EXPRESSO: Opinião

31-08-2002
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Jogos de férias

Alexandre Melo

NO MOMENTO em que aterro (foi um «soft landing») no meu aprazível quinhão de areia algarvia, sinto um impulso perverso para pensar no chamado futuro do país.

Em relação a peripécias recentes de pequena política, creio que estamos, sobretudo, perante problemas do foro da teatralidade: isto é, dramaturgia e encenação.

À primeira vista, não é difícil. São apenas marcações, entradas e saídas, gestos, dicção, um pouco mais de naturalidade aqui ou de gravidade acolá. Mais coisa, menos coisa, tudo se resume a variações sobre (para nos limitarmos a Oscar Wilde) «um marido ideal», «uma mulher sem importância» ou «a importância de se chamar (ou ser) amável (ou constante)» (conforme as traduções). Hoje em dia, dificilmente se arranja lugar para uma «Salomé», embora um «leque», ainda pudesse dar jeito.

Parece fácil, mas qualquer actor sabe que é muito mais difícil do que parece. Os erros maiores, que afectam toda a representação, são os de «timing» e «casting». É essa a origem das aflições estivais da política nacional: houve uma desconexão narrativa e temporal, uma dessincronização. A seguir às últimas legislativas a peça entrou num acto que não estava previsto. Não há texto, o encenador não sabe o que fazer, os actores entram e saem sem encontrarem as personagens. Precisamos de um dramaturgo e de uma máquina do tempo.

Poderíamos voltar ao 1º acto, ao 1º Governo de António Guterres: estava tudo a correr tão bem e até ia haver uma AD para dar um rumo à oposição. Ou então saltávamos para o próximo acto que, por este andar, só vai ser daqui a uns três anos. É um bom jogo de férias pensar onde estarão os nossos hoje tão apoquentados actores.

Jorge Sampaio vai para qualquer coisa importante das Nações Unidas, Guterres vai para presidente da União Europeia, e vão encher-nos de orgulho quando aparecerem nas televisões de todo o mundo. Mário (ia escrever João, mas saiu Mário) Soares vai para Presidente da República. Durão Barroso vai descansar, que anda exausto. Santana Lopes vai para cruzeiro das cidades com praia. Cavaco Silva vai escrever um artigo sobre o défice público. Marcelo Rebelo de Sousa vai rir-se. Paulo Portas, num gesto, mais um, de grande coragem, candidata-se, desta feita, à Câmara do Porto. Entretanto, havemos de arranjar alguém para primeiro-ministro.

Dir-me-ão que estas brincadeiras têm a graça que têm - que não é muita -, mas que há problemas graves a resolver. Talvez haja mas têm pouca relação com as rábulas político-teatrais aqui comentadas.

Por exemplo, para a saúde ou as finanças públicas basta alguém que saiba fazer contas, mais uma boa equipa de relações públicas. Talvez uns gabinetes de técnicos estrangeiros, ou mesmo portugueses, se lhes pagarem em função dos resultados que obtiverem.

Por falar em questões de fundo, vale a pena sublinhar uma decisão que se prende com uma questão civilizacional. Ao colocar a Televisão sob a tutela da Cultura como Carrilho sempre quis o Governo coloca nas mãos de Augusto Santos Silva uma oportunidade única para levar por diante uma política cultural a sério. Que não lhe faltem o Orçamento, o engenho e a arte.

E-mail: alexmelo@mail.telepac.pt

Jogos de férias

Alexandre Melo

NO MOMENTO em que aterro (foi um «soft landing») no meu aprazível quinhão de areia algarvia, sinto um impulso perverso para pensar no chamado futuro do país.

Em relação a peripécias recentes de pequena política, creio que estamos, sobretudo, perante problemas do foro da teatralidade: isto é, dramaturgia e encenação.

À primeira vista, não é difícil. São apenas marcações, entradas e saídas, gestos, dicção, um pouco mais de naturalidade aqui ou de gravidade acolá. Mais coisa, menos coisa, tudo se resume a variações sobre (para nos limitarmos a Oscar Wilde) «um marido ideal», «uma mulher sem importância» ou «a importância de se chamar (ou ser) amável (ou constante)» (conforme as traduções). Hoje em dia, dificilmente se arranja lugar para uma «Salomé», embora um «leque», ainda pudesse dar jeito.

Parece fácil, mas qualquer actor sabe que é muito mais difícil do que parece. Os erros maiores, que afectam toda a representação, são os de «timing» e «casting». É essa a origem das aflições estivais da política nacional: houve uma desconexão narrativa e temporal, uma dessincronização. A seguir às últimas legislativas a peça entrou num acto que não estava previsto. Não há texto, o encenador não sabe o que fazer, os actores entram e saem sem encontrarem as personagens. Precisamos de um dramaturgo e de uma máquina do tempo.

Poderíamos voltar ao 1º acto, ao 1º Governo de António Guterres: estava tudo a correr tão bem e até ia haver uma AD para dar um rumo à oposição. Ou então saltávamos para o próximo acto que, por este andar, só vai ser daqui a uns três anos. É um bom jogo de férias pensar onde estarão os nossos hoje tão apoquentados actores.

Jorge Sampaio vai para qualquer coisa importante das Nações Unidas, Guterres vai para presidente da União Europeia, e vão encher-nos de orgulho quando aparecerem nas televisões de todo o mundo. Mário (ia escrever João, mas saiu Mário) Soares vai para Presidente da República. Durão Barroso vai descansar, que anda exausto. Santana Lopes vai para cruzeiro das cidades com praia. Cavaco Silva vai escrever um artigo sobre o défice público. Marcelo Rebelo de Sousa vai rir-se. Paulo Portas, num gesto, mais um, de grande coragem, candidata-se, desta feita, à Câmara do Porto. Entretanto, havemos de arranjar alguém para primeiro-ministro.

Dir-me-ão que estas brincadeiras têm a graça que têm - que não é muita -, mas que há problemas graves a resolver. Talvez haja mas têm pouca relação com as rábulas político-teatrais aqui comentadas.

Por exemplo, para a saúde ou as finanças públicas basta alguém que saiba fazer contas, mais uma boa equipa de relações públicas. Talvez uns gabinetes de técnicos estrangeiros, ou mesmo portugueses, se lhes pagarem em função dos resultados que obtiverem.

Por falar em questões de fundo, vale a pena sublinhar uma decisão que se prende com uma questão civilizacional. Ao colocar a Televisão sob a tutela da Cultura como Carrilho sempre quis o Governo coloca nas mãos de Augusto Santos Silva uma oportunidade única para levar por diante uma política cultural a sério. Que não lhe faltem o Orçamento, o engenho e a arte.

E-mail: alexmelo@mail.telepac.pt

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