EXPRESSO: Artigo

22-10-2002
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A verdadeira história de JB

De um dia para o outro, tornou-se uma espécie de inimigo público nº 1 da Nação. É o homem do «caso Moderna», o escândalo criminal e financeiro que abalou a sociedade e a política portuguesas em 1999. José Braga Gonçalves, advogado, começa a ser julgado na próxima quarta-feira. Os que lidaram com ele afirmam que não passa de um «caso clínico de megalomania». Talvez tenha sonhado ser um «cappo» italiano, mas na verdade explorava o dinheiro de uma universidade. E, acima de tudo, adorava dar nas vistas.

Texto de Ana Paula Azevedo O seu nome tornou-se maldito. Os poucos, amigos ou inimigos, que aceitaram falar dele puseram como condição o anonimato. Não é para menos, pois José Braga Gonçalves aparece recorrentemente nos jornais e na televisão desde Fevereiro de 1999, pelos piores motivos: acusações de associação criminosa, gestão danosa, apropriação ilícita, burla qualificada e falsificação de documentos, relativas à época em que geriu a Universidade Moderna, cujo património terá delapidado em pouco mais de dois anos. A estas acusações, acrescentam-se as suspeitas nunca esclarecidas - mas que vingaram na opinião pública - de que algo mais haverá. E algo mais seria «só» tráfico de armas, de droga e até de mulheres. O seu nome tornou-se maldito. Os poucos, amigos ou inimigos, que aceitaram falar dele puseram como condição o anonimato. Não é para menos, pois José Braga Gonçalves aparece recorrentemente nos jornais e na televisão desde Fevereiro de 1999, pelos piores motivos: acusações de associação criminosa, gestão danosa, apropriação ilícita, burla qualificada e falsificação de documentos, relativas à época em que geriu a Universidade Moderna, cujo património terá delapidado em pouco mais de dois anos. A estas acusações, acrescentam-se as suspeitas nunca esclarecidas - mas que vingaram na opinião pública - de que algo mais haverá. E algo mais seria «só» tráfico de armas, de droga e até de mulheres. Na descrição dos amigos e de outros que com ele privaram, tudo isto não passa, porém, de uma construção colectiva, de um verdadeiro mito. Como afirma um seu antigo colaborador, «ele teria adorado ser um verdadeiro 'cappo' italiano, traficante de droga e de armas.» Mas para isso é preciso haver um certo secretismo «e ele punha-se a fazer corridas de Ferrari na Quinta do Lago e a pagar jantares de centenas de contos...» Na verdade, asseguram, José Braga era um advogado «normal», com algum sucesso, habituado a inventar esquemas e a viver «à grande». Na Moderna, ter-se-á deixado «deslumbrar» pelo dinheiro que geria, e que era muito. A partir daí, mergulhou na vertigem: o seu objectivo de vida era «ter hoje mais dinheiro do que tinha ontem», mostrar que comprava tudo e todos, ser reconhecido como um entre os poderosos. Ou seja, um verdadeiro «caso clínico de megalomania» - argumento, aliás, que o seu advogado apresentou ao tribunal, sustentado em pareceres dos psiquiatras que o acompanham. Segundo estes, José Braga «não é capaz de tratar adequadamente dos seus interesses pessoais ou patrimoniais» e padece de uma «irresistível compulsão» para a «prodigalidade». A avaliar pelo processo judicial, muitos pactuaram com essa «prodigalidade», ou simplesmente beneficiaram dela. José António Braga dos Reis Gonçalves nasceu em 31 de Dezembro de 1959, na freguesia de Alcântara, em Lisboa. É o filho mais velho de José Júlio e de Maria Isabel Gonçalves, que tiveram mais três filhos: Isabel (jurista), João (empresário de restauração) e Pedro (que cursou Sociologia). O pai (o ex-reitor da Moderna, hoje com 73 anos) é beirão, natural de Pampilhosa da Serra, e um homem que subiu na vida a pulso. Trabalhou como funcionário dos Correios enquanto estudava, tendo ingressado no Instituto Superior de Estudos Ultramarinos (que tinha por finalidade formar o pessoal civil da administração das colónias portuguesas e do então Ministério da Marinha e Ultramar). José António Braga dos Reis Gonçalves nasceu em 31 de Dezembro de 1959, na freguesia de Alcântara, em Lisboa. É o filho mais velho de José Júlio e de Maria Isabel Gonçalves, que tiveram mais três filhos: Isabel (jurista), João (empresário de restauração) e Pedro (que cursou Sociologia). O pai (o ex-reitor da Moderna, hoje com 73 anos) é beirão, natural de Pampilhosa da Serra, e um homem que subiu na vida a pulso. Trabalhou como funcionário dos Correios enquanto estudava, tendo ingressado no Instituto Superior de Estudos Ultramarinos (que tinha por finalidade formar o pessoal civil da administração das colónias portuguesas e do então Ministério da Marinha e Ultramar). No Instituto, sob a direcção de Adriano Moreira, Júlio Gonçalves foi um dos assistentes enviados ao estrangeiro para fazerem o doutoramento, tendo completado o seu, em Ciências Políticas, na Universidade de Madrid. Na década de 50, ingressou no Exército e foi analista de informação nos serviços militares de informações. Entretanto, casou com Isabel, filha de um médico e oriunda de Vila Nova da Barquinha, no Ribatejo. Quando o primeiro filho nasceu, o casal já estava instalado na Rua 1º de Maio (zona de Alcântara). José teve como padrinho Raul Ventura, amigo da família e conhecido especialista em Direito Comercial, em cujo escritório faria mais tarde o estágio de advocacia. O pai fez questão de colocar os quatro filhos no Colégio Alemão. No 25 de Abril, foi um dos professores saneados do instituto - rebaptizado de Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP). A vida da família Gonçalves repartia-se então entre a morada habitual e uma casa de fim-de-semana em Rana, na Parede, na Rua Palmira Bastos. O «Zé Gonçalves» era um dos mais velhos do grupo de miúdos que por ali se juntavam e já dava nas vistas. «Era uma espécie de líder nato: o que mais influenciava os outros, o que tinha mais namoradas», recorda um amigo. As motas eram uma ambição de qualquer jovem, e o passatempo preferido dar a volta à serra de Sintra, «em marcha acelerada», às vezes em corridas e ao despique. Na memória de alguns ficaram também as tardes passadas em casa do «tio Bragas» - um irmão solteiro da mãe de Zé Gonçalves, médico especializado em doenças do Ultramar e que vivia na Rua de Pedrouços, onde tinha consultório. As conversas, os livros, as prendas eram um chamariz para o grupo de amigos. JOÃO CARLOS SANTOS José Braga, acusado de gestão danosa na Moderna Ainda todos tinham semanada e já o «Zé Gonçalves» tinha furado na vida: fluente no alemão, arranjava uns dinheiros extra trabalhando como intérprete e guia de convidados de empresas alemãs. Depressa arranjou um carro e já andava na universidade quando se tornaram célebres os fins-de-semana que organizava numa casa da família materna, em Vila Nova da Barquinha. Minucioso, distribuía os quartos e organizava as refeições, assegurando dias bem passados. Os amigos gabam-lhe esta faceta de «anfitrião», que faz «as pessoas juntarem-se à sua volta com muita facilidade». Ainda todos tinham semanada e já o «Zé Gonçalves» tinha furado na vida: fluente no alemão, arranjava uns dinheiros extra trabalhando como intérprete e guia de convidados de empresas alemãs. Depressa arranjou um carro e já andava na universidade quando se tornaram célebres os fins-de-semana que organizava numa casa da família materna, em Vila Nova da Barquinha. Minucioso, distribuía os quartos e organizava as refeições, assegurando dias bem passados. Os amigos gabam-lhe esta faceta de «anfitrião», que faz «as pessoas juntarem-se à sua volta com muita facilidade». No início dos anos 80, um grupo de professores - entre os quais, José Júlio Gonçalves, Gonçalves Proença, Soares Martinez e Martins da Cruz - avançou com a primeira universidade privada: a Livre, com sede num palacete ao cimo da Rua Vítor Cordon, em Lisboa. José Braga entrou para Direito, no ano lectivo de 1980/81. A gestão da universidade foi várias vezes posta em causa. No início de 1985, alunos e professores mostraram o seu descontentamento pelas salas de aula exíguas e lotadas, e pelos preços praticados. Numa reunião em casa de Martinez, discutiu-se o rumo a seguir. José Braga levantou a voz e defendeu: «Só há uma solução: a acção directa.» Os professores hesitaram, mas acabaram por dar luz verde. No dia seguinte, um grupo de 24 alunos ocupou à força as instalações da Livre e José Braga foi um dos líderes. Só saíram uma semana depois, quando os professores arranjaram novas instalações e garantias de autorização do Governo para fazerem uma nova universidade - surgindo assim a Lusíada. Já então José Braga era o filho dilecto de Júlio Gonçalves, que nele se revia e depositava grandes esperanças. Jovem e bem parecido, o filho dominava o alemão, o inglês e o francês, e começou a trabalhar, ainda antes de ter concluído a licenciatura, no escritório de Raul Ventura - um dos consultores jurídicos mais requisitados pelos Governos de Cavaco Silva, além de advogado de nomeada. José Braga adquiriu aí muitos conhecimentos e experiência na área das sociedades. Chegou a ser convidado pela RTP, para comentar questões jurídicas. Com a mulher, Teresa, numa das faustosas festas no Paço da Glória Em 1994, José Braga e três colegas - Carlos Amaro, Isabel Martins e Ana Bruno (sua antiga namorada) - decidiram dar o salto e instalaram-se por conta própria num escritório do edifício Espaço Chiado. Os quatro faziam praticamente só Direito Comercial, representando muitas empresas candidatas a obras públicas. Numa área até aí dominada pelos técnicos e pelos engenheiros, a acção dos advogados tornou-se preciosa, detectando as falhas e os erros jurídicos da promoção dos concursos, passíveis de pedidos de anulação em tribunal. José Braga continuava um mãos-largas: «Se encontrava um amigo sem fazer nada, dizia-lhe logo para ir trabalhar com ele, que lhe arranjava clientes.» Rapidamente, o escritório encheu e cresceu. Entretanto, casou com Maria Teresa de Sá Coutinho Ribeiro da Cunha, filha de um médico e neta dos condes de Aurora pelo lado da mãe. Muito do que fez, assegura-se, terá sido «para mostrar à família da mulher que estava à altura». Com Teresa, teve dois filhos. Em 1994, José Braga e três colegas - Carlos Amaro, Isabel Martins e Ana Bruno (sua antiga namorada) - decidiram dar o salto e instalaram-se por conta própria num escritório do edifício Espaço Chiado. Os quatro faziam praticamente só Direito Comercial, representando muitas empresas candidatas a obras públicas. Numa área até aí dominada pelos técnicos e pelos engenheiros, a acção dos advogados tornou-se preciosa, detectando as falhas e os erros jurídicos da promoção dos concursos, passíveis de pedidos de anulação em tribunal. José Braga continuava um mãos-largas: «Se encontrava um amigo sem fazer nada, dizia-lhe logo para ir trabalhar com ele, que lhe arranjava clientes.» Rapidamente, o escritório encheu e cresceu. Entretanto, casou com Maria Teresa de Sá Coutinho Ribeiro da Cunha, filha de um médico e neta dos condes de Aurora pelo lado da mãe. Muito do que fez, assegura-se, terá sido «para mostrar à família da mulher que estava à altura». Com Teresa, teve dois filhos. Anos antes, em Outubro de 1986, o pai e outros professores tinham abandonado a Lusíada e avançado com a cooperativa Dinensino, de que também foi membro fundador. A Universidade Moderna só abriu as portas no ano lectivo de 1989/90 e José Braga entrou para assistente, dando aulas de Introdução ao Direito. «Era um yuppie, mas dos anos 90», recorda um seu antigo aluno, descrevendo-o como «uma figura que encantava». Residia então num condomínio da Quinta da Marinha, na Rua dos Faisões, e aparentava ganhar bem. Por isso, a família e outros que lhe estavam próximos dizem não ter estranhado quando começou a fazer grandes gastos. Terá sido nos primeiros anos da década de 90 que José Braga ingressou na Maçonaria, na Grande Loja Regular de Portugal (GLRP), tornando-se venerável da Loja General Gomes Freire de Andrade. O grão-mestre era Fernando Teixeira, de quem José Braga era advogado. Com a renúncia de Teixeira, em Outubro de 1996, Luís Nandin de Carvalho sucedeu-lhe no lugar, num processo conturbado que causou uma cisão entre os maçons. José Braga liderou o grupo contra Nandin, acusado de ter praticado diversas irregularidades, como a consagração de uma loja no Porto e o envio de três funcionários, alegadamente do SIS, para estudarem o sistema de segurança da Casa do Sino, em Cascais (uma das instalações da GLRP). As acusações foram negadas por Nandin, que também era professor na Moderna e membro da Dinensino. Enquanto movia uma guerra sem tréguas a Nandin, José Braga assumiu a gestão da Moderna. Contratou seguranças privados e estes, uniformizados com camuflados paramilitares, tornaram-se uma presença intimidatória para alunos e professores. O clima tornou-se tenso e houve mesmo suspeitas de escutas e de perseguições a alunos e a professores. Em Novembro de 1996, José Braga deu o passo decisivo: num almoço com membros da direcção da universidade, acusou o gestor da cooperativa, Vieira Machado (ex-administrador da RTP e então já administrador da Expo-98), de desviar dinheiro. VISÃO Na primeira detenção, com o pai, no início de 2000 Um mês depois, na noite de 6 para 7 de Dezembro, pôs novamente em prática o princípio da «acção directa» e mandou os seguranças ocupar à força a Casa do Sino, para afastar Nandin. José Medeiros tornou-se o novo grão-mestre e José Braga seu adjunto, com o pelouro das relações internacionais. A universidade passou então a suportar a renda mensal de 550 contos da Casa do Sino, bem como inúmeras viagens de delegações de maçons ao estrangeiro. Um mês depois, na noite de 6 para 7 de Dezembro, pôs novamente em prática o princípio da «acção directa» e mandou os seguranças ocupar à força a Casa do Sino, para afastar Nandin. José Medeiros tornou-se o novo grão-mestre e José Braga seu adjunto, com o pelouro das relações internacionais. A universidade passou então a suportar a renda mensal de 550 contos da Casa do Sino, bem como inúmeras viagens de delegações de maçons ao estrangeiro. Vieira Machado acabou por sair da universidade, com um acordo e uma indemnização de dezenas de milhar de contos. Pelo mesmo sistema foi obtida a saída de Nandin e de outras pessoas da cooperativa, revertendo as respectivas quotas a favor de Júlio Gonçalves. Após uma assembleia-geral, controlada pela família Gonçalves, o irmão João foi nomeado director de «marketing» e o irmão Pedro director para a aquisição de equipamentos. José Júlio tornou-se presidente da cooperativa e José Braga secretário. Assumida a gestão da Moderna, colocou lá funcionários da sua confiança. Os assuntos da universidade e os do seu escritório passaram então a ser uma e a mesma coisa. «Ele deu-se conta de que a universidade era altamente rentável e, cheio de ambição, achou que Vieira Machado, o pai e todos os outros da direcção tinham um espírito miserabilista, que aquilo podia ser uma coisa 'em grande'», conta um ex-colega. Entre 1989 e 1997, a Moderna passou de 819 alunos para 11.350, com propinas mensais na ordem dos 35 a 40 contos. José Braga mandou efectuar obras de mais de meio milhão de contos, gastou outro meio milhão em publicidade (só em 1997) e contratou políticos, magistrados e artistas para o quadro de professores. Entre o Espaço Chiado e a Moderna, em Belém, iam e vinham funcionários, transportando documentos, cheques da Dinensino e facturas de fornecedores. Os esquemas de retirada de dinheiro baseavam-se no saque de cheques à Dinensino, endossados depois a empresas fornecedoras ou de que José Braga era proprietário. E também facturas de fornecedores com valores inflacionados, de forma a retirar comissões. Carlos Bruno, solicitador que trabalhava com José Braga, contou à PJ que o «viu no 16º Cartório, quando da escritura da sua casa das Amoreiras, com uma caixa de telemóvel SIM Telecel cheia de dinheiro, pensa que com 20 mil contos». «Outra vez», acrescentou, «no escritório, foi-lhe pedido que depositasse dinheiro que estava dentro de uma caixa de Ballantines, com uma quantia não inferior a 5 mil contos». Recordou ainda que José Braga «ofereceu as viagens de lua-de-mel» (ao Peru e às Maldivas) a dois advogados seus colegas. E que «no Natal eram sorteadas no escritório viagens ou fins-de-semana em Pousadas de Portugal». Por seu turno, José Esteves afirmou à PJ que José Braga «era um indivíduo que fazia coisas muito estranhas»: uma noite, fez-se passar por inspector da polícia e, com os seguranças, mandava parar os carros na rua da sua casa, para controlar quem ali pretendia circular. As loucuras foram por aí fora: tornou a Moderna accionista da TVI e de jornais, comprou carros atrás de carros, o Paço da Glória (um palácio em Arcos de Valdevez, Ponte de Lima) e um terreno na Quinta Pãtino, fretou um avião por dois mil contos, para ir a Paris com amigos, e gastou milhares de contos em férias na Quinta do Lago, pagando jantares a conhecidos e desconhecidos, nos mais caros restaurantes da zona. Tornou-se então famoso um episódio num restaurante de Lisboa, onde também tinha uma conta-corrente. Quando o gerente lhe lembrou que a conta já ia em 700 contos, José Braga terá estendido o cartão de crédito: «Ponha também as contas dos senhores que estão aqui e pague-se de mil...» Numa quarta-feira, dia 4 de Fevereiro de 1999, o «Diário de Notícias» anunciou em manchete que o SIS estava a investigar a Moderna. A partir daí foram notícias atrás de notícias sobre os súbitos sinais de riqueza e as figuras públicas que estavam ou tinham passado pela universidade. Esta passou a estar no centro de tudo: o fim da AD, que levou o PSD a mudar de líder, a demissão do director da PJ (Fernando Negrão, acusado de violação de segredo de Justiça pelo procurador-geral da República) e as guerras na Maçonaria, com Nandin de Carvalho a acusar José Braga de tráfico de armas e de droga. Em duas semanas, os advogados do Espaço Chiado debandaram e fecharam o escritório. José Braga largou a universidade e refugiou-se no seu andar nas Amoreiras. Passou a viver à conta de familiares e também da boa-vontade do novo dirigente da Dinensino, Rui Albuquerque, seu amigo de longa data e a quem durante meses mandou facturas de gasolina e de refeições para pagar. Ainda hoje há quem se lembre de ter ouvido um amigo dizer a José Braga, no dia em que soube que assumira a gestão da Moderna: «Se te deixam tocar em cheques, ainda acabas preso.» Bastaram menos de três anos para a profecia se cumprir. Desde Junho de 2001 que José e o irmão João estão detidos na zona prisional da PJ. Trabalham na biblioteca e José dá esporadicamente umas aulas de viola a outros detidos. Recusou sempre prestar declarações à PJ e deu apenas duas entrevistas: uma ao Expresso, em que se justificou com os seus «rendimentos bastante elevados», e outra ao «Independente», em que disse ser «difícil, a esta distância, fazer mea culpa», apesar de reconhecer que «foram cometidos muitos erros». 23

Números do processo 50 é o número de volumes que já compõem o processo-crime sobre os negócios ilícitos da antiga administração da Universidade Moderna, instaurado em 1999; 54 buscas foram efectuadas até Junho de 2000 pelos investigadores da Direcção Central de Investigação da Corrupção e Criminalidade Económica e Financeira (DCICCEF) da Polícia Judiciária — altura em que entregaram o relatório final do inquérito ao Ministério Público (MP); 182 é o total de crimes de apropriação ilícita imputados pelo MP a 10 dos 13 arguidos. Ou seja, a acusação descreve 182 situações em que esses ex-dirigentes da Moderna usaram em proveito próprio dinheiro da Universidade. O recordista é José Braga Gonçalves, ex-secretário-geral-adjunto da instituição, com 65 apropriações ilícitas, seguido de José Vitoriano, o ex-tesoureiro, com 60; 173 mil contos (€ 863 mil) foi o montante gasto pela Moderna em pagamentos de cartões de crédito, entre 1997 e 1999; 2 milhões de contos (€10 milhões) é, de acordo com a acusação, o valor mínimo do prejuízo causado pelos arguidos aos cofres da Universidade Moderna; 57 cartões de crédito foram distribuídos por 15 titulares — os membros da direcção da universidade e cooperadores da Dinensino. Eram cartões do BES (Banco Espírito Santo) e da CGD (Caixa Geral de Depósitos); 51 carros topo de gama foram adquiridos pela direcção da Dinensino, entre Outubro de 1996 e Dezembro de 1998. Muitas das viaturas eram de marcas de luxo: Ferrari, Mercedes, Jaguar e Porsche. Foram utilizadas não só por dirigentes e cooperadores, mas também por pessoas com relações profissionais ou de amizade a José Braga Gonçalves; 59 mil contos (€ 293 mil) foi o preço das viagens oferecidas pela Dinensino a 102 pessoas, portuguesas e estrangeiras, que tinham ligações à Universidade Moderna, ao escritório de advogados de José Braga Gonçalves e/ou a lojas maçónicas.

Os juízes Maria Manuela Barracosa, 57 anos, é a juiz-presidente do colectivo que vai julgar o «caso Moderna». Natural de Lisboa, só ingressou na magistratura, como estagiária, em 1987, aos 43 anos. Antes disso trabalhou no sector bancário. Após passar pelas comarcas de Mafra e Oliveira do Hospital, entrou como juíza de Direito no Tribunal de Alcácer do Sal, em 1989. Passou depois pelas comarcas de Cascais, Sintra, Almada e pela 5ª vara criminal de Lisboa (1995 a 1998). Em Setembro de 2001 regressa à Boa-Hora, à 8ª vara, vinda do Tribunal de Trabalho de Sintra. Com uma atitude discreta, tem obtido boas classificações nas inspecções feitas pelo Conselho Superior da Magistratura. Integrou o colectivo de magistrados responsável pelo julgamento e condenação dos «skinheads» que agrediram até à morte o angolano Alcino Monteiro, em Junho de 1995. Ricardo Manuel Cardoso, 44 anos, natural de Angola, é o juiz mais conhecido deste colectivo. Nos 18 anos de trabalho como magistrado passou 16 no Tribunal da Boa-Hora, onde já julgou vários arguidos mediáticos, dos quais se destacam os das FP-25 e o ex-governador de Macau Carlos Melancia. No célebre processo do fax, onde estava em causa um crime de corrupção, Ricardo Cardoso foi o responsável pela caução de 50 mil contos aplicada a Melancia para aguardar o julgamento em liberdade. E subscreveu um voto de vencido no acórdão que ditou a absolvição. Conhecido pelo seu rigor, orgulha-se de não ter processos em atraso. Jorge Manuel Raposo, 43 anos, é colega de curso de Manuela Barracosa. Natural de Lisboa, também ingressou na magistratura, como estagiário, em 1987. Trabalhou nas comarcas do Seixal, Ferreira do Zêzere, Elvas, Barreiro e Cascais como auxiliar. E em 1993 assume funções de juiz de Direito no Tribunal de Vila Franca de Xira. Passa depois pelos juízos criminais de Cascais e pelo Tribunal de Execução de Penas de Lisboa. É colocado na 8ª vara da Boa-Hora em Julho de 1998, trabalhando desde então com Ricardo Cardoso. Actualmente, trabalha no julgamento, iniciado em Outubro passado, de ex-administradores da TAP acusados de administração danosa.

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De um dia para o outro, tornou-se uma espécie de inimigo público nº 1 da Nação. É o homem do «caso Moderna», o escândalo criminal e financeiro que abalou a sociedade e a política portuguesas em 1999. José Braga Gonçalves, advogado, começa a ser julgado na próxima quarta-feira. Os que lidaram com ele afirmam que não passa de um «caso clínico de megalomania». Talvez tenha sonhado ser um «cappo» italiano, mas na verdade explorava o dinheiro de uma universidade. E, acima de tudo, adorava dar nas vistas.

Texto de Ana Paula Azevedo O seu nome tornou-se maldito. Os poucos, amigos ou inimigos, que aceitaram falar dele puseram como condição o anonimato. Não é para menos, pois José Braga Gonçalves aparece recorrentemente nos jornais e na televisão desde Fevereiro de 1999, pelos piores motivos: acusações de associação criminosa, gestão danosa, apropriação ilícita, burla qualificada e falsificação de documentos, relativas à época em que geriu a Universidade Moderna, cujo património terá delapidado em pouco mais de dois anos. A estas acusações, acrescentam-se as suspeitas nunca esclarecidas - mas que vingaram na opinião pública - de que algo mais haverá. E algo mais seria «só» tráfico de armas, de droga e até de mulheres. O seu nome tornou-se maldito. Os poucos, amigos ou inimigos, que aceitaram falar dele puseram como condição o anonimato. Não é para menos, pois José Braga Gonçalves aparece recorrentemente nos jornais e na televisão desde Fevereiro de 1999, pelos piores motivos: acusações de associação criminosa, gestão danosa, apropriação ilícita, burla qualificada e falsificação de documentos, relativas à época em que geriu a Universidade Moderna, cujo património terá delapidado em pouco mais de dois anos. A estas acusações, acrescentam-se as suspeitas nunca esclarecidas - mas que vingaram na opinião pública - de que algo mais haverá. E algo mais seria «só» tráfico de armas, de droga e até de mulheres. Na descrição dos amigos e de outros que com ele privaram, tudo isto não passa, porém, de uma construção colectiva, de um verdadeiro mito. Como afirma um seu antigo colaborador, «ele teria adorado ser um verdadeiro 'cappo' italiano, traficante de droga e de armas.» Mas para isso é preciso haver um certo secretismo «e ele punha-se a fazer corridas de Ferrari na Quinta do Lago e a pagar jantares de centenas de contos...» Na verdade, asseguram, José Braga era um advogado «normal», com algum sucesso, habituado a inventar esquemas e a viver «à grande». Na Moderna, ter-se-á deixado «deslumbrar» pelo dinheiro que geria, e que era muito. A partir daí, mergulhou na vertigem: o seu objectivo de vida era «ter hoje mais dinheiro do que tinha ontem», mostrar que comprava tudo e todos, ser reconhecido como um entre os poderosos. Ou seja, um verdadeiro «caso clínico de megalomania» - argumento, aliás, que o seu advogado apresentou ao tribunal, sustentado em pareceres dos psiquiatras que o acompanham. Segundo estes, José Braga «não é capaz de tratar adequadamente dos seus interesses pessoais ou patrimoniais» e padece de uma «irresistível compulsão» para a «prodigalidade». A avaliar pelo processo judicial, muitos pactuaram com essa «prodigalidade», ou simplesmente beneficiaram dela. José António Braga dos Reis Gonçalves nasceu em 31 de Dezembro de 1959, na freguesia de Alcântara, em Lisboa. É o filho mais velho de José Júlio e de Maria Isabel Gonçalves, que tiveram mais três filhos: Isabel (jurista), João (empresário de restauração) e Pedro (que cursou Sociologia). O pai (o ex-reitor da Moderna, hoje com 73 anos) é beirão, natural de Pampilhosa da Serra, e um homem que subiu na vida a pulso. Trabalhou como funcionário dos Correios enquanto estudava, tendo ingressado no Instituto Superior de Estudos Ultramarinos (que tinha por finalidade formar o pessoal civil da administração das colónias portuguesas e do então Ministério da Marinha e Ultramar). José António Braga dos Reis Gonçalves nasceu em 31 de Dezembro de 1959, na freguesia de Alcântara, em Lisboa. É o filho mais velho de José Júlio e de Maria Isabel Gonçalves, que tiveram mais três filhos: Isabel (jurista), João (empresário de restauração) e Pedro (que cursou Sociologia). O pai (o ex-reitor da Moderna, hoje com 73 anos) é beirão, natural de Pampilhosa da Serra, e um homem que subiu na vida a pulso. Trabalhou como funcionário dos Correios enquanto estudava, tendo ingressado no Instituto Superior de Estudos Ultramarinos (que tinha por finalidade formar o pessoal civil da administração das colónias portuguesas e do então Ministério da Marinha e Ultramar). No Instituto, sob a direcção de Adriano Moreira, Júlio Gonçalves foi um dos assistentes enviados ao estrangeiro para fazerem o doutoramento, tendo completado o seu, em Ciências Políticas, na Universidade de Madrid. Na década de 50, ingressou no Exército e foi analista de informação nos serviços militares de informações. Entretanto, casou com Isabel, filha de um médico e oriunda de Vila Nova da Barquinha, no Ribatejo. Quando o primeiro filho nasceu, o casal já estava instalado na Rua 1º de Maio (zona de Alcântara). José teve como padrinho Raul Ventura, amigo da família e conhecido especialista em Direito Comercial, em cujo escritório faria mais tarde o estágio de advocacia. O pai fez questão de colocar os quatro filhos no Colégio Alemão. No 25 de Abril, foi um dos professores saneados do instituto - rebaptizado de Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP). A vida da família Gonçalves repartia-se então entre a morada habitual e uma casa de fim-de-semana em Rana, na Parede, na Rua Palmira Bastos. O «Zé Gonçalves» era um dos mais velhos do grupo de miúdos que por ali se juntavam e já dava nas vistas. «Era uma espécie de líder nato: o que mais influenciava os outros, o que tinha mais namoradas», recorda um amigo. As motas eram uma ambição de qualquer jovem, e o passatempo preferido dar a volta à serra de Sintra, «em marcha acelerada», às vezes em corridas e ao despique. Na memória de alguns ficaram também as tardes passadas em casa do «tio Bragas» - um irmão solteiro da mãe de Zé Gonçalves, médico especializado em doenças do Ultramar e que vivia na Rua de Pedrouços, onde tinha consultório. As conversas, os livros, as prendas eram um chamariz para o grupo de amigos. JOÃO CARLOS SANTOS José Braga, acusado de gestão danosa na Moderna Ainda todos tinham semanada e já o «Zé Gonçalves» tinha furado na vida: fluente no alemão, arranjava uns dinheiros extra trabalhando como intérprete e guia de convidados de empresas alemãs. Depressa arranjou um carro e já andava na universidade quando se tornaram célebres os fins-de-semana que organizava numa casa da família materna, em Vila Nova da Barquinha. Minucioso, distribuía os quartos e organizava as refeições, assegurando dias bem passados. Os amigos gabam-lhe esta faceta de «anfitrião», que faz «as pessoas juntarem-se à sua volta com muita facilidade». Ainda todos tinham semanada e já o «Zé Gonçalves» tinha furado na vida: fluente no alemão, arranjava uns dinheiros extra trabalhando como intérprete e guia de convidados de empresas alemãs. Depressa arranjou um carro e já andava na universidade quando se tornaram célebres os fins-de-semana que organizava numa casa da família materna, em Vila Nova da Barquinha. Minucioso, distribuía os quartos e organizava as refeições, assegurando dias bem passados. Os amigos gabam-lhe esta faceta de «anfitrião», que faz «as pessoas juntarem-se à sua volta com muita facilidade». No início dos anos 80, um grupo de professores - entre os quais, José Júlio Gonçalves, Gonçalves Proença, Soares Martinez e Martins da Cruz - avançou com a primeira universidade privada: a Livre, com sede num palacete ao cimo da Rua Vítor Cordon, em Lisboa. José Braga entrou para Direito, no ano lectivo de 1980/81. A gestão da universidade foi várias vezes posta em causa. No início de 1985, alunos e professores mostraram o seu descontentamento pelas salas de aula exíguas e lotadas, e pelos preços praticados. Numa reunião em casa de Martinez, discutiu-se o rumo a seguir. José Braga levantou a voz e defendeu: «Só há uma solução: a acção directa.» Os professores hesitaram, mas acabaram por dar luz verde. No dia seguinte, um grupo de 24 alunos ocupou à força as instalações da Livre e José Braga foi um dos líderes. Só saíram uma semana depois, quando os professores arranjaram novas instalações e garantias de autorização do Governo para fazerem uma nova universidade - surgindo assim a Lusíada. Já então José Braga era o filho dilecto de Júlio Gonçalves, que nele se revia e depositava grandes esperanças. Jovem e bem parecido, o filho dominava o alemão, o inglês e o francês, e começou a trabalhar, ainda antes de ter concluído a licenciatura, no escritório de Raul Ventura - um dos consultores jurídicos mais requisitados pelos Governos de Cavaco Silva, além de advogado de nomeada. José Braga adquiriu aí muitos conhecimentos e experiência na área das sociedades. Chegou a ser convidado pela RTP, para comentar questões jurídicas. Com a mulher, Teresa, numa das faustosas festas no Paço da Glória Em 1994, José Braga e três colegas - Carlos Amaro, Isabel Martins e Ana Bruno (sua antiga namorada) - decidiram dar o salto e instalaram-se por conta própria num escritório do edifício Espaço Chiado. Os quatro faziam praticamente só Direito Comercial, representando muitas empresas candidatas a obras públicas. Numa área até aí dominada pelos técnicos e pelos engenheiros, a acção dos advogados tornou-se preciosa, detectando as falhas e os erros jurídicos da promoção dos concursos, passíveis de pedidos de anulação em tribunal. José Braga continuava um mãos-largas: «Se encontrava um amigo sem fazer nada, dizia-lhe logo para ir trabalhar com ele, que lhe arranjava clientes.» Rapidamente, o escritório encheu e cresceu. Entretanto, casou com Maria Teresa de Sá Coutinho Ribeiro da Cunha, filha de um médico e neta dos condes de Aurora pelo lado da mãe. Muito do que fez, assegura-se, terá sido «para mostrar à família da mulher que estava à altura». Com Teresa, teve dois filhos. Em 1994, José Braga e três colegas - Carlos Amaro, Isabel Martins e Ana Bruno (sua antiga namorada) - decidiram dar o salto e instalaram-se por conta própria num escritório do edifício Espaço Chiado. Os quatro faziam praticamente só Direito Comercial, representando muitas empresas candidatas a obras públicas. Numa área até aí dominada pelos técnicos e pelos engenheiros, a acção dos advogados tornou-se preciosa, detectando as falhas e os erros jurídicos da promoção dos concursos, passíveis de pedidos de anulação em tribunal. José Braga continuava um mãos-largas: «Se encontrava um amigo sem fazer nada, dizia-lhe logo para ir trabalhar com ele, que lhe arranjava clientes.» Rapidamente, o escritório encheu e cresceu. Entretanto, casou com Maria Teresa de Sá Coutinho Ribeiro da Cunha, filha de um médico e neta dos condes de Aurora pelo lado da mãe. Muito do que fez, assegura-se, terá sido «para mostrar à família da mulher que estava à altura». Com Teresa, teve dois filhos. Anos antes, em Outubro de 1986, o pai e outros professores tinham abandonado a Lusíada e avançado com a cooperativa Dinensino, de que também foi membro fundador. A Universidade Moderna só abriu as portas no ano lectivo de 1989/90 e José Braga entrou para assistente, dando aulas de Introdução ao Direito. «Era um yuppie, mas dos anos 90», recorda um seu antigo aluno, descrevendo-o como «uma figura que encantava». Residia então num condomínio da Quinta da Marinha, na Rua dos Faisões, e aparentava ganhar bem. Por isso, a família e outros que lhe estavam próximos dizem não ter estranhado quando começou a fazer grandes gastos. Terá sido nos primeiros anos da década de 90 que José Braga ingressou na Maçonaria, na Grande Loja Regular de Portugal (GLRP), tornando-se venerável da Loja General Gomes Freire de Andrade. O grão-mestre era Fernando Teixeira, de quem José Braga era advogado. Com a renúncia de Teixeira, em Outubro de 1996, Luís Nandin de Carvalho sucedeu-lhe no lugar, num processo conturbado que causou uma cisão entre os maçons. José Braga liderou o grupo contra Nandin, acusado de ter praticado diversas irregularidades, como a consagração de uma loja no Porto e o envio de três funcionários, alegadamente do SIS, para estudarem o sistema de segurança da Casa do Sino, em Cascais (uma das instalações da GLRP). As acusações foram negadas por Nandin, que também era professor na Moderna e membro da Dinensino. Enquanto movia uma guerra sem tréguas a Nandin, José Braga assumiu a gestão da Moderna. Contratou seguranças privados e estes, uniformizados com camuflados paramilitares, tornaram-se uma presença intimidatória para alunos e professores. O clima tornou-se tenso e houve mesmo suspeitas de escutas e de perseguições a alunos e a professores. Em Novembro de 1996, José Braga deu o passo decisivo: num almoço com membros da direcção da universidade, acusou o gestor da cooperativa, Vieira Machado (ex-administrador da RTP e então já administrador da Expo-98), de desviar dinheiro. VISÃO Na primeira detenção, com o pai, no início de 2000 Um mês depois, na noite de 6 para 7 de Dezembro, pôs novamente em prática o princípio da «acção directa» e mandou os seguranças ocupar à força a Casa do Sino, para afastar Nandin. José Medeiros tornou-se o novo grão-mestre e José Braga seu adjunto, com o pelouro das relações internacionais. A universidade passou então a suportar a renda mensal de 550 contos da Casa do Sino, bem como inúmeras viagens de delegações de maçons ao estrangeiro. Um mês depois, na noite de 6 para 7 de Dezembro, pôs novamente em prática o princípio da «acção directa» e mandou os seguranças ocupar à força a Casa do Sino, para afastar Nandin. José Medeiros tornou-se o novo grão-mestre e José Braga seu adjunto, com o pelouro das relações internacionais. A universidade passou então a suportar a renda mensal de 550 contos da Casa do Sino, bem como inúmeras viagens de delegações de maçons ao estrangeiro. Vieira Machado acabou por sair da universidade, com um acordo e uma indemnização de dezenas de milhar de contos. Pelo mesmo sistema foi obtida a saída de Nandin e de outras pessoas da cooperativa, revertendo as respectivas quotas a favor de Júlio Gonçalves. Após uma assembleia-geral, controlada pela família Gonçalves, o irmão João foi nomeado director de «marketing» e o irmão Pedro director para a aquisição de equipamentos. José Júlio tornou-se presidente da cooperativa e José Braga secretário. Assumida a gestão da Moderna, colocou lá funcionários da sua confiança. Os assuntos da universidade e os do seu escritório passaram então a ser uma e a mesma coisa. «Ele deu-se conta de que a universidade era altamente rentável e, cheio de ambição, achou que Vieira Machado, o pai e todos os outros da direcção tinham um espírito miserabilista, que aquilo podia ser uma coisa 'em grande'», conta um ex-colega. Entre 1989 e 1997, a Moderna passou de 819 alunos para 11.350, com propinas mensais na ordem dos 35 a 40 contos. José Braga mandou efectuar obras de mais de meio milhão de contos, gastou outro meio milhão em publicidade (só em 1997) e contratou políticos, magistrados e artistas para o quadro de professores. Entre o Espaço Chiado e a Moderna, em Belém, iam e vinham funcionários, transportando documentos, cheques da Dinensino e facturas de fornecedores. Os esquemas de retirada de dinheiro baseavam-se no saque de cheques à Dinensino, endossados depois a empresas fornecedoras ou de que José Braga era proprietário. E também facturas de fornecedores com valores inflacionados, de forma a retirar comissões. Carlos Bruno, solicitador que trabalhava com José Braga, contou à PJ que o «viu no 16º Cartório, quando da escritura da sua casa das Amoreiras, com uma caixa de telemóvel SIM Telecel cheia de dinheiro, pensa que com 20 mil contos». «Outra vez», acrescentou, «no escritório, foi-lhe pedido que depositasse dinheiro que estava dentro de uma caixa de Ballantines, com uma quantia não inferior a 5 mil contos». Recordou ainda que José Braga «ofereceu as viagens de lua-de-mel» (ao Peru e às Maldivas) a dois advogados seus colegas. E que «no Natal eram sorteadas no escritório viagens ou fins-de-semana em Pousadas de Portugal». Por seu turno, José Esteves afirmou à PJ que José Braga «era um indivíduo que fazia coisas muito estranhas»: uma noite, fez-se passar por inspector da polícia e, com os seguranças, mandava parar os carros na rua da sua casa, para controlar quem ali pretendia circular. As loucuras foram por aí fora: tornou a Moderna accionista da TVI e de jornais, comprou carros atrás de carros, o Paço da Glória (um palácio em Arcos de Valdevez, Ponte de Lima) e um terreno na Quinta Pãtino, fretou um avião por dois mil contos, para ir a Paris com amigos, e gastou milhares de contos em férias na Quinta do Lago, pagando jantares a conhecidos e desconhecidos, nos mais caros restaurantes da zona. Tornou-se então famoso um episódio num restaurante de Lisboa, onde também tinha uma conta-corrente. Quando o gerente lhe lembrou que a conta já ia em 700 contos, José Braga terá estendido o cartão de crédito: «Ponha também as contas dos senhores que estão aqui e pague-se de mil...» Numa quarta-feira, dia 4 de Fevereiro de 1999, o «Diário de Notícias» anunciou em manchete que o SIS estava a investigar a Moderna. A partir daí foram notícias atrás de notícias sobre os súbitos sinais de riqueza e as figuras públicas que estavam ou tinham passado pela universidade. Esta passou a estar no centro de tudo: o fim da AD, que levou o PSD a mudar de líder, a demissão do director da PJ (Fernando Negrão, acusado de violação de segredo de Justiça pelo procurador-geral da República) e as guerras na Maçonaria, com Nandin de Carvalho a acusar José Braga de tráfico de armas e de droga. Em duas semanas, os advogados do Espaço Chiado debandaram e fecharam o escritório. José Braga largou a universidade e refugiou-se no seu andar nas Amoreiras. Passou a viver à conta de familiares e também da boa-vontade do novo dirigente da Dinensino, Rui Albuquerque, seu amigo de longa data e a quem durante meses mandou facturas de gasolina e de refeições para pagar. Ainda hoje há quem se lembre de ter ouvido um amigo dizer a José Braga, no dia em que soube que assumira a gestão da Moderna: «Se te deixam tocar em cheques, ainda acabas preso.» Bastaram menos de três anos para a profecia se cumprir. Desde Junho de 2001 que José e o irmão João estão detidos na zona prisional da PJ. Trabalham na biblioteca e José dá esporadicamente umas aulas de viola a outros detidos. Recusou sempre prestar declarações à PJ e deu apenas duas entrevistas: uma ao Expresso, em que se justificou com os seus «rendimentos bastante elevados», e outra ao «Independente», em que disse ser «difícil, a esta distância, fazer mea culpa», apesar de reconhecer que «foram cometidos muitos erros». 23

Números do processo 50 é o número de volumes que já compõem o processo-crime sobre os negócios ilícitos da antiga administração da Universidade Moderna, instaurado em 1999; 54 buscas foram efectuadas até Junho de 2000 pelos investigadores da Direcção Central de Investigação da Corrupção e Criminalidade Económica e Financeira (DCICCEF) da Polícia Judiciária — altura em que entregaram o relatório final do inquérito ao Ministério Público (MP); 182 é o total de crimes de apropriação ilícita imputados pelo MP a 10 dos 13 arguidos. Ou seja, a acusação descreve 182 situações em que esses ex-dirigentes da Moderna usaram em proveito próprio dinheiro da Universidade. O recordista é José Braga Gonçalves, ex-secretário-geral-adjunto da instituição, com 65 apropriações ilícitas, seguido de José Vitoriano, o ex-tesoureiro, com 60; 173 mil contos (€ 863 mil) foi o montante gasto pela Moderna em pagamentos de cartões de crédito, entre 1997 e 1999; 2 milhões de contos (€10 milhões) é, de acordo com a acusação, o valor mínimo do prejuízo causado pelos arguidos aos cofres da Universidade Moderna; 57 cartões de crédito foram distribuídos por 15 titulares — os membros da direcção da universidade e cooperadores da Dinensino. Eram cartões do BES (Banco Espírito Santo) e da CGD (Caixa Geral de Depósitos); 51 carros topo de gama foram adquiridos pela direcção da Dinensino, entre Outubro de 1996 e Dezembro de 1998. Muitas das viaturas eram de marcas de luxo: Ferrari, Mercedes, Jaguar e Porsche. Foram utilizadas não só por dirigentes e cooperadores, mas também por pessoas com relações profissionais ou de amizade a José Braga Gonçalves; 59 mil contos (€ 293 mil) foi o preço das viagens oferecidas pela Dinensino a 102 pessoas, portuguesas e estrangeiras, que tinham ligações à Universidade Moderna, ao escritório de advogados de José Braga Gonçalves e/ou a lojas maçónicas.

Os juízes Maria Manuela Barracosa, 57 anos, é a juiz-presidente do colectivo que vai julgar o «caso Moderna». Natural de Lisboa, só ingressou na magistratura, como estagiária, em 1987, aos 43 anos. Antes disso trabalhou no sector bancário. Após passar pelas comarcas de Mafra e Oliveira do Hospital, entrou como juíza de Direito no Tribunal de Alcácer do Sal, em 1989. Passou depois pelas comarcas de Cascais, Sintra, Almada e pela 5ª vara criminal de Lisboa (1995 a 1998). Em Setembro de 2001 regressa à Boa-Hora, à 8ª vara, vinda do Tribunal de Trabalho de Sintra. Com uma atitude discreta, tem obtido boas classificações nas inspecções feitas pelo Conselho Superior da Magistratura. Integrou o colectivo de magistrados responsável pelo julgamento e condenação dos «skinheads» que agrediram até à morte o angolano Alcino Monteiro, em Junho de 1995. Ricardo Manuel Cardoso, 44 anos, natural de Angola, é o juiz mais conhecido deste colectivo. Nos 18 anos de trabalho como magistrado passou 16 no Tribunal da Boa-Hora, onde já julgou vários arguidos mediáticos, dos quais se destacam os das FP-25 e o ex-governador de Macau Carlos Melancia. No célebre processo do fax, onde estava em causa um crime de corrupção, Ricardo Cardoso foi o responsável pela caução de 50 mil contos aplicada a Melancia para aguardar o julgamento em liberdade. E subscreveu um voto de vencido no acórdão que ditou a absolvição. Conhecido pelo seu rigor, orgulha-se de não ter processos em atraso. Jorge Manuel Raposo, 43 anos, é colega de curso de Manuela Barracosa. Natural de Lisboa, também ingressou na magistratura, como estagiário, em 1987. Trabalhou nas comarcas do Seixal, Ferreira do Zêzere, Elvas, Barreiro e Cascais como auxiliar. E em 1993 assume funções de juiz de Direito no Tribunal de Vila Franca de Xira. Passa depois pelos juízos criminais de Cascais e pelo Tribunal de Execução de Penas de Lisboa. É colocado na 8ª vara da Boa-Hora em Julho de 1998, trabalhando desde então com Ricardo Cardoso. Actualmente, trabalha no julgamento, iniciado em Outubro passado, de ex-administradores da TAP acusados de administração danosa.

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