Privacidade à portuguesa

17-09-2002
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Privacidade à Portuguesa

Segunda-feira, 9 de Setembro de 2002

Portugal não é um caso dos mais complicados em termos de privacidade e direitos cívicos, a julgar pela leitura do estudo "Privacidade e Direitos Humanos 2002", do Electronic Privacy Information Center (EPIC) e da Privacy International.

O documento analisa o articulado da Constituição Portuguesa no que se refere à protecção da privacidade, o segredo das comunicações e protecção de dados, a Lei da Protecção de Dados Pessoais de 1998, adoptada da directiva comunitária e fiscalizada pela Comissão Nacional de Protecção de Dados (com dados estatísticos e exemplos até 2000), e passa ao de leve pela legislação sobre crime informático, pelo acesso a documentos administrativos ou por outras convenções assinadas por Portugal no âmbito do Conselho da Europa ou da OCDE.

No entanto, não são abordados alguns dos casos ocorridos após o 11 de Setembro. Logo no final desse mês, o governo do então primeiro-ministro António Guterres aprovou, em Conselho de Ministros, uma proposta de lei para modificar a classificação de documentos, visando restringir o acesso a documentos de segurança interna e externa, relações externas e sobre questões económicas e financeiras, bem como de investigação criminal, técnica e científica e sobre a intimidade das pessoas.

As questões polémicas prendiam-se com a classificação das questões económicas e a manutenção da classificação mesmo no âmbito de processos judiciais. Ao PÚBLICO de 19 de Outubro, o deputado João Cravinho (do Partido Socialista), ironizava: "É uma filosofia inspirada noutros casos europeus mas não me parece válida. A não ser que os documentos a esconder dos cidadãos sejam tantos que já não há ministro que chegue para classificar, é preciso desconcentrar." E concluía que "o problema é que isto é para impedir a discussão pública de documentos que deveriam ser debatidos na opinião pública".

Também em Outubro, António Guterres anunciou a intenção de criar uma base nacional de ADN a partir da recolha de elementos como a saliva, unhas ou cabelo - um projecto benéfico "se Portugal se tornar activo e fizer 10 ou 15 anos antes o que inevitavelmente terá de fazer mais tarde", afirmava à agência Lusa o secretário de Estado da Justiça, Diogo Machado, no início de Novembro. A ideia não era nova e tinha sido abordada publicamente por Duarte Nuno Vieira, presidente do Instituto Nacional de Medicina Legal, reclamando um necessário debate público (PÚBLICO de 20-6-2001).

Ainda no âmbito da privacidade na saúde, a Juventude Socialista avançava em Dezembro com um anteprojecto para tornar obrigatório o rastreio de doenças infecto-contagiosas, obrigando a ter um comprovativo de testes realizados ao HIV, às hepatites ou à tuberculose para a emissão ou renovação do bilhete de identidade. A resposta veio novamente de dentro das hostes socialistas, pela deputada Ana Benavente: a proposta é "totalitária e autoritária".

Já neste ano, em Fevereiro, o semanário "Expresso" revelava que a empresa que criou as pulseiras electrónicas para os presos em liberdade condicionada pensa usá-las na saúde (para "doentes que sofrem da doença de Alzheimer ou toxicodependentes em tratamento") ou na educação - "com alunos, nos recreios das escolas e em excursões ou visitas de estudo; neste caso, as pulseiras são substituídas por um aparelho que se pode pendurar ao pescoço".

Em Maio, foi a vez de a Optimus ser processada por um cliente, no âmbito de uma história complicada, em que a operadora telefónica forneceu à Polícia Judiciária uma lista de dados confidenciais de telefonemas do cliente sem que a autoridade policial tivesse apresentado qualquer mandado judicial - apenas um pedido de listagem "imprescindível para a investigação do inquérito-crime", segundo então revelou o "Portugal Diário".

Finalmente, em Agosto, na proposta do novo Código de Trabalho ainda em discussão, o Governo preconiza que as empresas possam exigir informações sobre a vida privada dos trabalhadores e a realização de testes ou exames médicos no caso de eles serem relevantes para a actividade a desempenhar. Embora pareça razoável para certas profissões, a formulação da proposta de lei cria uma situação em que "o candidato a empregado deverá colocar em tribunal a sua futura entidade patronal sempre que considerar que a lei foi ultrapassada", como referia o PÚBLICO a 23 de Agosto último. O que se torna complicado em termos de exames genéticos, algo que as empresas estão impedidas de exigir actualmente.

Qual a importância social destas questões no nosso país? Poucos dias após o 11 de Setembro, metade dos inquiridos numa sondagem da Universidade Católica para o PÚBLICO, a Antena 1 e a RTP considerava que a "vigilância contra o terrorismo tem de aumentar, mesmo que isso afecte as nossas liberdades individuais", enquanto apenas 36,4 por cento respondia à questão com a fórmula "desde que isso não afecte as nossas liberdades individuais" (embora estas não fossem especificadas no inquérito).

P.F.

Privacidade à Portuguesa

Segunda-feira, 9 de Setembro de 2002

Portugal não é um caso dos mais complicados em termos de privacidade e direitos cívicos, a julgar pela leitura do estudo "Privacidade e Direitos Humanos 2002", do Electronic Privacy Information Center (EPIC) e da Privacy International.

O documento analisa o articulado da Constituição Portuguesa no que se refere à protecção da privacidade, o segredo das comunicações e protecção de dados, a Lei da Protecção de Dados Pessoais de 1998, adoptada da directiva comunitária e fiscalizada pela Comissão Nacional de Protecção de Dados (com dados estatísticos e exemplos até 2000), e passa ao de leve pela legislação sobre crime informático, pelo acesso a documentos administrativos ou por outras convenções assinadas por Portugal no âmbito do Conselho da Europa ou da OCDE.

No entanto, não são abordados alguns dos casos ocorridos após o 11 de Setembro. Logo no final desse mês, o governo do então primeiro-ministro António Guterres aprovou, em Conselho de Ministros, uma proposta de lei para modificar a classificação de documentos, visando restringir o acesso a documentos de segurança interna e externa, relações externas e sobre questões económicas e financeiras, bem como de investigação criminal, técnica e científica e sobre a intimidade das pessoas.

As questões polémicas prendiam-se com a classificação das questões económicas e a manutenção da classificação mesmo no âmbito de processos judiciais. Ao PÚBLICO de 19 de Outubro, o deputado João Cravinho (do Partido Socialista), ironizava: "É uma filosofia inspirada noutros casos europeus mas não me parece válida. A não ser que os documentos a esconder dos cidadãos sejam tantos que já não há ministro que chegue para classificar, é preciso desconcentrar." E concluía que "o problema é que isto é para impedir a discussão pública de documentos que deveriam ser debatidos na opinião pública".

Também em Outubro, António Guterres anunciou a intenção de criar uma base nacional de ADN a partir da recolha de elementos como a saliva, unhas ou cabelo - um projecto benéfico "se Portugal se tornar activo e fizer 10 ou 15 anos antes o que inevitavelmente terá de fazer mais tarde", afirmava à agência Lusa o secretário de Estado da Justiça, Diogo Machado, no início de Novembro. A ideia não era nova e tinha sido abordada publicamente por Duarte Nuno Vieira, presidente do Instituto Nacional de Medicina Legal, reclamando um necessário debate público (PÚBLICO de 20-6-2001).

Ainda no âmbito da privacidade na saúde, a Juventude Socialista avançava em Dezembro com um anteprojecto para tornar obrigatório o rastreio de doenças infecto-contagiosas, obrigando a ter um comprovativo de testes realizados ao HIV, às hepatites ou à tuberculose para a emissão ou renovação do bilhete de identidade. A resposta veio novamente de dentro das hostes socialistas, pela deputada Ana Benavente: a proposta é "totalitária e autoritária".

Já neste ano, em Fevereiro, o semanário "Expresso" revelava que a empresa que criou as pulseiras electrónicas para os presos em liberdade condicionada pensa usá-las na saúde (para "doentes que sofrem da doença de Alzheimer ou toxicodependentes em tratamento") ou na educação - "com alunos, nos recreios das escolas e em excursões ou visitas de estudo; neste caso, as pulseiras são substituídas por um aparelho que se pode pendurar ao pescoço".

Em Maio, foi a vez de a Optimus ser processada por um cliente, no âmbito de uma história complicada, em que a operadora telefónica forneceu à Polícia Judiciária uma lista de dados confidenciais de telefonemas do cliente sem que a autoridade policial tivesse apresentado qualquer mandado judicial - apenas um pedido de listagem "imprescindível para a investigação do inquérito-crime", segundo então revelou o "Portugal Diário".

Finalmente, em Agosto, na proposta do novo Código de Trabalho ainda em discussão, o Governo preconiza que as empresas possam exigir informações sobre a vida privada dos trabalhadores e a realização de testes ou exames médicos no caso de eles serem relevantes para a actividade a desempenhar. Embora pareça razoável para certas profissões, a formulação da proposta de lei cria uma situação em que "o candidato a empregado deverá colocar em tribunal a sua futura entidade patronal sempre que considerar que a lei foi ultrapassada", como referia o PÚBLICO a 23 de Agosto último. O que se torna complicado em termos de exames genéticos, algo que as empresas estão impedidas de exigir actualmente.

Qual a importância social destas questões no nosso país? Poucos dias após o 11 de Setembro, metade dos inquiridos numa sondagem da Universidade Católica para o PÚBLICO, a Antena 1 e a RTP considerava que a "vigilância contra o terrorismo tem de aumentar, mesmo que isso afecte as nossas liberdades individuais", enquanto apenas 36,4 por cento respondia à questão com a fórmula "desde que isso não afecte as nossas liberdades individuais" (embora estas não fossem especificadas no inquérito).

P.F.

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