Tyranosaurus PCP

27-02-2003
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Tyranosaurus PCP

Por JOSÉ MANUEL FERNANDES

Terça-feira, 25 de Fevereiro de 2003 Não há pior cego do que o que se recusa a ver. E não há pior cegueira que a fé acéfala numa ideologia que recusa encarar os desafios às suas certezas Valerá a pena perder tempo a falar de alguém que, em Fevereiro de 2003, tem dúvidas sobre se a Coreia do Norte é ou não uma democracia? Em circunstâncias normais, não. Sobretudo quando a paleontologia e o estudo dos fósseis políticos não é a especialidade deste jornal. Mas quando esse alguém tem apenas 31 anos, é ingenuamente apresentado como sendo um dos rostos da renovação do PCP e é líder da sua bancada parlamentar, então talvez valha a pena recordar alguns factos. O personagem em causa chama-se Bernardino Soares e, ontem, numa entrevista ao "Diário de Notícias" - cuja publicação tentou impedir... -, para além de não saber se a dinastia comunista de Pyongyang não será uma democracia, acrescentou certezas - como a de que não há prisioneiros políticos em Cuba... - e lavrou sentenças, dizendo que as críticas formuladas pelos renovadores "conduziram a um clima insuportável" (talvez porque suportável, suportável, só mesmo o silêncio obediente dos cemitérios...). Mas mesmo o estatuto de Bernardino Soares no PCP e a enormidade das suas declarações pouca atenção mereceriam se estas não fossem a prova de que os piores cegos são sempre aqueles que não querem ver. E que, no fundo, o tempo passa mas Orwell continua actual. Neste preciso momento em que se assinala a passagem do 50º aniversário da morte de um dos mais mortíferos e impiedosos ditadores do século passado, José Estaline, Bernardino Soares mostra-nos como a ideologia continua a ser capaz de cegar. Cegar não apenas um "yuppie" do PCP, mas mesmo alguém reconhecidamente inteligente como... Álvaro Cunhal. De facto, é bom recordar que não há muito tempo - mais exactamente, quando deu a entrevista a Carlos Cruz em que mostrou as fotografias dos seus netos - Cunhal também se referiu à Coreia do Norte definindo-a como "socialista" (o que, para um comunista, é elogio bem maior do que classificá-la como "democrática"). Tanto o líder da bancada do PCP, como o histórico líder dos comunistas portugueses sabem o que é a Coreia do Norte. Sabem que lá se passa fome - se morre de fome. Conhecem o culto da personalidade dos seus líderes. Ouviram falar do luxo em que eles vivem, dos projectos megalómanos que acalentam e certamente não lhes escaparam as abundantes descrições do "goulag" norte-acoreano. Mas tal como durante décadas a fio a fé cega na sua ideologia fez com que comunistas em todo o mundo se recusassem a reconhecer os crimes de Estaline e da União Soviética, antes preferissem condenar todos os que revelavam a verdade sobre os processos de Moscovo, as fomes da Ucrânia, o trabalho escravo dos forçados enviados para a Sibéria, a realidade dos hospitais psiquiátricos e por aí adiante, também hoje Bernardino Soares não quer ver, ouvir ou ler. Prefere ignorar. Ou distorcer a realidade, em defesa da sua fé. É também por isso que ontem, ao ler Bernardino Soares, me recordei de outra entrevista, essa publicada n'"O Avante" a 5 de Outubro de 2000, com António Filipe e onde este defendia a legitimidade democrática de Milosevic no regresso de uma visita a Belgrado. Azar: nesse mesmo 5 de Outubro Milosevic viria a cair, engolido pela revolta popular. Agora está a ser julgado por crimes contra a Humanidade (algo que dificilmente sucederia, convém lembrá-lo, se um dia, no Kosovo, a NATO não tivesse resolvido passar das palavras aos actos...). OUTROS TÍTULOS EM ESPAÇO PÚBLICO EDITORIAL

Tyranosaurus PCP

OPINIÃO

O renascer de uma cidade?

Ninguém aprende com neurónios congelados!

Bidimensional

Bush, o novo Reagan

O FIO DO HORIZONTE

Blanchot

CARTAS AO DIRECTOR

A Igreja Católica e a guerra no Iraque

O estado da Educação em Portugal

Citações

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Terça-feira, 25 de Fevereiro de 2003 Não há pior cego do que o que se recusa a ver. E não há pior cegueira que a fé acéfala numa ideologia que recusa encarar os desafios às suas certezas Valerá a pena perder tempo a falar de alguém que, em Fevereiro de 2003, tem dúvidas sobre se a Coreia do Norte é ou não uma democracia? Em circunstâncias normais, não. Sobretudo quando a paleontologia e o estudo dos fósseis políticos não é a especialidade deste jornal. Mas quando esse alguém tem apenas 31 anos, é ingenuamente apresentado como sendo um dos rostos da renovação do PCP e é líder da sua bancada parlamentar, então talvez valha a pena recordar alguns factos. O personagem em causa chama-se Bernardino Soares e, ontem, numa entrevista ao "Diário de Notícias" - cuja publicação tentou impedir... -, para além de não saber se a dinastia comunista de Pyongyang não será uma democracia, acrescentou certezas - como a de que não há prisioneiros políticos em Cuba... - e lavrou sentenças, dizendo que as críticas formuladas pelos renovadores "conduziram a um clima insuportável" (talvez porque suportável, suportável, só mesmo o silêncio obediente dos cemitérios...). Mas mesmo o estatuto de Bernardino Soares no PCP e a enormidade das suas declarações pouca atenção mereceriam se estas não fossem a prova de que os piores cegos são sempre aqueles que não querem ver. E que, no fundo, o tempo passa mas Orwell continua actual. Neste preciso momento em que se assinala a passagem do 50º aniversário da morte de um dos mais mortíferos e impiedosos ditadores do século passado, José Estaline, Bernardino Soares mostra-nos como a ideologia continua a ser capaz de cegar. Cegar não apenas um "yuppie" do PCP, mas mesmo alguém reconhecidamente inteligente como... Álvaro Cunhal. De facto, é bom recordar que não há muito tempo - mais exactamente, quando deu a entrevista a Carlos Cruz em que mostrou as fotografias dos seus netos - Cunhal também se referiu à Coreia do Norte definindo-a como "socialista" (o que, para um comunista, é elogio bem maior do que classificá-la como "democrática"). Tanto o líder da bancada do PCP, como o histórico líder dos comunistas portugueses sabem o que é a Coreia do Norte. Sabem que lá se passa fome - se morre de fome. Conhecem o culto da personalidade dos seus líderes. Ouviram falar do luxo em que eles vivem, dos projectos megalómanos que acalentam e certamente não lhes escaparam as abundantes descrições do "goulag" norte-acoreano. Mas tal como durante décadas a fio a fé cega na sua ideologia fez com que comunistas em todo o mundo se recusassem a reconhecer os crimes de Estaline e da União Soviética, antes preferissem condenar todos os que revelavam a verdade sobre os processos de Moscovo, as fomes da Ucrânia, o trabalho escravo dos forçados enviados para a Sibéria, a realidade dos hospitais psiquiátricos e por aí adiante, também hoje Bernardino Soares não quer ver, ouvir ou ler. Prefere ignorar. Ou distorcer a realidade, em defesa da sua fé. É também por isso que ontem, ao ler Bernardino Soares, me recordei de outra entrevista, essa publicada n'"O Avante" a 5 de Outubro de 2000, com António Filipe e onde este defendia a legitimidade democrática de Milosevic no regresso de uma visita a Belgrado. Azar: nesse mesmo 5 de Outubro Milosevic viria a cair, engolido pela revolta popular. Agora está a ser julgado por crimes contra a Humanidade (algo que dificilmente sucederia, convém lembrá-lo, se um dia, no Kosovo, a NATO não tivesse resolvido passar das palavras aos actos...). OUTROS TÍTULOS EM ESPAÇO PÚBLICO EDITORIAL

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