EXPRESSO

23-06-2004
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O sobrevivente Portugal conhece Paulo Teixeira como lutador contra a adversidade e a tragédia. Mas o autarca de Castelo de Paiva tem também um lado menos consensual

Alterar tamanho LUIZ CARVALHO

Desde então, e graças a uma presença regular nos telejornais, passa a ser companhia frequente do jantar dos portugueses. Apesar da fama, apesar da perda de privacidade, apesar do pesadelo em que se transformou a sua vida enquanto presidente de um até aí obscuro concelho do interior, Paulo Teixeira mantém um sonho na aparência modesto, mas de uma importância que considera transcendente: colocar Castelo de Paiva a meia hora do Porto e da auto-estrada em Santa Maria da Feira. Outros desejos, se os tem, não os confessa.

DERROTADO NA DISTRITAL DO PSD

Menos de dois anos depois do desabamento da ponte sobre o Douro, Paulo Teixeira e uma representante dos trabalhadores da Clark são recebidos no consulado britânico no Porto Os amigos mais próximos dividem-se. Uns dizem que as suas ambições se esgotam na transformação do concelho colocado no mapa por tragédias várias. Outros prevêem-lhe um futuro mais intenso, porventura com outros cargos políticos e partidários. Para já, candidatou-se à presidência da distrital de Aveiro do PSD e perdeu. Por poucos votos, frisa. Tal como quando, em 1993, pela primeira vez concorreu à Câmara de Castelo de Paiva. Em 14 mil eleitores, ficou a 993 votos do vencedor, Antero Gaspar, agora deputado e ex-governador civil de Aveiro.

Paulo e Antero têm uma relação difícil, pontuada por várias idas a tribunal do autarca, acusado de difamação por Antero. Num dos processos foi condenado ao pagamento de uma indemnização. Nesse mesmo ano decide casar e faz o primeiro grande investimento da sua vida ao comprar o andar onde ainda reside. No segundo processo foi condenado e depois absolvido pela Relação do Porto. Por tudo isso, Antero Gaspar prefere nem falar do seu adversário político. Tem medo das palavras, ele que um dia deixou lavrada em acta da reunião da Câmara a acusação de que o então vereador Paulo era «um lobo vestido com pele de cordeiro».

Robert De Niro protagonizou em tempos um filme intitulado Ninguém É Santo. Talvez essa seja uma definição ajustável a este jovem presidente visto pelo país como um herói solitário em luta contra todas as adversidades que os homens e a Natureza lhe lançam ao caminho. Ainda apanhou as réstias da crise provocada pelo fecho das minas do Pejão. Carregou aos ombros todo o desenvolvimento da tragédia da morte de mais de meia centena de habitantes do seu concelho na sequência da queda da ponte Hintze Ribeiro. Agora debate-se com um grave problema de desemprego, decorrente do fecho da multinacional inglesa Clark. Tudo isto tem gerado um clima de unanimidade em torno da figura de Paulo, o que, de alguma forma, abafa a voz de quem se lhe opõe.

Rui Paiva, membro da Assembleia Municipal de Castelo de Paiva, eleito pelo PS, reconhece «a forma muito hábil como se relaciona com a comunicação social, que o trata, em geral, de forma acrítica». Admite, por isso, ter uma leitura do comportamento do presidente da Câmara «diferente da esmagadora maioria das pessoas», desconhecedoras dos enredos da vivência local.

Por exemplo, a circunstância de Paulo Teixeira estar a braços com mais uma investigação provocada pela queixa apresentada pelo seu antecessor na presidência, Joaquim Quintas, e por Antero Gaspar, relativa à venda do chamado Campo do Gigante, um terreno que fora da mãe do autarca e para onde estava programada a construção das estruturas da feira de Castelo de Paiva. Ou o processo por difamação — a que não são alheias divergências em questões de gestão urbanística — que lhe foi movido pelo arquitecto da autarquia, Luís Campos Teixeira.

Surgem, também, acusações de perseguição política, traduzida no silenciamento de jornalistas mais incómodos. Emanuel Dâmaso, ex-director de informação da Rádio Independente Paivense, afirma ter sido impedido de exercer a sua actividade de jornalista «depois de desentendimentos com Paulo Teixeira e a partir do momento em que uma facção afecta ao PSD local tomou conta da direcção da cooperativa que governa a rádio».

Há ainda a investigação em curso na Polícia Judiciária, originada por uma acção do presidente da Junta de Freguesia de Raiva, António Rodrigues, que acusa Paulo Teixeira de, pouco antes das eleições autárquicas de 2001, ter falsificado a sua assinatura numa queixa enviada à IGAT com denúncias de supostas irregularidades cometidas pelos anteriores presidentes de Câmara socialistas. Ou, até, como afirma Rui Paiva, o facto de «ele ter cavalgado a tragédia da ponte para tentar assassinar politicamente algumas pessoas de quem não gostava».

Com olheiras, voz arrastada pelo cansaço das múltiplas reuniões no Porto ou em Lisboa, Paulo Teixeira encara as acusações com um sorriso breve. Prefere considerar fundamental a existência de uma oposição, por obrigar «a fiscalização permanente e a uma atenção contínua a todos os actos praticados». Toda a vida foi um resistente e sempre se viu como um sobrevivente.

Paulo num jantar com Marques Mendes, e com a mulher, Arminda Emociona-se ainda ao falar do desastre da ponte, sobretudo porque quando caminhava para aquele precipício, por entre gritos de desespero, o marulhar das águas, as correrias loucas de gente confundida, só conseguia recordar-se do dia 5 de Março de 1981. Tinha então 17 anos e era o mais velho dos dois filhos de um casal residente no Porto. O pai, Strecht Teixeira, então com 44 anos, numa das suas habituais deslocações a Aveiro, morre num acidente de carro em Ovar, no desguarnecido cruzamento entre a Ria e o Furadouro. Foi a última de uma impressionante série de mortes naquele local. A seguir surgiram, por fim, verbas necessárias à construção de uma rotunda.

SEM DINHEIRO PARA AS QUOTAS

Paulo com a mulher, Arminda, e o filho, João Paulo Também em Castelo de Paiva só a a desgraça teve o poder de atrair mais investimento público. Aquela morte marca-o e molda-lhe a personalidade. Rouba-lhe a adolescência e transforma-o num adulto precoce. Obriga-o a tomar decisões inesperadas, como quando, poucos dias após o funeral do pai — ex-presidente da Assembleia Municipal de Castelo de Paiva, ex-chefe da secção de atletismo do FC Porto, contemporâneo de Francisco Sá Carneiro no Colégio Almeida Garrett —, decide perguntar à mãe, a professora primária Ivone Ramalheira, se pretende que abandone a escola para tentar encontrar trabalho e assim ajudar ao sustento da casa.

Foram momentos difíceis. Doeu-lhe deixar de ser sócio do FC Porto por não ter 250 escudos para pagar a quota. Custou-lhe ter de recorrer à feira de Vandoma para amealhar uns dinheiros extra. Não esquece a circunstância de a morte do pai lhe ter proporcionado um novo conceito de amizade, tantas foram as desilusões.

Nascido e criado no Porto, onde viveu 31 anos, começa por aprender pela Cartilha de João de Deus, no jardim-escola com o nome do poeta, passa pelo Asilo Profissional do Terço, como externo, e o 25 de Abril apanha-o na 4ª Classe. Depois de frequentar várias escolas secundárias da cidade, entra para o ISCAP e tira o curso de Contabilidade. Mais tarde conclui a licenciatura no Instituto Superior de Gestão e Administração.

Quando se aproxima das leituras, aproveita a paixão pela política cultivada pelo pai e do muito que lê guarda duas memórias muito fortes: Portugal e o Futuro, de António de Spínola, e A Revolução dos Cravos, de Otelo Saraiva de Carvalho. Com uma parte da família muito virada à esquerda, ao ponto de dois tios, José Gaspar Teixeira e Flávio Martins — que lhe deixou a sua biblioteca — terem pertencido ao Comité Central do PCP, acaba por seguir a influência paterna e filia-se no PSD.

A troca do que parecia ser uma vida bem sucedida no meio empresarial pelo apelo de Castelo de Paiva — na altura da sua primeira candidatura trabalhava directamente com Américo Amorim — ainda hoje intriga e provoca admiração em amigos mais chegados. Na versão de Paulo, a história desta opção remonta a um fim-de-semana de Abril de 1993. Durante uma das suas esporádicas visitas a Castelo de Paiva, encontra o presidente da concelhia do PSD que o leva a tomar café e o convida a candidatar-se, porque existiam oito candidatos a candidatos e, para tentar vencer o PS, seria preferível alguém sem passado político na terra. A ligação de Paulo ao concelho resumia-se à memória do pai, que já falecera há 12 anos. Um mês depois, por um voto, o seu nome é aprovado e está na forja um político cuja experiência partidária, até ali, fora apenas a de ajudar o progenitor a colar uns cartazes.

Com a exacta noção de ser um desconhecido, ao ponto de a sua candidatura ter dividido ainda mais o já espartilhado PSD local, Paulo esboça uma estratégia. Aproxima-se o Verão e sabe que o concelho realiza um total de 35 festas populares. Corre-as todas. Uma a uma. Depois vai a votos. Desde logo decide contrariar a orientação de Cavaco para que nenhum candidato derrotado tomasse posse como vereador. Nunes Liberato, então secretário-geral do PSD, telefona-lhe a tentar demovê-lo, mas não consegue contrariar a convicção de alguém sobre a impossibilidade de defraudar mais de 40% dos eleitores, que lhe haviam confiado o voto.

CANDIDATO A DINOSSAURO?

Por tudo isso, o empresário textil e amigo Manuel Serrão considera-o «muito genuíno quando aparece a defender o seu concelho» e admite que nunca quererá ser mais do que o presidente da câmara de Castelo de Paiva. Lopes de Almeida, o médico presidente da Assembleia Municipal, classifica-o de «obsessivo» no modo como se entrega aos problemas. Álvaro Santos, presidente da concelhia do PSD de Ovar e acompanhante de Paulo na lista derrotada nas eleições para a distrital de Aveiro, vê-o como «um homem de causas, que sempre lutou muito sozinho». Ao contrário de Serrão, não o vê «enterrado» em Castelo de Paiva. Enquanto os adversários políticos o apontam já como provável dinossauro autárquico, Álvaro detecta, neste presidente que tem em Marques Mendes um verdadeiro mentor político e ideológico, ambição bastante para ir mais longe. Na madrugada do acidente, o agora ministro dos Assuntos Parlamentares foi das primeiras figuras públicas a chegar a Castelo de Paiva, impondo-se como uma espécie de sombra de Paulo.

Neste momento a frequentar o curso de auditor de Defesa Nacional, Paulo Teixeira assume-se como partidário da limitação de mandatos, mas não revela o seu projecto pessoal. Limita-se a dizer que só descansará quando o concelho estiver a meia hora do Porto. Isso poderá ser possível em 2006 ou 2007, face aos investimentos em curso. Há, de resto, um número curioso. Segundo o presidente da Câmara, entre 25 de Abril de 1974 e 4 de Março de 2001, o Estado investiu em Castelo de Paiva 5,7 milhões de contos. Nos últimos 18 meses, foram postos no terreno projectos que implicam um investimento de 22 milhões de contos. «A tragédia colocou Castelo de Paiva no mapa, captou um volume de obras que está a transformar por completo o concelho e antecipa em mais de uma década o que seria o ritmo normal de desenvolvimento», diz.

A sua grande obsessão é, agora, encontrar colocação para os despedidos da Clark. Pelo meio confronta-se com mais uma polémica em torno do protocolo assinado com a multinacional e do qual decorreriam algumas garantias. Chegou a acená-lo nas televisões, mas rapidamente se percebeu que o documento não tinha qualquer valor legal e, no máximo, comprometia a empresa a ressarcir a autarquia do investimento de pouco mais de 3 mil contos na construção de um armazém caso abandonasse Castelo de Paiva antes de 2006. «Ou muito ou pouco, este é o único protocolo que existe», responde.

Sempre evasivo quanto ao futuro, só admite que em 2015 dificilmente continuará a será presidente da Câmara. O que deixa implícita a convicção de que, caso assim o entenda, ninguém conseguirá afastá-lo da autarquia antes de meados da próxima década. Na noite de 4 de Março de 2001, enquanto um grupo de excursionistas se preparava para atravessar a ponte que os deixaria a poucos minutos do fim de uma longa viagem, Paulo Teixeira, 39 anos, presidente da Câmara Municipal de Castelo de Paiva, passava o serão em casa dos sogros, a 500 metros daquela velha estrutura de ligação entre as duas margens do Douro. Paulo não fora às Antas para assistir à vitória do FC Porto sobre o Farense por 2-0. Pensara ver o jogo pela televisão. No exacto momento em que se deslocava da cozinha para a sala de estar, onde acompanharia os habituais comentários de Marcelo Rebelo de Sousa na TVI, toca o telemóvel. É um amigo a comunicar-lhe um acidente na Ponte Hintze Ribeiro. Movido mais pela curiosidade que por qualquer percepção da tragédia, sai à rua convencido que estará de volta em poucos minutos. Engana-se. Passarão dois dias até voltar a ver a mulher e o filho recém-nascido. Durante um mês, a zona do acidente é o local onde monta tenda e recebe 19 membros do Governo. Nesse espaço transforma-se no mais conhecido dos autarcas portugueses. As televisões captam-lhe o discurso desassombrado, as denúncias cortantes, o tom de revolta numa voz quantas vezes tolhida pela emoção.Desde então, e graças a uma presença regular nos telejornais, passa a ser companhia frequente do jantar dos portugueses. Apesar da fama, apesar da perda de privacidade, apesar do pesadelo em que se transformou a sua vida enquanto presidente de um até aí obscuro concelho do interior, Paulo Teixeira mantém um sonho na aparência modesto, mas de uma importância que considera transcendente: colocar Castelo de Paiva a meia hora do Porto e da auto-estrada em Santa Maria da Feira. Outros desejos, se os tem, não os confessa.Os amigos mais próximos dividem-se. Uns dizem que as suas ambições se esgotam na transformação do concelho colocado no mapa por tragédias várias. Outros prevêem-lhe um futuro mais intenso, porventura com outros cargos políticos e partidários. Para já, candidatou-se à presidência da distrital de Aveiro do PSD e perdeu. Por poucos votos, frisa. Tal como quando, em 1993, pela primeira vez concorreu à Câmara de Castelo de Paiva. Em 14 mil eleitores, ficou a 993 votos do vencedor, Antero Gaspar, agora deputado e ex-governador civil de Aveiro.Paulo e Antero têm uma relação difícil, pontuada por várias idas a tribunal do autarca, acusado de difamação por Antero. Num dos processos foi condenado ao pagamento de uma indemnização. Nesse mesmo ano decide casar e faz o primeiro grande investimento da sua vida ao comprar o andar onde ainda reside. No segundo processo foi condenado e depois absolvido pela Relação do Porto. Por tudo isso, Antero Gaspar prefere nem falar do seu adversário político. Tem medo das palavras, ele que um dia deixou lavrada em acta da reunião da Câmara a acusação de que o então vereador Paulo era».Robert De Niro protagonizou em tempos um filme intitulado. Talvez essa seja uma definição ajustável a este jovem presidente visto pelo país como um herói solitário em luta contra todas as adversidades que os homens e a Natureza lhe lançam ao caminho. Ainda apanhou as réstias da crise provocada pelo fecho das minas do Pejão. Carregou aos ombros todo o desenvolvimento da tragédia da morte de mais de meia centena de habitantes do seu concelho na sequência da queda da ponte Hintze Ribeiro. Agora debate-se com um grave problema de desemprego, decorrente do fecho da multinacional inglesa Clark. Tudo isto tem gerado um clima de unanimidade em torno da figura de Paulo, o que, de alguma forma, abafa a voz de quem se lhe opõe.Rui Paiva, membro da Assembleia Municipal de Castelo de Paiva, eleito pelo PS, reconhece». Admite, por isso, ter uma leitura do comportamento do presidente da Câmara», desconhecedoras dos enredos da vivência local.Por exemplo, a circunstância de Paulo Teixeira estar a braços com mais uma investigação provocada pela queixa apresentada pelo seu antecessor na presidência, Joaquim Quintas, e por Antero Gaspar, relativa à venda do chamado Campo do Gigante, um terreno que fora da mãe do autarca e para onde estava programada a construção das estruturas da feira de Castelo de Paiva. Ou o processo por difamação — a que não são alheias divergências em questões de gestão urbanística — que lhe foi movido pelo arquitecto da autarquia, Luís Campos Teixeira.Surgem, também, acusações de perseguição política, traduzida no silenciamento de jornalistas mais incómodos. Emanuel Dâmaso, ex-director de informação da Rádio Independente Paivense, afirma ter sido impedido de exercer a sua actividade de jornalista «».Há ainda a investigação em curso na Polícia Judiciária, originada por uma acção do presidente da Junta de Freguesia de Raiva, António Rodrigues, que acusa Paulo Teixeira de, pouco antes das eleições autárquicas de 2001, ter falsificado a sua assinatura numa queixa enviada à IGAT com denúncias de supostas irregularidades cometidas pelos anteriores presidentes de Câmara socialistas. Ou, até, como afirma Rui Paiva, o facto de».Com olheiras, voz arrastada pelo cansaço das múltiplas reuniões no Porto ou em Lisboa, Paulo Teixeira encara as acusações com um sorriso breve. Prefere considerar fundamental a existência de uma oposição, por obrigar». Toda a vida foi um resistente e sempre se viu como um sobrevivente.Emociona-se ainda ao falar do desastre da ponte, sobretudo porque quando caminhava para aquele precipício, por entre gritos de desespero, o marulhar das águas, as correrias loucas de gente confundida, só conseguia recordar-se do dia 5 de Março de 1981. Tinha então 17 anos e era o mais velho dos dois filhos de um casal residente no Porto. O pai, Strecht Teixeira, então com 44 anos, numa das suas habituais deslocações a Aveiro, morre num acidente de carro em Ovar, no desguarnecido cruzamento entre a Ria e o Furadouro. Foi a última de uma impressionante série de mortes naquele local. A seguir surgiram, por fim, verbas necessárias à construção de uma rotunda.Também em Castelo de Paiva só a a desgraça teve o poder de atrair mais investimento público. Aquela morte marca-o e molda-lhe a personalidade. Rouba-lhe a adolescência e transforma-o num adulto precoce. Obriga-o a tomar decisões inesperadas, como quando, poucos dias após o funeral do pai — ex-presidente da Assembleia Municipal de Castelo de Paiva, ex-chefe da secção de atletismo do FC Porto, contemporâneo de Francisco Sá Carneiro no Colégio Almeida Garrett —, decide perguntar à mãe, a professora primária Ivone Ramalheira, se pretende que abandone a escola para tentar encontrar trabalho e assim ajudar ao sustento da casa.Foram momentos difíceis. Doeu-lhe deixar de ser sócio do FC Porto por não ter 250 escudos para pagar a quota. Custou-lhe ter de recorrer à feira de Vandoma para amealhar uns dinheiros extra. Não esquece a circunstância de a morte do pai lhe ter proporcionado um novo conceito de amizade, tantas foram as desilusões.Nascido e criado no Porto, onde viveu 31 anos, começa por aprender pelade João de Deus, no jardim-escola com o nome do poeta, passa pelo Asilo Profissional do Terço, como externo, e o 25 de Abril apanha-o na 4ª Classe. Depois de frequentar várias escolas secundárias da cidade, entra para o ISCAP e tira o curso de Contabilidade. Mais tarde conclui a licenciatura no Instituto Superior de Gestão e Administração.Quando se aproxima das leituras, aproveita a paixão pela política cultivada pelo pai e do muito que lê guarda duas memórias muito fortes:, de António de Spínola, e, de Otelo Saraiva de Carvalho. Com uma parte da família muito virada à esquerda, ao ponto de dois tios, José Gaspar Teixeira e Flávio Martins — que lhe deixou a sua biblioteca — terem pertencido ao Comité Central do PCP, acaba por seguir a influência paterna e filia-se no PSD.A troca do que parecia ser uma vida bem sucedida no meio empresarial pelo apelo de Castelo de Paiva — na altura da sua primeira candidatura trabalhava directamente com Américo Amorim — ainda hoje intriga e provoca admiração em amigos mais chegados. Na versão de Paulo, a história desta opção remonta a um fim-de-semana de Abril de 1993. Durante uma das suas esporádicas visitas a Castelo de Paiva, encontra o presidente da concelhia do PSD que o leva a tomar café e o convida a candidatar-se, porque existiam oito candidatos a candidatos e, para tentar vencer o PS, seria preferível alguém sem passado político na terra. A ligação de Paulo ao concelho resumia-se à memória do pai, que já falecera há 12 anos. Um mês depois, por um voto, o seu nome é aprovado e está na forja um político cuja experiência partidária, até ali, fora apenas a de ajudar o progenitor a colar uns cartazes.Com a exacta noção de ser um desconhecido, ao ponto de a sua candidatura ter dividido ainda mais o já espartilhado PSD local, Paulo esboça uma estratégia. Aproxima-se o Verão e sabe que o concelho realiza um total de 35 festas populares. Corre-as todas. Uma a uma. Depois vai a votos. Desde logo decide contrariar a orientação de Cavaco para que nenhum candidato derrotado tomasse posse como vereador. Nunes Liberato, então secretário-geral do PSD, telefona-lhe a tentar demovê-lo, mas não consegue contrariar a convicção de alguém sobre a impossibilidade de defraudar mais de 40% dos eleitores, que lhe haviam confiado o voto.Por tudo isso, o empresário textil e amigo Manuel Serrão considera-oe admite que nunca quererá ser mais do que o presidente da câmara de Castelo de Paiva. Lopes de Almeida, o médico presidente da Assembleia Municipal, classifica-o deno modo como se entrega aos problemas. Álvaro Santos, presidente da concelhia do PSD de Ovar e acompanhante de Paulo na lista derrotada nas eleições para a distrital de Aveiro, vê-o como». Ao contrário de Serrão, não o vê» em Castelo de Paiva. Enquanto os adversários políticos o apontam já como provável dinossauro autárquico, Álvaro detecta, neste presidente que tem em Marques Mendes um verdadeiro mentor político e ideológico, ambição bastante para ir mais longe. Na madrugada do acidente, o agora ministro dos Assuntos Parlamentares foi das primeiras figuras públicas a chegar a Castelo de Paiva, impondo-se como uma espécie de sombra de Paulo.Neste momento a frequentar o curso de auditor de Defesa Nacional, Paulo Teixeira assume-se como partidário da limitação de mandatos, mas não revela o seu projecto pessoal. Limita-se a dizer que só descansará quando o concelho estiver a meia hora do Porto. Isso poderá ser possível em 2006 ou 2007, face aos investimentos em curso. Há, de resto, um número curioso. Segundo o presidente da Câmara, entre 25 de Abril de 1974 e 4 de Março de 2001, o Estado investiu em Castelo de Paiva 5,7 milhões de contos. Nos últimos 18 meses, foram postos no terreno projectos que implicam um investimento de 22 milhões de contos.», diz.A sua grande obsessão é, agora, encontrar colocação para os despedidos da Clark. Pelo meio confronta-se com mais uma polémica em torno do protocolo assinado com a multinacional e do qual decorreriam algumas garantias. Chegou a acená-lo nas televisões, mas rapidamente se percebeu que o documento não tinha qualquer valor legal e, no máximo, comprometia a empresa a ressarcir a autarquia do investimento de pouco mais de 3 mil contos na construção de um armazém caso abandonasse Castelo de Paiva antes de 2006. «responde.Sempre evasivo quanto ao futuro, só admite que em 2015 dificilmente continuará a será presidente da Câmara. O que deixa implícita a convicção de que, caso assim o entenda, ninguém conseguirá afastá-lo da autarquia antes de meados da próxima década. Texto de Valdemar Cruz

Os comentários constituem um espaço aberto à participação dos leitores. O EXPRESSO reserva-se, no entanto, o direito de não publicar opiniões ofensivas da dignidade dos visados ou que contenham expressões obscenas. E-mail:

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O sobrevivente Portugal conhece Paulo Teixeira como lutador contra a adversidade e a tragédia. Mas o autarca de Castelo de Paiva tem também um lado menos consensual

Alterar tamanho LUIZ CARVALHO

Desde então, e graças a uma presença regular nos telejornais, passa a ser companhia frequente do jantar dos portugueses. Apesar da fama, apesar da perda de privacidade, apesar do pesadelo em que se transformou a sua vida enquanto presidente de um até aí obscuro concelho do interior, Paulo Teixeira mantém um sonho na aparência modesto, mas de uma importância que considera transcendente: colocar Castelo de Paiva a meia hora do Porto e da auto-estrada em Santa Maria da Feira. Outros desejos, se os tem, não os confessa.

DERROTADO NA DISTRITAL DO PSD

Menos de dois anos depois do desabamento da ponte sobre o Douro, Paulo Teixeira e uma representante dos trabalhadores da Clark são recebidos no consulado britânico no Porto Os amigos mais próximos dividem-se. Uns dizem que as suas ambições se esgotam na transformação do concelho colocado no mapa por tragédias várias. Outros prevêem-lhe um futuro mais intenso, porventura com outros cargos políticos e partidários. Para já, candidatou-se à presidência da distrital de Aveiro do PSD e perdeu. Por poucos votos, frisa. Tal como quando, em 1993, pela primeira vez concorreu à Câmara de Castelo de Paiva. Em 14 mil eleitores, ficou a 993 votos do vencedor, Antero Gaspar, agora deputado e ex-governador civil de Aveiro.

Paulo e Antero têm uma relação difícil, pontuada por várias idas a tribunal do autarca, acusado de difamação por Antero. Num dos processos foi condenado ao pagamento de uma indemnização. Nesse mesmo ano decide casar e faz o primeiro grande investimento da sua vida ao comprar o andar onde ainda reside. No segundo processo foi condenado e depois absolvido pela Relação do Porto. Por tudo isso, Antero Gaspar prefere nem falar do seu adversário político. Tem medo das palavras, ele que um dia deixou lavrada em acta da reunião da Câmara a acusação de que o então vereador Paulo era «um lobo vestido com pele de cordeiro».

Robert De Niro protagonizou em tempos um filme intitulado Ninguém É Santo. Talvez essa seja uma definição ajustável a este jovem presidente visto pelo país como um herói solitário em luta contra todas as adversidades que os homens e a Natureza lhe lançam ao caminho. Ainda apanhou as réstias da crise provocada pelo fecho das minas do Pejão. Carregou aos ombros todo o desenvolvimento da tragédia da morte de mais de meia centena de habitantes do seu concelho na sequência da queda da ponte Hintze Ribeiro. Agora debate-se com um grave problema de desemprego, decorrente do fecho da multinacional inglesa Clark. Tudo isto tem gerado um clima de unanimidade em torno da figura de Paulo, o que, de alguma forma, abafa a voz de quem se lhe opõe.

Rui Paiva, membro da Assembleia Municipal de Castelo de Paiva, eleito pelo PS, reconhece «a forma muito hábil como se relaciona com a comunicação social, que o trata, em geral, de forma acrítica». Admite, por isso, ter uma leitura do comportamento do presidente da Câmara «diferente da esmagadora maioria das pessoas», desconhecedoras dos enredos da vivência local.

Por exemplo, a circunstância de Paulo Teixeira estar a braços com mais uma investigação provocada pela queixa apresentada pelo seu antecessor na presidência, Joaquim Quintas, e por Antero Gaspar, relativa à venda do chamado Campo do Gigante, um terreno que fora da mãe do autarca e para onde estava programada a construção das estruturas da feira de Castelo de Paiva. Ou o processo por difamação — a que não são alheias divergências em questões de gestão urbanística — que lhe foi movido pelo arquitecto da autarquia, Luís Campos Teixeira.

Surgem, também, acusações de perseguição política, traduzida no silenciamento de jornalistas mais incómodos. Emanuel Dâmaso, ex-director de informação da Rádio Independente Paivense, afirma ter sido impedido de exercer a sua actividade de jornalista «depois de desentendimentos com Paulo Teixeira e a partir do momento em que uma facção afecta ao PSD local tomou conta da direcção da cooperativa que governa a rádio».

Há ainda a investigação em curso na Polícia Judiciária, originada por uma acção do presidente da Junta de Freguesia de Raiva, António Rodrigues, que acusa Paulo Teixeira de, pouco antes das eleições autárquicas de 2001, ter falsificado a sua assinatura numa queixa enviada à IGAT com denúncias de supostas irregularidades cometidas pelos anteriores presidentes de Câmara socialistas. Ou, até, como afirma Rui Paiva, o facto de «ele ter cavalgado a tragédia da ponte para tentar assassinar politicamente algumas pessoas de quem não gostava».

Com olheiras, voz arrastada pelo cansaço das múltiplas reuniões no Porto ou em Lisboa, Paulo Teixeira encara as acusações com um sorriso breve. Prefere considerar fundamental a existência de uma oposição, por obrigar «a fiscalização permanente e a uma atenção contínua a todos os actos praticados». Toda a vida foi um resistente e sempre se viu como um sobrevivente.

Paulo num jantar com Marques Mendes, e com a mulher, Arminda Emociona-se ainda ao falar do desastre da ponte, sobretudo porque quando caminhava para aquele precipício, por entre gritos de desespero, o marulhar das águas, as correrias loucas de gente confundida, só conseguia recordar-se do dia 5 de Março de 1981. Tinha então 17 anos e era o mais velho dos dois filhos de um casal residente no Porto. O pai, Strecht Teixeira, então com 44 anos, numa das suas habituais deslocações a Aveiro, morre num acidente de carro em Ovar, no desguarnecido cruzamento entre a Ria e o Furadouro. Foi a última de uma impressionante série de mortes naquele local. A seguir surgiram, por fim, verbas necessárias à construção de uma rotunda.

SEM DINHEIRO PARA AS QUOTAS

Paulo com a mulher, Arminda, e o filho, João Paulo Também em Castelo de Paiva só a a desgraça teve o poder de atrair mais investimento público. Aquela morte marca-o e molda-lhe a personalidade. Rouba-lhe a adolescência e transforma-o num adulto precoce. Obriga-o a tomar decisões inesperadas, como quando, poucos dias após o funeral do pai — ex-presidente da Assembleia Municipal de Castelo de Paiva, ex-chefe da secção de atletismo do FC Porto, contemporâneo de Francisco Sá Carneiro no Colégio Almeida Garrett —, decide perguntar à mãe, a professora primária Ivone Ramalheira, se pretende que abandone a escola para tentar encontrar trabalho e assim ajudar ao sustento da casa.

Foram momentos difíceis. Doeu-lhe deixar de ser sócio do FC Porto por não ter 250 escudos para pagar a quota. Custou-lhe ter de recorrer à feira de Vandoma para amealhar uns dinheiros extra. Não esquece a circunstância de a morte do pai lhe ter proporcionado um novo conceito de amizade, tantas foram as desilusões.

Nascido e criado no Porto, onde viveu 31 anos, começa por aprender pela Cartilha de João de Deus, no jardim-escola com o nome do poeta, passa pelo Asilo Profissional do Terço, como externo, e o 25 de Abril apanha-o na 4ª Classe. Depois de frequentar várias escolas secundárias da cidade, entra para o ISCAP e tira o curso de Contabilidade. Mais tarde conclui a licenciatura no Instituto Superior de Gestão e Administração.

Quando se aproxima das leituras, aproveita a paixão pela política cultivada pelo pai e do muito que lê guarda duas memórias muito fortes: Portugal e o Futuro, de António de Spínola, e A Revolução dos Cravos, de Otelo Saraiva de Carvalho. Com uma parte da família muito virada à esquerda, ao ponto de dois tios, José Gaspar Teixeira e Flávio Martins — que lhe deixou a sua biblioteca — terem pertencido ao Comité Central do PCP, acaba por seguir a influência paterna e filia-se no PSD.

A troca do que parecia ser uma vida bem sucedida no meio empresarial pelo apelo de Castelo de Paiva — na altura da sua primeira candidatura trabalhava directamente com Américo Amorim — ainda hoje intriga e provoca admiração em amigos mais chegados. Na versão de Paulo, a história desta opção remonta a um fim-de-semana de Abril de 1993. Durante uma das suas esporádicas visitas a Castelo de Paiva, encontra o presidente da concelhia do PSD que o leva a tomar café e o convida a candidatar-se, porque existiam oito candidatos a candidatos e, para tentar vencer o PS, seria preferível alguém sem passado político na terra. A ligação de Paulo ao concelho resumia-se à memória do pai, que já falecera há 12 anos. Um mês depois, por um voto, o seu nome é aprovado e está na forja um político cuja experiência partidária, até ali, fora apenas a de ajudar o progenitor a colar uns cartazes.

Com a exacta noção de ser um desconhecido, ao ponto de a sua candidatura ter dividido ainda mais o já espartilhado PSD local, Paulo esboça uma estratégia. Aproxima-se o Verão e sabe que o concelho realiza um total de 35 festas populares. Corre-as todas. Uma a uma. Depois vai a votos. Desde logo decide contrariar a orientação de Cavaco para que nenhum candidato derrotado tomasse posse como vereador. Nunes Liberato, então secretário-geral do PSD, telefona-lhe a tentar demovê-lo, mas não consegue contrariar a convicção de alguém sobre a impossibilidade de defraudar mais de 40% dos eleitores, que lhe haviam confiado o voto.

CANDIDATO A DINOSSAURO?

Por tudo isso, o empresário textil e amigo Manuel Serrão considera-o «muito genuíno quando aparece a defender o seu concelho» e admite que nunca quererá ser mais do que o presidente da câmara de Castelo de Paiva. Lopes de Almeida, o médico presidente da Assembleia Municipal, classifica-o de «obsessivo» no modo como se entrega aos problemas. Álvaro Santos, presidente da concelhia do PSD de Ovar e acompanhante de Paulo na lista derrotada nas eleições para a distrital de Aveiro, vê-o como «um homem de causas, que sempre lutou muito sozinho». Ao contrário de Serrão, não o vê «enterrado» em Castelo de Paiva. Enquanto os adversários políticos o apontam já como provável dinossauro autárquico, Álvaro detecta, neste presidente que tem em Marques Mendes um verdadeiro mentor político e ideológico, ambição bastante para ir mais longe. Na madrugada do acidente, o agora ministro dos Assuntos Parlamentares foi das primeiras figuras públicas a chegar a Castelo de Paiva, impondo-se como uma espécie de sombra de Paulo.

Neste momento a frequentar o curso de auditor de Defesa Nacional, Paulo Teixeira assume-se como partidário da limitação de mandatos, mas não revela o seu projecto pessoal. Limita-se a dizer que só descansará quando o concelho estiver a meia hora do Porto. Isso poderá ser possível em 2006 ou 2007, face aos investimentos em curso. Há, de resto, um número curioso. Segundo o presidente da Câmara, entre 25 de Abril de 1974 e 4 de Março de 2001, o Estado investiu em Castelo de Paiva 5,7 milhões de contos. Nos últimos 18 meses, foram postos no terreno projectos que implicam um investimento de 22 milhões de contos. «A tragédia colocou Castelo de Paiva no mapa, captou um volume de obras que está a transformar por completo o concelho e antecipa em mais de uma década o que seria o ritmo normal de desenvolvimento», diz.

A sua grande obsessão é, agora, encontrar colocação para os despedidos da Clark. Pelo meio confronta-se com mais uma polémica em torno do protocolo assinado com a multinacional e do qual decorreriam algumas garantias. Chegou a acená-lo nas televisões, mas rapidamente se percebeu que o documento não tinha qualquer valor legal e, no máximo, comprometia a empresa a ressarcir a autarquia do investimento de pouco mais de 3 mil contos na construção de um armazém caso abandonasse Castelo de Paiva antes de 2006. «Ou muito ou pouco, este é o único protocolo que existe», responde.

Sempre evasivo quanto ao futuro, só admite que em 2015 dificilmente continuará a será presidente da Câmara. O que deixa implícita a convicção de que, caso assim o entenda, ninguém conseguirá afastá-lo da autarquia antes de meados da próxima década. Na noite de 4 de Março de 2001, enquanto um grupo de excursionistas se preparava para atravessar a ponte que os deixaria a poucos minutos do fim de uma longa viagem, Paulo Teixeira, 39 anos, presidente da Câmara Municipal de Castelo de Paiva, passava o serão em casa dos sogros, a 500 metros daquela velha estrutura de ligação entre as duas margens do Douro. Paulo não fora às Antas para assistir à vitória do FC Porto sobre o Farense por 2-0. Pensara ver o jogo pela televisão. No exacto momento em que se deslocava da cozinha para a sala de estar, onde acompanharia os habituais comentários de Marcelo Rebelo de Sousa na TVI, toca o telemóvel. É um amigo a comunicar-lhe um acidente na Ponte Hintze Ribeiro. Movido mais pela curiosidade que por qualquer percepção da tragédia, sai à rua convencido que estará de volta em poucos minutos. Engana-se. Passarão dois dias até voltar a ver a mulher e o filho recém-nascido. Durante um mês, a zona do acidente é o local onde monta tenda e recebe 19 membros do Governo. Nesse espaço transforma-se no mais conhecido dos autarcas portugueses. As televisões captam-lhe o discurso desassombrado, as denúncias cortantes, o tom de revolta numa voz quantas vezes tolhida pela emoção.Desde então, e graças a uma presença regular nos telejornais, passa a ser companhia frequente do jantar dos portugueses. Apesar da fama, apesar da perda de privacidade, apesar do pesadelo em que se transformou a sua vida enquanto presidente de um até aí obscuro concelho do interior, Paulo Teixeira mantém um sonho na aparência modesto, mas de uma importância que considera transcendente: colocar Castelo de Paiva a meia hora do Porto e da auto-estrada em Santa Maria da Feira. Outros desejos, se os tem, não os confessa.Os amigos mais próximos dividem-se. Uns dizem que as suas ambições se esgotam na transformação do concelho colocado no mapa por tragédias várias. Outros prevêem-lhe um futuro mais intenso, porventura com outros cargos políticos e partidários. Para já, candidatou-se à presidência da distrital de Aveiro do PSD e perdeu. Por poucos votos, frisa. Tal como quando, em 1993, pela primeira vez concorreu à Câmara de Castelo de Paiva. Em 14 mil eleitores, ficou a 993 votos do vencedor, Antero Gaspar, agora deputado e ex-governador civil de Aveiro.Paulo e Antero têm uma relação difícil, pontuada por várias idas a tribunal do autarca, acusado de difamação por Antero. Num dos processos foi condenado ao pagamento de uma indemnização. Nesse mesmo ano decide casar e faz o primeiro grande investimento da sua vida ao comprar o andar onde ainda reside. No segundo processo foi condenado e depois absolvido pela Relação do Porto. Por tudo isso, Antero Gaspar prefere nem falar do seu adversário político. Tem medo das palavras, ele que um dia deixou lavrada em acta da reunião da Câmara a acusação de que o então vereador Paulo era».Robert De Niro protagonizou em tempos um filme intitulado. Talvez essa seja uma definição ajustável a este jovem presidente visto pelo país como um herói solitário em luta contra todas as adversidades que os homens e a Natureza lhe lançam ao caminho. Ainda apanhou as réstias da crise provocada pelo fecho das minas do Pejão. Carregou aos ombros todo o desenvolvimento da tragédia da morte de mais de meia centena de habitantes do seu concelho na sequência da queda da ponte Hintze Ribeiro. Agora debate-se com um grave problema de desemprego, decorrente do fecho da multinacional inglesa Clark. Tudo isto tem gerado um clima de unanimidade em torno da figura de Paulo, o que, de alguma forma, abafa a voz de quem se lhe opõe.Rui Paiva, membro da Assembleia Municipal de Castelo de Paiva, eleito pelo PS, reconhece». Admite, por isso, ter uma leitura do comportamento do presidente da Câmara», desconhecedoras dos enredos da vivência local.Por exemplo, a circunstância de Paulo Teixeira estar a braços com mais uma investigação provocada pela queixa apresentada pelo seu antecessor na presidência, Joaquim Quintas, e por Antero Gaspar, relativa à venda do chamado Campo do Gigante, um terreno que fora da mãe do autarca e para onde estava programada a construção das estruturas da feira de Castelo de Paiva. Ou o processo por difamação — a que não são alheias divergências em questões de gestão urbanística — que lhe foi movido pelo arquitecto da autarquia, Luís Campos Teixeira.Surgem, também, acusações de perseguição política, traduzida no silenciamento de jornalistas mais incómodos. Emanuel Dâmaso, ex-director de informação da Rádio Independente Paivense, afirma ter sido impedido de exercer a sua actividade de jornalista «».Há ainda a investigação em curso na Polícia Judiciária, originada por uma acção do presidente da Junta de Freguesia de Raiva, António Rodrigues, que acusa Paulo Teixeira de, pouco antes das eleições autárquicas de 2001, ter falsificado a sua assinatura numa queixa enviada à IGAT com denúncias de supostas irregularidades cometidas pelos anteriores presidentes de Câmara socialistas. Ou, até, como afirma Rui Paiva, o facto de».Com olheiras, voz arrastada pelo cansaço das múltiplas reuniões no Porto ou em Lisboa, Paulo Teixeira encara as acusações com um sorriso breve. Prefere considerar fundamental a existência de uma oposição, por obrigar». Toda a vida foi um resistente e sempre se viu como um sobrevivente.Emociona-se ainda ao falar do desastre da ponte, sobretudo porque quando caminhava para aquele precipício, por entre gritos de desespero, o marulhar das águas, as correrias loucas de gente confundida, só conseguia recordar-se do dia 5 de Março de 1981. Tinha então 17 anos e era o mais velho dos dois filhos de um casal residente no Porto. O pai, Strecht Teixeira, então com 44 anos, numa das suas habituais deslocações a Aveiro, morre num acidente de carro em Ovar, no desguarnecido cruzamento entre a Ria e o Furadouro. Foi a última de uma impressionante série de mortes naquele local. A seguir surgiram, por fim, verbas necessárias à construção de uma rotunda.Também em Castelo de Paiva só a a desgraça teve o poder de atrair mais investimento público. Aquela morte marca-o e molda-lhe a personalidade. Rouba-lhe a adolescência e transforma-o num adulto precoce. Obriga-o a tomar decisões inesperadas, como quando, poucos dias após o funeral do pai — ex-presidente da Assembleia Municipal de Castelo de Paiva, ex-chefe da secção de atletismo do FC Porto, contemporâneo de Francisco Sá Carneiro no Colégio Almeida Garrett —, decide perguntar à mãe, a professora primária Ivone Ramalheira, se pretende que abandone a escola para tentar encontrar trabalho e assim ajudar ao sustento da casa.Foram momentos difíceis. Doeu-lhe deixar de ser sócio do FC Porto por não ter 250 escudos para pagar a quota. Custou-lhe ter de recorrer à feira de Vandoma para amealhar uns dinheiros extra. Não esquece a circunstância de a morte do pai lhe ter proporcionado um novo conceito de amizade, tantas foram as desilusões.Nascido e criado no Porto, onde viveu 31 anos, começa por aprender pelade João de Deus, no jardim-escola com o nome do poeta, passa pelo Asilo Profissional do Terço, como externo, e o 25 de Abril apanha-o na 4ª Classe. Depois de frequentar várias escolas secundárias da cidade, entra para o ISCAP e tira o curso de Contabilidade. Mais tarde conclui a licenciatura no Instituto Superior de Gestão e Administração.Quando se aproxima das leituras, aproveita a paixão pela política cultivada pelo pai e do muito que lê guarda duas memórias muito fortes:, de António de Spínola, e, de Otelo Saraiva de Carvalho. Com uma parte da família muito virada à esquerda, ao ponto de dois tios, José Gaspar Teixeira e Flávio Martins — que lhe deixou a sua biblioteca — terem pertencido ao Comité Central do PCP, acaba por seguir a influência paterna e filia-se no PSD.A troca do que parecia ser uma vida bem sucedida no meio empresarial pelo apelo de Castelo de Paiva — na altura da sua primeira candidatura trabalhava directamente com Américo Amorim — ainda hoje intriga e provoca admiração em amigos mais chegados. Na versão de Paulo, a história desta opção remonta a um fim-de-semana de Abril de 1993. Durante uma das suas esporádicas visitas a Castelo de Paiva, encontra o presidente da concelhia do PSD que o leva a tomar café e o convida a candidatar-se, porque existiam oito candidatos a candidatos e, para tentar vencer o PS, seria preferível alguém sem passado político na terra. A ligação de Paulo ao concelho resumia-se à memória do pai, que já falecera há 12 anos. Um mês depois, por um voto, o seu nome é aprovado e está na forja um político cuja experiência partidária, até ali, fora apenas a de ajudar o progenitor a colar uns cartazes.Com a exacta noção de ser um desconhecido, ao ponto de a sua candidatura ter dividido ainda mais o já espartilhado PSD local, Paulo esboça uma estratégia. Aproxima-se o Verão e sabe que o concelho realiza um total de 35 festas populares. Corre-as todas. Uma a uma. Depois vai a votos. Desde logo decide contrariar a orientação de Cavaco para que nenhum candidato derrotado tomasse posse como vereador. Nunes Liberato, então secretário-geral do PSD, telefona-lhe a tentar demovê-lo, mas não consegue contrariar a convicção de alguém sobre a impossibilidade de defraudar mais de 40% dos eleitores, que lhe haviam confiado o voto.Por tudo isso, o empresário textil e amigo Manuel Serrão considera-oe admite que nunca quererá ser mais do que o presidente da câmara de Castelo de Paiva. Lopes de Almeida, o médico presidente da Assembleia Municipal, classifica-o deno modo como se entrega aos problemas. Álvaro Santos, presidente da concelhia do PSD de Ovar e acompanhante de Paulo na lista derrotada nas eleições para a distrital de Aveiro, vê-o como». Ao contrário de Serrão, não o vê» em Castelo de Paiva. Enquanto os adversários políticos o apontam já como provável dinossauro autárquico, Álvaro detecta, neste presidente que tem em Marques Mendes um verdadeiro mentor político e ideológico, ambição bastante para ir mais longe. Na madrugada do acidente, o agora ministro dos Assuntos Parlamentares foi das primeiras figuras públicas a chegar a Castelo de Paiva, impondo-se como uma espécie de sombra de Paulo.Neste momento a frequentar o curso de auditor de Defesa Nacional, Paulo Teixeira assume-se como partidário da limitação de mandatos, mas não revela o seu projecto pessoal. Limita-se a dizer que só descansará quando o concelho estiver a meia hora do Porto. Isso poderá ser possível em 2006 ou 2007, face aos investimentos em curso. Há, de resto, um número curioso. Segundo o presidente da Câmara, entre 25 de Abril de 1974 e 4 de Março de 2001, o Estado investiu em Castelo de Paiva 5,7 milhões de contos. Nos últimos 18 meses, foram postos no terreno projectos que implicam um investimento de 22 milhões de contos.», diz.A sua grande obsessão é, agora, encontrar colocação para os despedidos da Clark. Pelo meio confronta-se com mais uma polémica em torno do protocolo assinado com a multinacional e do qual decorreriam algumas garantias. Chegou a acená-lo nas televisões, mas rapidamente se percebeu que o documento não tinha qualquer valor legal e, no máximo, comprometia a empresa a ressarcir a autarquia do investimento de pouco mais de 3 mil contos na construção de um armazém caso abandonasse Castelo de Paiva antes de 2006. «responde.Sempre evasivo quanto ao futuro, só admite que em 2015 dificilmente continuará a será presidente da Câmara. O que deixa implícita a convicção de que, caso assim o entenda, ninguém conseguirá afastá-lo da autarquia antes de meados da próxima década. Texto de Valdemar Cruz

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