Vitor Dias no Semanário

20-12-2004
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"Desaforo"

Vitor Dias no "Semanário"

29 de Outubro de 2004

Ainda que muitos deles sejam a mera repetição dogmática, esquemática e penosa de uma cacofonia mediática sobre o PCP que tem décadas de existência e cujos eixos estruturantes não conhecem a mais ténue renovação ou novidade, há desaforos que não nos apetece deixar passar em claro.

Entre muitos outros, é o caso do artigo publicado pelo Prof. Augusto Santos Silva, dirigente e deputado do PS, no “Público” de 16/10 com o título, como se calcula estrepitosamente inovador, de “ O dilema do PCP” e que constitui, de um ponto de vista substantivo, um condensado das principais linhas de intoxicação, deturpação, desinformação e preconceito habitualmente destiladas sobre o PCP e que, veiculando continuadas acusações ao PCP de estalinismo, são afinal elas próprias verdadeira e gritantemente tributárias de um insuperável estalinismo intelectual.

Como não é possível responder neste espaço a todo esse condensado, ficamo-nos por duas observações preambulares, após o que passaremos a algumas referências concretas constantes do texto de Augusto Santos Silva.

A primeira observação visa salientar que, ao contrário do que fez este dirigente do PS, durante toda a fase de preparação e realização do recente Congresso do PS nenhum dirigente do PCP publicou qualquer artigo com natureza e conteúdo equivalentes sobre os caminhos que o PS devia seguir ou com o título “O dilema do PS”. Mais: já passou quase um mês sobre o Congresso do PS e até agora ninguém no PCP cedeu à tentação de fazer observações críticas à orientação aí consagrada, sobretudo praticando a suprema “maldade” de o fazer na estrita base de citações das por vezes devastadoras afirmações feitas por Manuel Alegre e pelos seus apoiantes (em que se incluía Augusto Santos Silva) sobre as orientações propostas por José Sócrates ou mesmo sobre os interesses que elas representavam.

A segunda observação visa registar que não é prestigiante para Augusto Santos Silva vir enfileirar no coro cínico dos muitos que espantosamente se dizem seriamente preocupados com o PCP e desejosos do reforço da sua influência e na legião de jornalistas e comentadores que repetidamente praticam a trafulhice de inventarem para o PCP um “dilema” cujos termos e cuja conclusão são sempre, seja qual for a opção, exacta e invariavelmente o que corresponde à real vontade ou aspiração de quem desenha o tal “dilema”, ou seja a morte ou extremo definhamento do PCP.

Feitas estas duas observações, é agora altura de registar que, reportando-se à actividade do PCP no plano autárquico, Augusto Santos Silva acusa o PCP de “ceder como os outros aos interesses da promoção turística e imobiliária” e de “consentir nas mais contraditórias alianças com o PSD só para usufruir de lugares e recursos”.

Quanto à primeira acusação, a verdade é que Santos Silva bem pode achar cómoda e de êxito certo esta tentativa de amálgama entre a gestão da CDU e a gestão dos outros partidos (apostando assim na carta populista do “são todos iguais”) mas isso não altera a verdade de que, sem prejuízo de erros pontuais, faz imensa diferença a atitude do PCP e da CDU em relação à voragem da “promoção turística e imobiliária”, para tanto bastando comparar o litoral alentejano com a devastação que ao longo de três décadas o PS e o PSD promoveram, seja no Algarve, seja no litoral do centro e norte do país. E se Augusto Santos Silva não quiser olhar o conjunto do país, ao menos que escreva qualquer coisinha sobre o facto vindo a público de que a grande oposição do PS ao novo PDM do concelho do Porto se devia ao facto de não ter obtido apoio para a sua proposta de que a densidade de construção se situasse em 1,4 em vez dos 0,8 impostos pela CDU.

Já quanto às alegadas “alianças” do PCP com o PSD, sendo óbvio que Santos Silva está a pensar nas situações designadamente do Porto ou de Sintra, não é politicamente honesto nem intelectualmente sério que este dirigente do PS faça de conta que não sabe que, de há muito, é uma orientação estável do PCP nas autarquias o poder, desde que garantidas condições de trabalho e de autonomia crítica, assumir pelouros e responsabilidades de gestão em municípios da presidência de outras forças políticas. E que, inversamente, também é frequente em municípios de maioria CDU estar disponível para atribuir pelouros a vereadores de outras forças políticas.

E que, como é óbvio, nada disto autoriza que se fale, como a toda a hora faz o PS, em “alianças” e “coligações”.

Ou achará Santos Silva que também havia uma “aliança” PCP-PS no curto tempo da gestão de Fernando Gomes na C.M. do Porto em que Ilda Figueiredo tinha pelouros que aliás lhe viriam a ser autoritariamente retirados na base da conhecida tolerância e espírito unitário do PS? Ou achará que, como dois vereadores do PS aí têm pelouros, na Câmara da Maia também há uma “aliança” PSD-PS? Ou achará que na Câmara de Lisboa, onde o PS até viabilizou o último Orçamento ainda apresentado por Santana Lopes, também há uma “aliança” PSD-CDS-PS?

Esteja pois Augusto Santos Silva caladinho quanto a “alianças com o PSD” ou com a direita porque nessa matéria ninguém bate o PS.

Basta lembrar que o PS já governou o país com os dois partidos da direita e basta lembrar que em 1985, quando Cavaco Silva já era líder do PSD e Primeiro-Ministro, organizou 40 coligações com o PSD com o objectivo – felizmente frustrado – de desalojar a CDU da presidência de idêntico número de municípios no sul do país.

"Desaforo"

Vitor Dias no "Semanário"

29 de Outubro de 2004

Ainda que muitos deles sejam a mera repetição dogmática, esquemática e penosa de uma cacofonia mediática sobre o PCP que tem décadas de existência e cujos eixos estruturantes não conhecem a mais ténue renovação ou novidade, há desaforos que não nos apetece deixar passar em claro.

Entre muitos outros, é o caso do artigo publicado pelo Prof. Augusto Santos Silva, dirigente e deputado do PS, no “Público” de 16/10 com o título, como se calcula estrepitosamente inovador, de “ O dilema do PCP” e que constitui, de um ponto de vista substantivo, um condensado das principais linhas de intoxicação, deturpação, desinformação e preconceito habitualmente destiladas sobre o PCP e que, veiculando continuadas acusações ao PCP de estalinismo, são afinal elas próprias verdadeira e gritantemente tributárias de um insuperável estalinismo intelectual.

Como não é possível responder neste espaço a todo esse condensado, ficamo-nos por duas observações preambulares, após o que passaremos a algumas referências concretas constantes do texto de Augusto Santos Silva.

A primeira observação visa salientar que, ao contrário do que fez este dirigente do PS, durante toda a fase de preparação e realização do recente Congresso do PS nenhum dirigente do PCP publicou qualquer artigo com natureza e conteúdo equivalentes sobre os caminhos que o PS devia seguir ou com o título “O dilema do PS”. Mais: já passou quase um mês sobre o Congresso do PS e até agora ninguém no PCP cedeu à tentação de fazer observações críticas à orientação aí consagrada, sobretudo praticando a suprema “maldade” de o fazer na estrita base de citações das por vezes devastadoras afirmações feitas por Manuel Alegre e pelos seus apoiantes (em que se incluía Augusto Santos Silva) sobre as orientações propostas por José Sócrates ou mesmo sobre os interesses que elas representavam.

A segunda observação visa registar que não é prestigiante para Augusto Santos Silva vir enfileirar no coro cínico dos muitos que espantosamente se dizem seriamente preocupados com o PCP e desejosos do reforço da sua influência e na legião de jornalistas e comentadores que repetidamente praticam a trafulhice de inventarem para o PCP um “dilema” cujos termos e cuja conclusão são sempre, seja qual for a opção, exacta e invariavelmente o que corresponde à real vontade ou aspiração de quem desenha o tal “dilema”, ou seja a morte ou extremo definhamento do PCP.

Feitas estas duas observações, é agora altura de registar que, reportando-se à actividade do PCP no plano autárquico, Augusto Santos Silva acusa o PCP de “ceder como os outros aos interesses da promoção turística e imobiliária” e de “consentir nas mais contraditórias alianças com o PSD só para usufruir de lugares e recursos”.

Quanto à primeira acusação, a verdade é que Santos Silva bem pode achar cómoda e de êxito certo esta tentativa de amálgama entre a gestão da CDU e a gestão dos outros partidos (apostando assim na carta populista do “são todos iguais”) mas isso não altera a verdade de que, sem prejuízo de erros pontuais, faz imensa diferença a atitude do PCP e da CDU em relação à voragem da “promoção turística e imobiliária”, para tanto bastando comparar o litoral alentejano com a devastação que ao longo de três décadas o PS e o PSD promoveram, seja no Algarve, seja no litoral do centro e norte do país. E se Augusto Santos Silva não quiser olhar o conjunto do país, ao menos que escreva qualquer coisinha sobre o facto vindo a público de que a grande oposição do PS ao novo PDM do concelho do Porto se devia ao facto de não ter obtido apoio para a sua proposta de que a densidade de construção se situasse em 1,4 em vez dos 0,8 impostos pela CDU.

Já quanto às alegadas “alianças” do PCP com o PSD, sendo óbvio que Santos Silva está a pensar nas situações designadamente do Porto ou de Sintra, não é politicamente honesto nem intelectualmente sério que este dirigente do PS faça de conta que não sabe que, de há muito, é uma orientação estável do PCP nas autarquias o poder, desde que garantidas condições de trabalho e de autonomia crítica, assumir pelouros e responsabilidades de gestão em municípios da presidência de outras forças políticas. E que, inversamente, também é frequente em municípios de maioria CDU estar disponível para atribuir pelouros a vereadores de outras forças políticas.

E que, como é óbvio, nada disto autoriza que se fale, como a toda a hora faz o PS, em “alianças” e “coligações”.

Ou achará Santos Silva que também havia uma “aliança” PCP-PS no curto tempo da gestão de Fernando Gomes na C.M. do Porto em que Ilda Figueiredo tinha pelouros que aliás lhe viriam a ser autoritariamente retirados na base da conhecida tolerância e espírito unitário do PS? Ou achará que, como dois vereadores do PS aí têm pelouros, na Câmara da Maia também há uma “aliança” PSD-PS? Ou achará que na Câmara de Lisboa, onde o PS até viabilizou o último Orçamento ainda apresentado por Santana Lopes, também há uma “aliança” PSD-CDS-PS?

Esteja pois Augusto Santos Silva caladinho quanto a “alianças com o PSD” ou com a direita porque nessa matéria ninguém bate o PS.

Basta lembrar que o PS já governou o país com os dois partidos da direita e basta lembrar que em 1985, quando Cavaco Silva já era líder do PSD e Primeiro-Ministro, organizou 40 coligações com o PSD com o objectivo – felizmente frustrado – de desalojar a CDU da presidência de idêntico número de municípios no sul do país.

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