PSD poderá adoptar crime sem pena em 2006

11-03-2004
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PSD Poderá Adoptar Crime Sem Pena em 2006

Por SÃO JOSÉ ALMEIDA

Quarta-feira, 03 de Março de 2004

O PSD deverá evoluir, na próxima legislatura, para uma posição do tipo da defendida por Diogo Freitas do Amaral, ou seja, de criminalização do acto do aborto mas de não aplicação de pena à mulher que pratica o aborto, através da introdução no artigo 142º do Código Penal do princípio de reconhecimento do "estado de necessidade desculpante".

A eventual evolução da posição do PSD não é assumida oficialmente por ninguém, nem nenhum responsável partidário contactado pelo PÚBLICO aceita afirmar, dando a cara, que a solução poderá passar por aqui. No entanto, diversos dirigentes do PSD admitiram esta solução como hipótese de posição a ser defendida no futuro por si e pela maioria dos seus companheiros de direcção, isto, claro, mantendo a liberdade de voto e o princípio de que esta é uma questão de consciência.

O consenso no PSD sobre a posição defendida por Freitas do Amaral foi este fim de semana fortalecido, aliás, entre os sociais-democratas, com o facto de ela ter sido apoiada pelo ex-primeiro-ministro Cavaco Silva, que afirmou, no final de um colóquio na Assembleia da República: "Li com muito interesse o artigo publicado pelo professor Diogo Freitas do Amaral. É uma ideia que não deve ser rejeitada".

Mas se, na próxima legislatura, o PSD poderá vir a optar pela criminalização sem pena, no imediato, ou seja, no debate de hoje, os sociais-democratas apenas advogarão que estão presos ao compromisso eleitoral sob o qual todos eles foram eleitos, assumido durante a campanha pelo então candidato e hoje primeiro-ministro, José Manuel Durão Barroso. Um compromisso sob o qual, aliás, foram eleitos deputados António Pinheiro Torres, Isilda Pegado e Gonçalo Reis, em representação dos movimentos contra a despenalização, que, aliás, lembraram isso mesmo ao primeiro-ministro em Dezembro passado quando a hipótese de reavaliar a lei se colocou dentro da maioria.

É esse compromisso que o próprio Durão Barroso tem invocado de cada vez que é colocado perante a questão. Ou seja, comprometeu-se a não repetir o referendo esta legislatura, mas a questão é para ele de consciência, pelo que quando se colocar o debate será dada liberdade de voto. Mais, logo na campanha Durão assumiu, em declarações à revista "Visão", que não era "capaz de condenar uma mulher que faça um aborto". Solicitado pelo PÚBLICO a comentar de novo a questão, o gabinete do primeiro-ministro informou que este não quer agora fazer declarações.

2006, o ano da viragem

Unânime parece ser, porém, entre os sociais-democratas, que a partir das próximas legislativas, a questão estará colocada. E de todos os dirigentes e responsáveis do PSD contactados pelo PÚBLICO, apenas Leonor Beleza se recusou a falar sobre o tipo de caminho a seguir, alegando que "neste momento não adianta falar da questão de fundo".

O vice-presidente do PSD, Pedro Santana Lopes, assume essa premência ao declarar ao PÚBLICO: "Penso que é tempo de preparamos as conclusões a tirar na próxima legislatura sobre esta matéria. Eu estou de acordo genericamente com a legislação que existe, no entanto, não gosto de ver nenhuma mulher condenada por interromper a gravidez, mas também não considero que seja muito legítimo a decisão livre (de abortar) de uma mulher que gera uma vida quando tem condições para receber e para criar essa vida. Entendo que há aqui um equilíbrio a fazer."

E prosseguindo na defesa de uma posição que, em termos genéricos, se encaixa na solução Freitas do Amaral, Pedro Santana Lopes, sustenta: "Ninguém deve ser considerado criminoso por ter de interromper involuntariamente essa gravidez. No entanto, também não concordo que seja considerado um acto natural alguém que teve relações sexuais, não se preveniu devidamente, gerou um filho, tenha condições materiais para receber essa nova vida e resolva abortar. Só quem não fez ecografias de filhos próprios é que não pode ser sensível a isso. Foi com agrado que li a entrevista do bispo do Porto que deu um contributo importante para a discussão deste assunto."

Por sua vez, o presidente da Mesa do Congresso, Manuel Dias Loureiro, defendeu, em declarações ao PÚBLICO, que, ainda que o PSD não possa até 2006 levar a cabo nenhum referendo, este "é um tema candente na sociedade portuguesa, pelo que não pode deixar de ser pensado desde já". Dias Loureiro sustentou mesmo que "todos os temas que interessam à sociedade, interessam aos políticos e o PSD deve reflectir sobre eles até lá, para em 2006 estar aberto a uma discussão franca."

A defesa de uma reflexão moderada é feita pelo ministro dos Assuntos Parlamentares, Luís Marques Mendes, que defende que, "nesta matéria, em que as dúvidas são maiores que as certezas, em que as preocupações devem ser mais fortes que as proclamações, a postura adequada deve ser a da humildade, do equilíbrio e da moderação". Por isso sustenta que, no futuro, o debate, "no Parlamento e fora dele", seja "sereno, moderado e não marcadamente ideológico", de modo a "favorecer a busca de soluções para um problema que é sério e ainda não teve solução eficaz". Isto porque "a crispação ou o radicalismo agravam divisões e em nada contribuem para soluções positivas e construtivas", afirmou Marques Mendes ao PÚBLICO.

Já sobre o referendo, Marques Mendes considera que, "de acordo com o definido pelo PSD, um novo referendo pode ser realizado a partir de 2006, em próxima legislatura". Mas advoga: "Esta é matéria típica de decisão através de referendo. Acresce que tendo sido realizado um referendo, a actualização da vontade popular - seja no sentido da sua confirmação ou da sua alteração - deve ser feita pela mesma via. É uma questão de respeito pela soberania do voto popular".

Também o líder parlamentar, Guilherme Silva, defende a repetição do referendo antes de qualquer aprovação de legislação, mas é cristalino a reconhecer que a sua realização é inadiável a partir de 2006: "Já não há motivo de espaço temporal que possa ser invocado contra a repetição do referendo a partir de 2006, então esse argumento perde consistência".

A vice-presidente da bancada, Ana Manso, considera também incontornável a repetição do referendo em 2006, mas frisa que "numa atitude informativa e sem ruídos". Ana Manso não tem qualquer dificuldade em assumir a sua posição pró- descriminalização: "Em tese, somos todos pela vida, agora eu sou pela descriminalização do aborto, sou incapaz de condenar alguém por uma prática abortiva."

Pela não descriminalização manifesta-se igualmente Jorge Nuno de Sá, líder da JSD. "Há genericamente a ideia adquirida na sociedade de que não deve haver criminalização da mulher que pratica o aborto, isso perpassa pela sociedade, da direita à esquerda ", afirma Jorge Nuno Sá que, contudo, sobre o referendo considera: "Se se perceber que há vontade popular para que se repita o referendo que se faça, se não é repetir erros do passado a que as pessoas não aderem."

PSD Poderá Adoptar Crime Sem Pena em 2006

Por SÃO JOSÉ ALMEIDA

Quarta-feira, 03 de Março de 2004

O PSD deverá evoluir, na próxima legislatura, para uma posição do tipo da defendida por Diogo Freitas do Amaral, ou seja, de criminalização do acto do aborto mas de não aplicação de pena à mulher que pratica o aborto, através da introdução no artigo 142º do Código Penal do princípio de reconhecimento do "estado de necessidade desculpante".

A eventual evolução da posição do PSD não é assumida oficialmente por ninguém, nem nenhum responsável partidário contactado pelo PÚBLICO aceita afirmar, dando a cara, que a solução poderá passar por aqui. No entanto, diversos dirigentes do PSD admitiram esta solução como hipótese de posição a ser defendida no futuro por si e pela maioria dos seus companheiros de direcção, isto, claro, mantendo a liberdade de voto e o princípio de que esta é uma questão de consciência.

O consenso no PSD sobre a posição defendida por Freitas do Amaral foi este fim de semana fortalecido, aliás, entre os sociais-democratas, com o facto de ela ter sido apoiada pelo ex-primeiro-ministro Cavaco Silva, que afirmou, no final de um colóquio na Assembleia da República: "Li com muito interesse o artigo publicado pelo professor Diogo Freitas do Amaral. É uma ideia que não deve ser rejeitada".

Mas se, na próxima legislatura, o PSD poderá vir a optar pela criminalização sem pena, no imediato, ou seja, no debate de hoje, os sociais-democratas apenas advogarão que estão presos ao compromisso eleitoral sob o qual todos eles foram eleitos, assumido durante a campanha pelo então candidato e hoje primeiro-ministro, José Manuel Durão Barroso. Um compromisso sob o qual, aliás, foram eleitos deputados António Pinheiro Torres, Isilda Pegado e Gonçalo Reis, em representação dos movimentos contra a despenalização, que, aliás, lembraram isso mesmo ao primeiro-ministro em Dezembro passado quando a hipótese de reavaliar a lei se colocou dentro da maioria.

É esse compromisso que o próprio Durão Barroso tem invocado de cada vez que é colocado perante a questão. Ou seja, comprometeu-se a não repetir o referendo esta legislatura, mas a questão é para ele de consciência, pelo que quando se colocar o debate será dada liberdade de voto. Mais, logo na campanha Durão assumiu, em declarações à revista "Visão", que não era "capaz de condenar uma mulher que faça um aborto". Solicitado pelo PÚBLICO a comentar de novo a questão, o gabinete do primeiro-ministro informou que este não quer agora fazer declarações.

2006, o ano da viragem

Unânime parece ser, porém, entre os sociais-democratas, que a partir das próximas legislativas, a questão estará colocada. E de todos os dirigentes e responsáveis do PSD contactados pelo PÚBLICO, apenas Leonor Beleza se recusou a falar sobre o tipo de caminho a seguir, alegando que "neste momento não adianta falar da questão de fundo".

O vice-presidente do PSD, Pedro Santana Lopes, assume essa premência ao declarar ao PÚBLICO: "Penso que é tempo de preparamos as conclusões a tirar na próxima legislatura sobre esta matéria. Eu estou de acordo genericamente com a legislação que existe, no entanto, não gosto de ver nenhuma mulher condenada por interromper a gravidez, mas também não considero que seja muito legítimo a decisão livre (de abortar) de uma mulher que gera uma vida quando tem condições para receber e para criar essa vida. Entendo que há aqui um equilíbrio a fazer."

E prosseguindo na defesa de uma posição que, em termos genéricos, se encaixa na solução Freitas do Amaral, Pedro Santana Lopes, sustenta: "Ninguém deve ser considerado criminoso por ter de interromper involuntariamente essa gravidez. No entanto, também não concordo que seja considerado um acto natural alguém que teve relações sexuais, não se preveniu devidamente, gerou um filho, tenha condições materiais para receber essa nova vida e resolva abortar. Só quem não fez ecografias de filhos próprios é que não pode ser sensível a isso. Foi com agrado que li a entrevista do bispo do Porto que deu um contributo importante para a discussão deste assunto."

Por sua vez, o presidente da Mesa do Congresso, Manuel Dias Loureiro, defendeu, em declarações ao PÚBLICO, que, ainda que o PSD não possa até 2006 levar a cabo nenhum referendo, este "é um tema candente na sociedade portuguesa, pelo que não pode deixar de ser pensado desde já". Dias Loureiro sustentou mesmo que "todos os temas que interessam à sociedade, interessam aos políticos e o PSD deve reflectir sobre eles até lá, para em 2006 estar aberto a uma discussão franca."

A defesa de uma reflexão moderada é feita pelo ministro dos Assuntos Parlamentares, Luís Marques Mendes, que defende que, "nesta matéria, em que as dúvidas são maiores que as certezas, em que as preocupações devem ser mais fortes que as proclamações, a postura adequada deve ser a da humildade, do equilíbrio e da moderação". Por isso sustenta que, no futuro, o debate, "no Parlamento e fora dele", seja "sereno, moderado e não marcadamente ideológico", de modo a "favorecer a busca de soluções para um problema que é sério e ainda não teve solução eficaz". Isto porque "a crispação ou o radicalismo agravam divisões e em nada contribuem para soluções positivas e construtivas", afirmou Marques Mendes ao PÚBLICO.

Já sobre o referendo, Marques Mendes considera que, "de acordo com o definido pelo PSD, um novo referendo pode ser realizado a partir de 2006, em próxima legislatura". Mas advoga: "Esta é matéria típica de decisão através de referendo. Acresce que tendo sido realizado um referendo, a actualização da vontade popular - seja no sentido da sua confirmação ou da sua alteração - deve ser feita pela mesma via. É uma questão de respeito pela soberania do voto popular".

Também o líder parlamentar, Guilherme Silva, defende a repetição do referendo antes de qualquer aprovação de legislação, mas é cristalino a reconhecer que a sua realização é inadiável a partir de 2006: "Já não há motivo de espaço temporal que possa ser invocado contra a repetição do referendo a partir de 2006, então esse argumento perde consistência".

A vice-presidente da bancada, Ana Manso, considera também incontornável a repetição do referendo em 2006, mas frisa que "numa atitude informativa e sem ruídos". Ana Manso não tem qualquer dificuldade em assumir a sua posição pró- descriminalização: "Em tese, somos todos pela vida, agora eu sou pela descriminalização do aborto, sou incapaz de condenar alguém por uma prática abortiva."

Pela não descriminalização manifesta-se igualmente Jorge Nuno de Sá, líder da JSD. "Há genericamente a ideia adquirida na sociedade de que não deve haver criminalização da mulher que pratica o aborto, isso perpassa pela sociedade, da direita à esquerda ", afirma Jorge Nuno Sá que, contudo, sobre o referendo considera: "Se se perceber que há vontade popular para que se repita o referendo que se faça, se não é repetir erros do passado a que as pessoas não aderem."

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