Portugal Diário

14-01-2004
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A César o que é de César, ou Deus dá mais votos? Uma viagem pela Democracia Cristã, hoje «Que Deus nos ajude e guarde Portugal». A frase não é de Oliveira Salazar acolitado à sombra de Manuel Gonçalves Cerejeira. Quem a proferiu foi Telmo Correia, líder parlamentar do CDS-PP, em manifestação pública do seu partido a 22 de Setembro do ano da graça de 2002. Afinal, não admira. O CDS-PP, depois se "popularizar" com Manuel Monteiro, voltou à matriz fundadora da Democracia Cristã, garantem os que militam no partido. Mas, isso é o quê, em pleno século XXI? «É uma boa questão», comenta ao PortugalDiário Basílio Horta, fundador do CDS. As ideias democratas-cristãs, com elementos da Doutrina Social da Igreja (DSI), estiveram na «base do aparecimento do CDS, numa altura em que o país era atirado para a esquerda», recorda. Hoje, «estamos a entrar numa terceira fase», que «é um mistério, é uma realidade em construção». Para o ex-deputado centrista e novo embaixador português na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), as coisas têm de mudar: «Quanto mais os partidos se virarem para eles próprios, pior - há uma crise da democracia representativa». E a receita para se pôr a caminho está aí, pela voz de Basílio Horta: «Que os partidos não ignorem a realidade, sem populismos. Servir o povo e ouvir o povo não significa mentir ao povo». Mas «o aparelho partidário não pode subordinar quem está na política», avisa. O pior é a constatação: «Isto é fácil de dizer, difícil é aplicar». Duas linhas devem presidir à actividade política: «A cultura da cidadania» e «a política feita com independência», que se traduz em «não dar "graxa" ao líder partidário, sair da política aparelhística». Isto «vinga com muita dificuldade», argumenta - e exemplifica com o aumento do IVA, «que ninguém questionou no campo da maioria». «São úteis diferentes vozes que se pautem por razões sérias», diz Basílio Horta. «A democracia cristã tem de entrar manifestamente por esta forma de fazer política». Cautelas católicas Da Igreja Católica, a leitura é sempre cautelosa: «Ninguém poderá instrumentalizar a Doutrina Social da Igreja em favor das suas posições políticas», escreveu o cardeal-patriarca de Lisboa, já falecido, António Ribeiro, na introdução de «Caminhos de Justiça e de Paz, Doutrina Social da Igreja» (ed. Rei dos Livros), uma recolha de documentos sobre a DSI. «O poder político corrompe. Nenhum partido pode estar indefinidamente no poder», argumenta Peter Stilwell - director da Faculdade de Teologia de Lisboa da Universidade Católica e autor daquela recolha de documentos -, ao lembrar a história da Democracia Cristã italiana, que esteve no poder durante quase cinco décadas [ver texto "Democracia Cristã - o que é"]. «Hoje em dia, a Democracia Cristã existe mais como uma espécie de memória de alguns do que como realidade apoiada pela Igreja», sentencia Stilwell. «Foi uma realidade que caiu na altura do Concílio Vaticano II», com os padres conciliares a negarem «qualquer aspiração ao poder político». Bagão Félix, o ministro que assume a sua condição de «democrata-cristão», quase parece concordar: «A Democracia Cristã foi uma resposta para consubstanciar no plano partidário elementos da Doutrina Social da Igreja. Mas não devemos etiquetar muito - ou pôr em cacifos. Ninguém tem o monopólio da justiça social, mas todos podem contribuir para ela» [ver entrevista relacionada]. De Paulo Portas, líder democrata-cristão como se apresenta, o PortugalDiário não conseguiu ouvir uma palavra, apesar de várias tentativas durante meses. Mas como ouvir então a frase de Telmo Correia, face à argumentação de Basílio Horta? «Os partidos democrata-cristãos são laicos, há uma independência entre Igreja e Estado. A César o que é de César, a Deus o que é de Deus», na linha dos textos da Conferência Episcopal Portuguesa, explica Basílio. «Um partido democrata-cristão é de César». Que César guarde então Portugal. Leia a seguir: «Democracia Cristã - o que é»

A César o que é de César, ou Deus dá mais votos? Uma viagem pela Democracia Cristã, hoje «Que Deus nos ajude e guarde Portugal». A frase não é de Oliveira Salazar acolitado à sombra de Manuel Gonçalves Cerejeira. Quem a proferiu foi Telmo Correia, líder parlamentar do CDS-PP, em manifestação pública do seu partido a 22 de Setembro do ano da graça de 2002. Afinal, não admira. O CDS-PP, depois se "popularizar" com Manuel Monteiro, voltou à matriz fundadora da Democracia Cristã, garantem os que militam no partido. Mas, isso é o quê, em pleno século XXI? «É uma boa questão», comenta ao PortugalDiário Basílio Horta, fundador do CDS. As ideias democratas-cristãs, com elementos da Doutrina Social da Igreja (DSI), estiveram na «base do aparecimento do CDS, numa altura em que o país era atirado para a esquerda», recorda. Hoje, «estamos a entrar numa terceira fase», que «é um mistério, é uma realidade em construção». Para o ex-deputado centrista e novo embaixador português na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), as coisas têm de mudar: «Quanto mais os partidos se virarem para eles próprios, pior - há uma crise da democracia representativa». E a receita para se pôr a caminho está aí, pela voz de Basílio Horta: «Que os partidos não ignorem a realidade, sem populismos. Servir o povo e ouvir o povo não significa mentir ao povo». Mas «o aparelho partidário não pode subordinar quem está na política», avisa. O pior é a constatação: «Isto é fácil de dizer, difícil é aplicar». Duas linhas devem presidir à actividade política: «A cultura da cidadania» e «a política feita com independência», que se traduz em «não dar "graxa" ao líder partidário, sair da política aparelhística». Isto «vinga com muita dificuldade», argumenta - e exemplifica com o aumento do IVA, «que ninguém questionou no campo da maioria». «São úteis diferentes vozes que se pautem por razões sérias», diz Basílio Horta. «A democracia cristã tem de entrar manifestamente por esta forma de fazer política». Cautelas católicas Da Igreja Católica, a leitura é sempre cautelosa: «Ninguém poderá instrumentalizar a Doutrina Social da Igreja em favor das suas posições políticas», escreveu o cardeal-patriarca de Lisboa, já falecido, António Ribeiro, na introdução de «Caminhos de Justiça e de Paz, Doutrina Social da Igreja» (ed. Rei dos Livros), uma recolha de documentos sobre a DSI. «O poder político corrompe. Nenhum partido pode estar indefinidamente no poder», argumenta Peter Stilwell - director da Faculdade de Teologia de Lisboa da Universidade Católica e autor daquela recolha de documentos -, ao lembrar a história da Democracia Cristã italiana, que esteve no poder durante quase cinco décadas [ver texto "Democracia Cristã - o que é"]. «Hoje em dia, a Democracia Cristã existe mais como uma espécie de memória de alguns do que como realidade apoiada pela Igreja», sentencia Stilwell. «Foi uma realidade que caiu na altura do Concílio Vaticano II», com os padres conciliares a negarem «qualquer aspiração ao poder político». Bagão Félix, o ministro que assume a sua condição de «democrata-cristão», quase parece concordar: «A Democracia Cristã foi uma resposta para consubstanciar no plano partidário elementos da Doutrina Social da Igreja. Mas não devemos etiquetar muito - ou pôr em cacifos. Ninguém tem o monopólio da justiça social, mas todos podem contribuir para ela» [ver entrevista relacionada]. De Paulo Portas, líder democrata-cristão como se apresenta, o PortugalDiário não conseguiu ouvir uma palavra, apesar de várias tentativas durante meses. Mas como ouvir então a frase de Telmo Correia, face à argumentação de Basílio Horta? «Os partidos democrata-cristãos são laicos, há uma independência entre Igreja e Estado. A César o que é de César, a Deus o que é de Deus», na linha dos textos da Conferência Episcopal Portuguesa, explica Basílio. «Um partido democrata-cristão é de César». Que César guarde então Portugal. Leia a seguir: «Democracia Cristã - o que é»

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