas, de operações cirúrgicas, de atendimento, pois a definição de metas, a produtividade, tem que ser um objectivo a alcançar no período em que decorre essa gestão.

Por fim, uma participação muito maior, quer da população directamente através das suas comissões de utentes - fundamental, como a experiência já comprovou, para que os serviços de saúde melhorem e tenham mais em consideração as necessidades dos próprios utentes -, quer das autarquias, que deverão ter uma voz própria ao nível da distribuição dos recursos na sua área. Não é dar mais responsabilidades à autarquia mas sim dar-lhe o poder de participar nas decisões, de forma a que elas sejam as mais adequadas às necessidades da população.

- As listas de espera poderiam ser resolvidas com esse novo modelo?

- A esmagadora maioria das listas de espera poderia ser resolvida com um melhor aproveitamento da capacidade das próprias unidades públicas, mas isto não está a acontecer porque o Governo entendeu começar a contratualizar a recuperação de listas de espera com os privados mesmo antes de esgotar a capacidade dos hospitais públicos.

É, aliás, inaceitável que o Governo não saiba ou não queira dizer hoje quanto é que foi o aumento ou a diminuição da produtividade normal dos hospitais durante o ano 2000. Pode-se, por exemplo, dizer que recuperámos 15000 operações que estavam em lista de espera mas, depois, se na actividade normal elas diminuem em 20000, não há recuperação, há maior atraso. E é esse aproveitamento da capacidade de trabalho normal, do cumprimento dos horários, do alargamento do funcionamento dos blocos operatórios, dos horários de consultas externas que é preciso fazer.

- E as listas de espera para as consultas de especialidade?

- Bem, essa é uma questão que tem estado a ser ignorada pelo Governo. Porque as listas de espera não são só para cirurgias mas também referentes a situações em que as pessoas estão meses e anos à espera de obter uma consulta especializada no hospital. E hoje tem-se conhecimento de diversos atrasos nessa área - alguns de anos - sem que haja qualquer planificação do Governo para fazer face a essa situação e, até, de algumas situações em que há o fecho da entrada de gente para primeiras consultas em especialidades, de forma a que elas depois não apareçam nas listas de espera para cirurgias. É que, quando se vai a uma primeira consulta de oftalmologia e se detecta a existência de cataratas, entra-se na lista de espera para cirurgia mas se se limitar a entrada na primeira consulta a lista de espera também não cresce...

- Porquê um plano de emergência para formação de profissionais de saúde?

- Porque a situação é, de facto, de emergência. Sabe-se hoje que estão por preencher no SNS metade dos lugares para médicos, um terço dos enfermeiros, metade dos técnicos superiores de saúde e técnicos de diagnóstico e terapêutica e um quarto dos auxiliares e administrativos. Numa situação destas, e com a rápida evolução que vai haver nos próximos anos, nomeadamente na área dos médicos, a situação é de facto de emergência. É que o Governo continua a não ter qualquer plano para a formação dos profissionais de saúde, apesar da Resolução proposta pelo PCP e aprovada por unanimidade na Assembleia da República nesse sentido. Ora, é preciso fazer a planificação - que não é difícil - das saídas de médicos, enfermeiros e profissionais do SNS de modo a que o aumento das vagas nas várias faculdades e escolas acompanhem essa evolução. A questão é: ou se alarga o numerus clausus das faculdades e das escolas superiores ou não se conseguirá dar resposta ao problema, pois só daqui a seis, sete ou oito anos é que das duas novas faculdades de medicina vão sair alunos aptos a exercer.

- A entrada de médicos e outros profissionais de saúde, designadamente espanhóis, nos nossos serviços não prejudica a prestação dos cuidados de saúde?

- Ela é mais ou menos inevitável e em muitas situações pior seria que nem sequer esses existissem, embora, obviamente, não seja a solução final para o problema. Para além da barreira da língua há outro problema que é o de esses profissionais não se fixarem cá durante muito tempo e não darem estabilidade aos serviços.

Equipamentos – Um plano Nacional

- A elaboração que o PCP propõe de um plano nacional de equipamentos passa por uma maior dotação de verbas para a saúde no Orçamento do Estado?

- Talvez não. Passa por uma reorientação do dinheiro que se gasta a comprar serviços ao sector privado. Mais de 90 por cento dos exames complementares que se fazem nos centros de saúde são comprados ao sector privado. Ora é indispensável que haja nos centros de saúde o equipamento mínimo que permita ver as questões básicas quando o utente lá se dirige. Não é ter equipamentos de ponta em todos os centros de saúde, pois isso não é possível, nem desejável, nem sequer necessário. É ter um equipamento básico e, por outro lado, aproveitar os equipamentos que existem nos hospitais. Um estudo mandado elaborar pelo Governo há uns anos dizia que se os serviços públicos na área dos exames complementares funcionassem oito meses por ano a 10 horas diárias seria possível praticamente cobrir tudo aquilo que é radiografias, ecografias e TACs que se compram ao sector privado. E, portanto, não se trata aqui de, porventura, gastar mais dinheiro, mas sim gastar melhor o dinheiro que hoje está a ser desperdiçado entregando ao sector privado aquilo que podia ser feito no sector público.

- Que outras propostas apresenta o PCP para minorar os problemas da saúde?

- Uma delas tem a ver com a abolição das taxas moderadoras. Em primeiro lugar porque não é justo que os utentes paguem, para além do que já pagam nos impostos, para subsidiar o SNS; depois porque embora elas se afirmem como moderadoras do consumo de cuidados de saúde, na prática o seu único efeito é fazer as pessoas pagarem-nas; e finalmente, porque pelo que nos é dado saber, a receita do SNS vindo das taxas moderadoras é inferior ao que se gasta em ocupação de recursos humanos, circuitos burocráticos e todos os outros trâmites administrativos que estão ligados à questão da taxa moderadora.

Uma outra proposta tem a ver com os medicamentos. O País continua a ter uma política do medicamento que engrossa os lucros da indústria farmacêutica e das farmácias, mantendo sobre os utentes um peso muito grande do custo dos medicamentos. Nós defendemos, por exemplo, que se estabeleça para todo o SNS a regra que já existe nos hospitais de prescrição por princípio activo. Isto é, o médico indicaria a categoria do medicamento que o doente deve tomar e dentro dessa categoria o doente teria a possibilidade de escolher na farmácia aquele que é similar e mais barato.

Há, ainda, medidas que poderiam ser tomadas, como a dispensa gratuita nos hospitais, designadamente nas consultas externas e nas urgências, dos medicamentos receitados e que se foram comprados na farmácia saem mais caros ao Estado por via da comparticipação.

- Há, ainda, um outra proposta que tem a ver com a assistência dentária?

- Essa proposta é muito importante, já que no nosso país praticamente não se pode tratar os dentes se não for no sector privado. Ora, não podemos continuar a ter um serviço público que não tem resposta para os cuidados de saúde oral, que a própria Organização Mundial de Saúde definiu como dos mais importantes. Não há sequer carreira de médicos dentistas no SNS. Nós pensamos, assim, que não é possível continuarmos a ter essa matéria desguarnecida e completamente entregue ao sector privado. E uma vez que há profissionais desta área a saírem das faculdades em número suficiente para virem a ser integrados no SNS, é preciso garantir essa integração e esse aproveitamento e essa resposta do SNS.

- Em tua opinião as propostas do PCP são, portanto, viáveis sem a implicação de mais dinheiro?

- Nós temos dito que há ainda um subfinanciamento do sector da saúde, pois, comparativamente com outros países, gastamos uma percentagem mais baixa do PIB. Por isso, a ideia de que já gastamos demasiado com a saúde não é verdadeira. Mas, para além de globalmente haver este subfinanciamento, há dinheiro do SNS que, em boa parte, é entregue de bandeja ao sector privado. Portanto, há aqui duas questões: uma o subfianciamento que existe em termos globais e outra a necessidade de melhor se aproveitar os dinheiros que existem e são entregues de bandeja aos interesses privados na área do medicamento, dos meios de diagnóstico, dos equipamentos e em tantas outras áreas que consomem boa parte do orçamento da saúde.

Com estas propostas pretendemos, sobretudo, provar que o SNS tem problemas mas que eles são resultado da política seguida ao longo destes anos. E que podem ser resolvidos. Visto que, com uma certa campanha de degradação do SNS pretende-se dar espaço às orientações neoliberais de privatização dos serviços de saúde, procurando convencer a população de que o único remédio para esta situação é privatizar, nós queremos demonstrar que é possível recuperar o SNS e pô-lo a funcionar melhor. Até porque ele é responsável nos últimos anos pelo grosso dos cuidados de saúde prestados à população e tem nessa matéria um currículo bom, invejável e que devemos valorizar.

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