A morte que apagou tudo

30-07-2004
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A Morte Que Apagou Tudo

Por JOÃO PEDRO HENRIQUES

Sexta-feira, 11 de Junho de 2004

A morte engoliu tudo. Depois de Sousa Franco cair fulminado por um ataque cardíaco, perto das 10 horas da manhã de anteontem, deixaram de existir os milhares de quilómetros percorridos pela campanha do PS, de há três meses para cá. Ninguém sabe os efeitos que a morte do cabeça-de-lista socialista terão no eleitorado - se é que terão algum. Ninguém sabe que leitura política poderá o PS fazer dos resultados de domingo, sejam eles quais forem. Ninguém sabe que destino pessoal Ferro Rodrigues traçará para si próprio, quer vença quer perca. Desta campanha, ninguém nunca recordará mais nada a não a morte do cabeça de lista e as imagens que a antecederam, na furiosa lota de Matosinhos, com Sousa Franco, descomposto e jogado de um lado para o outro por facções rivais do PS local. Só uma eventual demissão do secretário-geral do PS acrescentará algo à memória destes dias.

Até à fatal manhã de anteontem, a campanha socialista estava a correr razoavelmente bem, só com uma ou outra falha organizativa. O discurso parecia bem articulado entre todos os intervenientes. Sousa Franco revelava-se um talento, tanto nos contactos de rua como no combate político. A sua mulher, Matilde Sousa Franco, quase sempre a seu lado, cativava tudo e todos. O cabeça-de-lista mostrou-se de tal forma eficaz que, num almoço em Santa Marta de Penaguião, o deputado e líder da federação do PS de Vila Real, Ascenso Simões, insinuou a hipótese de Sousa Franco poder vir a constituir um candidato às presidenciais, caso Guterres recuse o desafio. "Sinto-me lisonjeado", disse o cabeça-de-lista; "O professor Sousa Franco pode ser tudo o que desejar ser", acrescentou António Costa, número dois da lista.

Do ponto de vista do discurso, a campanha do PS revelou-se um ensaio para as legislativas (Outubro de 2006), sobretudo para o caso (provável) de o PSD e o CDS/PP concorrerem coligados. Argumento principal: só o PS pode derrotar a coligação; é preciso derrotar a coligação para forçar o Governo a mudar de políticas. Simples. Isto foi dito milhares de vezes em milhares de formulações diferentes.

Tentou-se assim concentrar votos à esquerda. Mas também, ao mesmo tempo, apelar ao eleitorado moderado do chamado (por Sousa Franco) "PSD histórico, europeísta e pluralista". Argumento: a coligação Força Portugal encerra em si mesmo tudo e o seu contrário: tanto o tal "PSD histórico", onde Sousa Franco incluiu João de Deus Pinheiro, como o PP "racista e de extrema-direita", que, no Parlamento Europeu, terá assento numa família parlamentar onde pontificam os neo-fascistas italianos. Dividir para reinar.

À campanha ajudaram, também, os excessos vindos do lado da Força Portugal. Sousa Franco explorou até à exaustão - e com eficácia - referências infelizes de João Almeida (CDS/PP) e Ana Manso (PSD) ao seu defeito no ouvido direito. Disse mesmo que a coligação tinha de pedir desculpas a 636 mil deficientes portugueses e ainda que esse tipo de ironias eram características de pessoas "racistas e de extrema-direita".

Mas em 9 de Junho a morte apagou tudo.

A Morte Que Apagou Tudo

Por JOÃO PEDRO HENRIQUES

Sexta-feira, 11 de Junho de 2004

A morte engoliu tudo. Depois de Sousa Franco cair fulminado por um ataque cardíaco, perto das 10 horas da manhã de anteontem, deixaram de existir os milhares de quilómetros percorridos pela campanha do PS, de há três meses para cá. Ninguém sabe os efeitos que a morte do cabeça-de-lista socialista terão no eleitorado - se é que terão algum. Ninguém sabe que leitura política poderá o PS fazer dos resultados de domingo, sejam eles quais forem. Ninguém sabe que destino pessoal Ferro Rodrigues traçará para si próprio, quer vença quer perca. Desta campanha, ninguém nunca recordará mais nada a não a morte do cabeça de lista e as imagens que a antecederam, na furiosa lota de Matosinhos, com Sousa Franco, descomposto e jogado de um lado para o outro por facções rivais do PS local. Só uma eventual demissão do secretário-geral do PS acrescentará algo à memória destes dias.

Até à fatal manhã de anteontem, a campanha socialista estava a correr razoavelmente bem, só com uma ou outra falha organizativa. O discurso parecia bem articulado entre todos os intervenientes. Sousa Franco revelava-se um talento, tanto nos contactos de rua como no combate político. A sua mulher, Matilde Sousa Franco, quase sempre a seu lado, cativava tudo e todos. O cabeça-de-lista mostrou-se de tal forma eficaz que, num almoço em Santa Marta de Penaguião, o deputado e líder da federação do PS de Vila Real, Ascenso Simões, insinuou a hipótese de Sousa Franco poder vir a constituir um candidato às presidenciais, caso Guterres recuse o desafio. "Sinto-me lisonjeado", disse o cabeça-de-lista; "O professor Sousa Franco pode ser tudo o que desejar ser", acrescentou António Costa, número dois da lista.

Do ponto de vista do discurso, a campanha do PS revelou-se um ensaio para as legislativas (Outubro de 2006), sobretudo para o caso (provável) de o PSD e o CDS/PP concorrerem coligados. Argumento principal: só o PS pode derrotar a coligação; é preciso derrotar a coligação para forçar o Governo a mudar de políticas. Simples. Isto foi dito milhares de vezes em milhares de formulações diferentes.

Tentou-se assim concentrar votos à esquerda. Mas também, ao mesmo tempo, apelar ao eleitorado moderado do chamado (por Sousa Franco) "PSD histórico, europeísta e pluralista". Argumento: a coligação Força Portugal encerra em si mesmo tudo e o seu contrário: tanto o tal "PSD histórico", onde Sousa Franco incluiu João de Deus Pinheiro, como o PP "racista e de extrema-direita", que, no Parlamento Europeu, terá assento numa família parlamentar onde pontificam os neo-fascistas italianos. Dividir para reinar.

À campanha ajudaram, também, os excessos vindos do lado da Força Portugal. Sousa Franco explorou até à exaustão - e com eficácia - referências infelizes de João Almeida (CDS/PP) e Ana Manso (PSD) ao seu defeito no ouvido direito. Disse mesmo que a coligação tinha de pedir desculpas a 636 mil deficientes portugueses e ainda que esse tipo de ironias eram características de pessoas "racistas e de extrema-direita".

Mas em 9 de Junho a morte apagou tudo.

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