Suplemento Mil Folhas

14-08-2004
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Brillano Ancora?

Sábado, 31 de Julho de 2004

%Eduardo Pitta

Luciana Stegagno Picchio dispensa grandes apresentações. Reputada historiadora da cultura italiana, tradutora do melhor que a literatura brasileira produziu na primeira metade do século XX - Jorge de Lima, Murilo Mendes, Carlos Drummond de Andrade, Guimarães Rosa, João Cabral de Melo Neto, Clarice Lispector, entre outros; convém lembrar que a sua "Storia della Letteratura Brasiliana" (1997) é um marco incontornável -, fundadora e directora dos "Quaderni Portoghesi", autora de inúmeras obras sobre cultura portuguesa, de que a "Storia del Teatro Portoghese" (1964) e o "Profilo della Letteratura Drammatica Portoghese" (1967) são apenas as mais citadas, porquanto as edições críticas de textos medievais e renascentistas têm circulação restrita, o seu nome "garante" um patamar de exigência. Nessa medida, quando um jornal como "La Repubblica" inclui na sua colecção de poesia estrangeira uma "Antologia della Poesia Portoghese e Brasiliana" que leva o seu nome à frente de uma vasta equipa de "especialistas", o horizonte de expectativas podia ser o céu. Infelizmente não é. Nas suas quase mil páginas há espaço para quatro textos introdutórios (um de carácter geral, assinado por Francesco Stella, e outros incidindo sobre a poesia portuguesa, brasileira e afro-lusófona, assinados por Luciana Stegagno Picchio), notas biobibliográficas, índices remissivos e poemas. A selecção vai dos cancioneiros galaico-portugueses até Daniel Faria (no "time" brasileiro até Marco Lucchesi), ou seja, até aos anos 1970. Embora no caso português seja mais correcto dizer que vai até Nuno Júdice, uma vez que Daniel Faria aparece "pendurado" ao fim de vinte anos de ninguém. Esta inquietação com "o novo" é desconcertante. Luciana Stegagno Picchio refere contemporâneos omissos, entre eles um "Luís Peixoto", que presumo seja José Luís Peixoto. É caso para perguntar se havia necessidade, numa antologia que "esqueceu" - vou ater-me a portugueses nascidos até 1949 - Bernardim Ribeiro, Nicolau Tolentino, Gomes Leal, Ângelo de Lima, Afonso Duarte, Irene Lisboa, Florbela Espanca, António Botto, Alberto de Lacerda, Fernando Echevarría, Rui Knopfli, João Pedro Grabato Dias, Luiza Neto Jorge, Armando Silva Carvalho, Manuel António Pina, João Miguel Fernandes Jorge, António Franco Alexandre, Joaquim Manuel Magalhães, José Agostinho Baptista e Helder Moura Pereira. Do lado brasileiro é notória a ausência dos autores da "poesia marginal", isto é, para citar apenas os canónicos, poetas como Cacaso (Antônio Carlos de Brito), Waly Salomão, Chacal (Ricardo de Carvalho Duarte), Ana Cristina Cesar, Armando Freitas Filho ou, com obra ostensivamente gay, Roberto Piva, Valdo Motta e Paulo Augusto. Mas também Gilka Machado, feminista "avant la lettre" logo em 1915, Hilda Hilst, Sebastião Uchoa Leite, Paulo Leminski, Torquato Neto, Antonio Cicero, Lu Menezes, Glauco Mattoso, Régis Bonvicino, Carlito Azevedo e outros. Como no tocante ao Brasil a representação não sofre hiatos significativos, estas ausências tornam-se evidentes. Em contrapartida, temos direito a Vera Lúcia de Oliveira na dupla qualidade de seleccionadora e autora seleccionada. A seriação é no mínimo peculiar. Às divisões por períodos, seguidas até ao neo-realismo, ilustrado por Carlos de Oliveira e Sebastião da Gama, sucede "Brillano ancora", secção que junta Sena, Cinatti, Mourão-Ferreira, Ruy Belo, Assis Pacheco, Al Berto e Natália (por esta ordem). Depois, em "Poesia oggi", encontramos Sophia, Saramago, Eugénio e Ramos Rosa. E a seguir, "Il trenta" reúne poetas tão diferentes como António Osório e Manuel Alegre. Muito mais haveria a dizer desta antologia italiana (a edição é bilingue) de poesia de língua portuguesa, que inclui Agostinho Neto e Malangatana. Não obstante a largueza do "staff" editorial (catorze elementos), são recorrentes os lapsos e as gralhas.

Poesia Straniera Portoghese e Brasiliana

Brillano Ancora?

Sábado, 31 de Julho de 2004

%Eduardo Pitta

Luciana Stegagno Picchio dispensa grandes apresentações. Reputada historiadora da cultura italiana, tradutora do melhor que a literatura brasileira produziu na primeira metade do século XX - Jorge de Lima, Murilo Mendes, Carlos Drummond de Andrade, Guimarães Rosa, João Cabral de Melo Neto, Clarice Lispector, entre outros; convém lembrar que a sua "Storia della Letteratura Brasiliana" (1997) é um marco incontornável -, fundadora e directora dos "Quaderni Portoghesi", autora de inúmeras obras sobre cultura portuguesa, de que a "Storia del Teatro Portoghese" (1964) e o "Profilo della Letteratura Drammatica Portoghese" (1967) são apenas as mais citadas, porquanto as edições críticas de textos medievais e renascentistas têm circulação restrita, o seu nome "garante" um patamar de exigência. Nessa medida, quando um jornal como "La Repubblica" inclui na sua colecção de poesia estrangeira uma "Antologia della Poesia Portoghese e Brasiliana" que leva o seu nome à frente de uma vasta equipa de "especialistas", o horizonte de expectativas podia ser o céu. Infelizmente não é. Nas suas quase mil páginas há espaço para quatro textos introdutórios (um de carácter geral, assinado por Francesco Stella, e outros incidindo sobre a poesia portuguesa, brasileira e afro-lusófona, assinados por Luciana Stegagno Picchio), notas biobibliográficas, índices remissivos e poemas. A selecção vai dos cancioneiros galaico-portugueses até Daniel Faria (no "time" brasileiro até Marco Lucchesi), ou seja, até aos anos 1970. Embora no caso português seja mais correcto dizer que vai até Nuno Júdice, uma vez que Daniel Faria aparece "pendurado" ao fim de vinte anos de ninguém. Esta inquietação com "o novo" é desconcertante. Luciana Stegagno Picchio refere contemporâneos omissos, entre eles um "Luís Peixoto", que presumo seja José Luís Peixoto. É caso para perguntar se havia necessidade, numa antologia que "esqueceu" - vou ater-me a portugueses nascidos até 1949 - Bernardim Ribeiro, Nicolau Tolentino, Gomes Leal, Ângelo de Lima, Afonso Duarte, Irene Lisboa, Florbela Espanca, António Botto, Alberto de Lacerda, Fernando Echevarría, Rui Knopfli, João Pedro Grabato Dias, Luiza Neto Jorge, Armando Silva Carvalho, Manuel António Pina, João Miguel Fernandes Jorge, António Franco Alexandre, Joaquim Manuel Magalhães, José Agostinho Baptista e Helder Moura Pereira. Do lado brasileiro é notória a ausência dos autores da "poesia marginal", isto é, para citar apenas os canónicos, poetas como Cacaso (Antônio Carlos de Brito), Waly Salomão, Chacal (Ricardo de Carvalho Duarte), Ana Cristina Cesar, Armando Freitas Filho ou, com obra ostensivamente gay, Roberto Piva, Valdo Motta e Paulo Augusto. Mas também Gilka Machado, feminista "avant la lettre" logo em 1915, Hilda Hilst, Sebastião Uchoa Leite, Paulo Leminski, Torquato Neto, Antonio Cicero, Lu Menezes, Glauco Mattoso, Régis Bonvicino, Carlito Azevedo e outros. Como no tocante ao Brasil a representação não sofre hiatos significativos, estas ausências tornam-se evidentes. Em contrapartida, temos direito a Vera Lúcia de Oliveira na dupla qualidade de seleccionadora e autora seleccionada. A seriação é no mínimo peculiar. Às divisões por períodos, seguidas até ao neo-realismo, ilustrado por Carlos de Oliveira e Sebastião da Gama, sucede "Brillano ancora", secção que junta Sena, Cinatti, Mourão-Ferreira, Ruy Belo, Assis Pacheco, Al Berto e Natália (por esta ordem). Depois, em "Poesia oggi", encontramos Sophia, Saramago, Eugénio e Ramos Rosa. E a seguir, "Il trenta" reúne poetas tão diferentes como António Osório e Manuel Alegre. Muito mais haveria a dizer desta antologia italiana (a edição é bilingue) de poesia de língua portuguesa, que inclui Agostinho Neto e Malangatana. Não obstante a largueza do "staff" editorial (catorze elementos), são recorrentes os lapsos e as gralhas.

Poesia Straniera Portoghese e Brasiliana

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