Intervenção do Deputado Bruno Dias

29-09-2003
marcar artigo

Intervenção do Deputado

Bruno Dias

Criação de entidades coordenadoras de transportes

nas regiões metropolitanas de Lisboa e Porto

18 de Setembro de 2002

Sr. Presidente,

Sr.as e Srs. Deputados,

Sr. Ministro Valente de Oliveira,

A importância da matéria que está em apreço justificaria, no nosso entender, e justifica transparência, clareza e abertura no processo legislativo e no debate político. Ora, esta questão que o Sr. Ministro acaba de levantar, no final da sua intervenção, da autorização legislativa, que é o que enforma esta iniciativa da parte do Governo, por razões manifestas de incompatibilidade de processo legislativo, irá, previsivelmente, inviabilizar os dois projectos de lei já apresentados e que lançaram este debate nesta legislatura, e não só — o que é uma preocupação que é imperativo colocar.

De resto, o Governo decidiu há meses uma matéria cujo anteprojecto de decreto-lei concreto apareceu ontem, 20 horas antes do debate em Plenário. A questão já foi abordada pelo Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares — em todo o caso, isto é reduzir o debate, mesmo que involuntariamente. O que é certo é que o debate podia acontecer hoje em melhores condições. Esperamos que, na especialidade, esta matéria seja aprofundada, viabilizando a discussão aberta das várias propostas que estão em presença.

Já agora, no tocante a uma abordagem mais concreta sobre o diploma que o Sr. Ministro nos traz, do anteprojecto que ontem chegou ao princípio da noite, sendo as autoridades, de acordo com o artigo 8.º, 9.º e 12.º do anteprojecto, entidades públicas empresariais com conselhos de administração e contrato individual de trabalho, é ou não verdade, Sr. Ministro, que o regime destas entidades é, afinal e simplesmente, o do um instituto? O tal modelo que o Governo elegeu como alvo primordial de ataque na administração pública, está ou não a ser retomado na criação destas entidades? Sr. Ministro, que novidades tem o Governo para tomar agora como boa esta solução? É a contratação individual, são os processos de decisão? Que motivos para uma decisão deste género?

Para terminar, Sr. Ministro, tem V. Ex.ª presente que o artigo 28.º, n.º 3, alínea d), da Lei de Bases dos Transportes Terrestres, estabelece a representação dos trabalhadores nos órgãos das autoridades metropolitanas de transportes, tal como haviam de ser criadas? E tem em conta, Sr. Ministro, que o anteprojecto do Governo não diz uma única palavra sobre esta matéria? Fala de todos os agentes, menos dos trabalhadores? Gostaria de ouvir da parte do Sr. Ministro uma explicação sobre esta inexistência, sobre esta ausência de referência apenas dos trabalhadores. Gostava que nos desse alguma explicação para isto.

(…)

Senhor Presidente,

Senhoras e Senhores Deputados,

Senhores Membros do Governo

O carácter simbólico dos dias instituídos terá provavelmente motivado o agendamento desta discussão sobre as Autoridades Metropolitanas de Transportes, acertando em pleno na Semana Europeia da Mobilidade, que agora se assinala. Semana essa, aliás, que culminará com a passagem do “Dia Europeu Sem Carros”, no próximo Domingo, dia 22.

O projecto-lei que o PCP apresenta, e a política de transportes que o PCP defende, vão justamente no sentido de contribuir para uma situação que possibilite que todos os dias sejam dias com menos carros. O que, convenhamos, será uma transformação estruturalmente mais significativa.

É tradicional o consenso que se reúne em torno de conceitos tão importantes como a necessidade de diminuir a pressão automobilística nas áreas metropolitanas e grandes centros urbanos, a bem do equilíbrio ambiental, da saúde pública, da economia. E no entanto, os factos demonstram claramente que não temos (há muito tempo que não temos) uma política efectivamente incentivadora da utilização do transporte colectivo.

A defesa do serviço público vai dando lugar à óptica neoliberal da maximização do lucro privado. A privatização dos transportes colectivos não trouxe para os seus utentes nenhuma boa notícia.

Os transportes públicos não correspondem às exigências de qualidade, de conforto – e o que é mais grave, de segurança, em muitos casos – que se colocam a um sector tão estratégico como este para o desenvolvimento económico e a qualidade de vida das populações.

E é assim que chegamos a esta imagem esclarecedora da mobilidade numa área metropolitana como Lisboa: a utilização do transporte individual cresceu de 49% para 62%, contra uma descida de 51% para 38% nos transportes colectivos. E apesar de o número de veículos por mil habitantes ser mais do dobro do que era há 25 anos, a verdade é que cerca de 35% dos agregados familiares não possuem carro – e estão completamente dependentes do sistema de transportes públicos que o País lhes oferece.

Refira-se a este propósito que os passageiros portugueses, com o preço dos bilhetes e passes, são na Europa quem paga maior percentagem dos custos dos transportes públicos. Só este ano, já duas vezes as tarifas sofreram aumentos.

Senhor Presidente,

Senhoras e Senhores Deputados,

Quando realmente se pretende discutir – e agir, com êxito – na promoção e incentivo da utilização do transporte público, certamente que o custo, o acesso a esses transportes não é uma questão menor.

É nesse sentido que desejamos anunciar que o Grupo Parlamentar do PCP apresentará na Assembleia da República um Projecto-Lei que reforça o Passe Social, alargando o seu âmbito e dando maior liberdade de escolha aos seus utilizadores.

Pretendemos assim, salvaguardando a descentralização, permitir o acesso a todos os percursos efectuados por todas as empresas, em coroas mais abrangentes, reduzindo largamente os gastos das famílias com transportes e aproximando as periferias do centro, em termos de custo.

É indesmentível a importância social do Passe Social, importante conquista do 25 de Abril, assim como é importante a articulação, o ordenamento de um quadro actual tão disperso que nos apresenta, por exemplo, só na Área Metropolitana de Lisboa, o extraordinário número de 456 títulos de transporte.

É essencial que se coordene a actuação das entidades que decidem do ordenamento do território, bem como dos próprios operadores.

Daí que seja uma antiga reivindicação do PCP, já desde a década de 70, a criação de instituições coordenadoras dos sistemas de transportes nas Áreas Metropolitanas.

Daí que o PCP apresente o diploma que agora está em discussão: o Projecto-Lei 5/IX, propondo a Criação das Autoridades Metropolitanas de Transportes. Porque é necessário tomar medidas.

Descentralizar os processos de decisão. Trazer mais justiça aos modelos de financiamento existentes. Promover a definição e articulação de estratégias de planeamento para um desenvolvimento sustentado do sector. E desde logo, simplesmente cumprir o que se aponta na Lei de Bases dos Transportes Terrestres.

Por isso, com a clara abertura para acolher em especialidade propostas que permitam aperfeiçoar o diploma, propomos que as Autoridades Metropolitanas de Transportes sejam entidades de gestão participada, em que o Poder Local tenha uma presença efectiva – e representativa – em organismos que contem com a intervenção do Poder Central, dos operadores, dos utentes e dos trabalhadores do sector dos Transportes.

Propomos que estas Autoridades promovam, fiscalizem e actualizem os Planos Metropolitanos de Transportes das respectivas regiões, garantindo a coordenação e execução dos investimentos e financiamentos necessários. Delas sairá a definição de uma política tarifária coerente, incrementando o serviço público de transporte, com a atribuição de competências para gerir e contratar a exploração dos transportes regulares nestas regiões, fixando as indemnizações compensatórias que devam ter lugar.

Em suma, pretendemos com esta proposta que sejam alcançados com eficácia o planeamento, o financiamento e o funcionamento de um modo sustentado dos sistemas de transportes, em articulação com o desenvolvimento urbanístico e o ordenamento do território, atribuindo uma clara prioridade ao transporte colectivo.

Senhor Presidente,

Senhoras e Senhores Deputados,

A par do projecto-lei do PCP, dois outros diplomas estão hoje em apreciação. E se o projecto-lei 11/IX, do Bloco de Esquerda, mereceu já algumas críticas e alertas quanto a insuficiências na representatividade e presença do Poder Local, aspectos que poderão em sede de especialidade merecer contribuições e propostas construtivas, é certo que o documento aponta para caminhos e soluções que vêm aliás ao encontro do essencial das nossas propostas, merecendo ser viabilizado na generalidade.

Por outro lado, a proposta de lei apresentada pelo Governo sobre esta matéria apresenta desde logo um problema quanto à forma: sendo afinal um pedido de autorização legislativa, vem restringir um debate que pode e deve ser amplo e participado, ainda para mais perante propostas concretas. Propostas que precedem inclusive no debate político e no trabalho parlamentar a iniciativa do Governo.

Assim, antes de mais, o desafio que deixamos ao Governo e ao Senhor Ministro é este: aceite e promova uma discussão na especialidade, aberta aos vários partidos e às suas propostas. Até porque se justifica abordar mais em profundidade todo um conjunto de dúvidas, reservas e também críticas muito frontais que o anteprojecto do Governo nos merece.

E existem de facto aspectos que têm de ser esclarecidos. Primeiro, o tipo de instituição que o Governo quer criar. Estabelecido que fica na proposta do Governo que as Autoridades Metropolitanas de Transportes serão organismos independentes, desde que subordinadas à política do Governo em matéria de transportes (!), levantam-se outras questões.

Numa altura em que o frenesim de extinção de Institutos Públicos ainda vai fazendo vítimas na Administração Pública, vem agora o Governo criar aquilo que, na prática, mais não é senão um Instituto disfarçado.

Com carácter de entidade pública empresarial, com um Conselho de Administração em vez de Conselho Executivo, e com um regime de pessoal… típico de uma empresa privada! Assente no contrato individual de trabalho, negando o acesso à Função Pública e aos seus direitos. Basta analisar os artigos 9.º e 12.º do anteprojecto para confirmar o que dizemos.

De resto, há uma característica transversal a este diploma do Governo: o desprezo a que nele são votados os trabalhadores. Tanto os que virão a trabalhar nas Autoridades Metropolitanas de Transportes, como os próprios trabalhadores do sector, a quem é negado o direito de participação nos Conselhos Gerais destas entidades, numa clara e grosseira violação do que é estipulado na própria Lei de Bases.

Senhores Membros do Governo, se não querem reconhecer aos trabalhadores mais e melhores direitos do que aqueles que a Lei estabelece, então o mínimo que se exige é que cumpram e façam cumprir a Legislação em vigor.

E se isto é verdadeiro quanto aos trabalhadores, não é menos em relação ao Poder Local. Nomeadamente com a incerteza com que se estabelece a composição dos órgãos executivo e deliberativo das Autoridades Metropolitanas de Transportes.

Pois se existe uma definição concreta de um Conselho Fiscal, com três membros efectivos e um suplente, nomeados pela tutela e pelo Ministério das Finanças, sendo um dos efectivos e o suplente revisores oficiais de contas; então porquê esta total indefinição quanto à proporcionalidade do órgão executivo e do Conselho Geral?

Que maiorias se poderão constituir nestes organismos? Como serão os processos de decisão, em matérias determinantes para a vida dos próprios municípios?

Não podemos esquecer que o projecto do Governo, atribuindo por um lado às AMTs a pesadíssima tarefa de aplicar a prestação de indemnizações compensatórias aos operadores, pretende por outro lado considerar os orçamentos municipais como fontes de receita dos regimes de financiamento a aplicar. O que levantaria ao Poder Local esta inevitável penalização:

ou esvaziava os cofres municipais,

ou então ficaria com o odioso de cobrar aos munícipes uma taxa de transportes públicos, para pagar aquilo que o Poder Central tem a obrigação e o dever de assumir. A alternativa é mais uma vez o aumento dos preços!

O Poder Local, as populações, o País, não podem ficar neste beco sem saída. Não será assim certamente que o transporte público se tornará mais atractivo. A definição de receitas próprias das AMTs, pelo carácter decisivo que esta matéria assume, tem que ser muito clara e objectiva.

A qualidade do serviço público depende das contrapartidas financeiras, e as verbas do Orçamento de Estado não podem ser um elemento aleatório nesta equação.

Senhor Presidente,

Senhoras e Senhores Deputados,

Senhores Membros do Governo,

É por estas e outras razões que se justifica plenamente a discussão desta matéria na especialidade. A orientação traçada pelo Governo para a elaboração deste diploma é preocupante e pode ser um infeliz exemplo de como uma importante e necessária iniciativa pode ser desvirtuada até se tornar numa medida de consequências gravosas para as populações.

A manter-se e a respeitar-se o sentido que originalmente levou a apontar para a criação das Autoridades Metropolitanas de Transportes, o que estaremos a instituir serão entidades plurais, representativas, respeitando e promovendo os direitos e os interesses (mais que legítimos!), dos utentes, dos trabalhadores, do Poder Local e de toda a população em causa.

É esse o sentido que o PCP invoca e defende, ao apresentar este Projecto-Lei.

Disse.

(…)

Sr. Presidente,

Sr. Deputado Álvaro Castello-Branco,

A grande preocupação que temos na definição da composição em concreto dos conselhos gerais, que é algo que, infelizmente, da parte do Governo não apareceu, é criar e garantir a representatividade dos municípios em organismos que vão ser determinantes para o seu próprio funcionamento e para a sua própria vida. Foi por isso que quisemos salientar que havia um membro por cada município, mas garantindo uma maioria que desse aos municípios uma presença e uma força, obviamente tendo em conta os processos de decisão.

Portanto, havendo mais um representante do que o colégio, digamos assim, dos municípios, naturalmente que apontaria para a criação de uma representatividade colegial e consensual entre os municípios. Isto parece-me claro.

Em todo o caso, em relação a dúvidas como essa, Sr. Deputado, obviamente que, como acabei de dizer na minha intervenção, existe toda a abertura para explanar, abordar no concreto e aperfeiçoar em sede de especialidade. Assim VV. Ex.as e o Governo permitam que o possamos fazer.

Intervenção do Deputado

Bruno Dias

Criação de entidades coordenadoras de transportes

nas regiões metropolitanas de Lisboa e Porto

18 de Setembro de 2002

Sr. Presidente,

Sr.as e Srs. Deputados,

Sr. Ministro Valente de Oliveira,

A importância da matéria que está em apreço justificaria, no nosso entender, e justifica transparência, clareza e abertura no processo legislativo e no debate político. Ora, esta questão que o Sr. Ministro acaba de levantar, no final da sua intervenção, da autorização legislativa, que é o que enforma esta iniciativa da parte do Governo, por razões manifestas de incompatibilidade de processo legislativo, irá, previsivelmente, inviabilizar os dois projectos de lei já apresentados e que lançaram este debate nesta legislatura, e não só — o que é uma preocupação que é imperativo colocar.

De resto, o Governo decidiu há meses uma matéria cujo anteprojecto de decreto-lei concreto apareceu ontem, 20 horas antes do debate em Plenário. A questão já foi abordada pelo Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares — em todo o caso, isto é reduzir o debate, mesmo que involuntariamente. O que é certo é que o debate podia acontecer hoje em melhores condições. Esperamos que, na especialidade, esta matéria seja aprofundada, viabilizando a discussão aberta das várias propostas que estão em presença.

Já agora, no tocante a uma abordagem mais concreta sobre o diploma que o Sr. Ministro nos traz, do anteprojecto que ontem chegou ao princípio da noite, sendo as autoridades, de acordo com o artigo 8.º, 9.º e 12.º do anteprojecto, entidades públicas empresariais com conselhos de administração e contrato individual de trabalho, é ou não verdade, Sr. Ministro, que o regime destas entidades é, afinal e simplesmente, o do um instituto? O tal modelo que o Governo elegeu como alvo primordial de ataque na administração pública, está ou não a ser retomado na criação destas entidades? Sr. Ministro, que novidades tem o Governo para tomar agora como boa esta solução? É a contratação individual, são os processos de decisão? Que motivos para uma decisão deste género?

Para terminar, Sr. Ministro, tem V. Ex.ª presente que o artigo 28.º, n.º 3, alínea d), da Lei de Bases dos Transportes Terrestres, estabelece a representação dos trabalhadores nos órgãos das autoridades metropolitanas de transportes, tal como haviam de ser criadas? E tem em conta, Sr. Ministro, que o anteprojecto do Governo não diz uma única palavra sobre esta matéria? Fala de todos os agentes, menos dos trabalhadores? Gostaria de ouvir da parte do Sr. Ministro uma explicação sobre esta inexistência, sobre esta ausência de referência apenas dos trabalhadores. Gostava que nos desse alguma explicação para isto.

(…)

Senhor Presidente,

Senhoras e Senhores Deputados,

Senhores Membros do Governo

O carácter simbólico dos dias instituídos terá provavelmente motivado o agendamento desta discussão sobre as Autoridades Metropolitanas de Transportes, acertando em pleno na Semana Europeia da Mobilidade, que agora se assinala. Semana essa, aliás, que culminará com a passagem do “Dia Europeu Sem Carros”, no próximo Domingo, dia 22.

O projecto-lei que o PCP apresenta, e a política de transportes que o PCP defende, vão justamente no sentido de contribuir para uma situação que possibilite que todos os dias sejam dias com menos carros. O que, convenhamos, será uma transformação estruturalmente mais significativa.

É tradicional o consenso que se reúne em torno de conceitos tão importantes como a necessidade de diminuir a pressão automobilística nas áreas metropolitanas e grandes centros urbanos, a bem do equilíbrio ambiental, da saúde pública, da economia. E no entanto, os factos demonstram claramente que não temos (há muito tempo que não temos) uma política efectivamente incentivadora da utilização do transporte colectivo.

A defesa do serviço público vai dando lugar à óptica neoliberal da maximização do lucro privado. A privatização dos transportes colectivos não trouxe para os seus utentes nenhuma boa notícia.

Os transportes públicos não correspondem às exigências de qualidade, de conforto – e o que é mais grave, de segurança, em muitos casos – que se colocam a um sector tão estratégico como este para o desenvolvimento económico e a qualidade de vida das populações.

E é assim que chegamos a esta imagem esclarecedora da mobilidade numa área metropolitana como Lisboa: a utilização do transporte individual cresceu de 49% para 62%, contra uma descida de 51% para 38% nos transportes colectivos. E apesar de o número de veículos por mil habitantes ser mais do dobro do que era há 25 anos, a verdade é que cerca de 35% dos agregados familiares não possuem carro – e estão completamente dependentes do sistema de transportes públicos que o País lhes oferece.

Refira-se a este propósito que os passageiros portugueses, com o preço dos bilhetes e passes, são na Europa quem paga maior percentagem dos custos dos transportes públicos. Só este ano, já duas vezes as tarifas sofreram aumentos.

Senhor Presidente,

Senhoras e Senhores Deputados,

Quando realmente se pretende discutir – e agir, com êxito – na promoção e incentivo da utilização do transporte público, certamente que o custo, o acesso a esses transportes não é uma questão menor.

É nesse sentido que desejamos anunciar que o Grupo Parlamentar do PCP apresentará na Assembleia da República um Projecto-Lei que reforça o Passe Social, alargando o seu âmbito e dando maior liberdade de escolha aos seus utilizadores.

Pretendemos assim, salvaguardando a descentralização, permitir o acesso a todos os percursos efectuados por todas as empresas, em coroas mais abrangentes, reduzindo largamente os gastos das famílias com transportes e aproximando as periferias do centro, em termos de custo.

É indesmentível a importância social do Passe Social, importante conquista do 25 de Abril, assim como é importante a articulação, o ordenamento de um quadro actual tão disperso que nos apresenta, por exemplo, só na Área Metropolitana de Lisboa, o extraordinário número de 456 títulos de transporte.

É essencial que se coordene a actuação das entidades que decidem do ordenamento do território, bem como dos próprios operadores.

Daí que seja uma antiga reivindicação do PCP, já desde a década de 70, a criação de instituições coordenadoras dos sistemas de transportes nas Áreas Metropolitanas.

Daí que o PCP apresente o diploma que agora está em discussão: o Projecto-Lei 5/IX, propondo a Criação das Autoridades Metropolitanas de Transportes. Porque é necessário tomar medidas.

Descentralizar os processos de decisão. Trazer mais justiça aos modelos de financiamento existentes. Promover a definição e articulação de estratégias de planeamento para um desenvolvimento sustentado do sector. E desde logo, simplesmente cumprir o que se aponta na Lei de Bases dos Transportes Terrestres.

Por isso, com a clara abertura para acolher em especialidade propostas que permitam aperfeiçoar o diploma, propomos que as Autoridades Metropolitanas de Transportes sejam entidades de gestão participada, em que o Poder Local tenha uma presença efectiva – e representativa – em organismos que contem com a intervenção do Poder Central, dos operadores, dos utentes e dos trabalhadores do sector dos Transportes.

Propomos que estas Autoridades promovam, fiscalizem e actualizem os Planos Metropolitanos de Transportes das respectivas regiões, garantindo a coordenação e execução dos investimentos e financiamentos necessários. Delas sairá a definição de uma política tarifária coerente, incrementando o serviço público de transporte, com a atribuição de competências para gerir e contratar a exploração dos transportes regulares nestas regiões, fixando as indemnizações compensatórias que devam ter lugar.

Em suma, pretendemos com esta proposta que sejam alcançados com eficácia o planeamento, o financiamento e o funcionamento de um modo sustentado dos sistemas de transportes, em articulação com o desenvolvimento urbanístico e o ordenamento do território, atribuindo uma clara prioridade ao transporte colectivo.

Senhor Presidente,

Senhoras e Senhores Deputados,

A par do projecto-lei do PCP, dois outros diplomas estão hoje em apreciação. E se o projecto-lei 11/IX, do Bloco de Esquerda, mereceu já algumas críticas e alertas quanto a insuficiências na representatividade e presença do Poder Local, aspectos que poderão em sede de especialidade merecer contribuições e propostas construtivas, é certo que o documento aponta para caminhos e soluções que vêm aliás ao encontro do essencial das nossas propostas, merecendo ser viabilizado na generalidade.

Por outro lado, a proposta de lei apresentada pelo Governo sobre esta matéria apresenta desde logo um problema quanto à forma: sendo afinal um pedido de autorização legislativa, vem restringir um debate que pode e deve ser amplo e participado, ainda para mais perante propostas concretas. Propostas que precedem inclusive no debate político e no trabalho parlamentar a iniciativa do Governo.

Assim, antes de mais, o desafio que deixamos ao Governo e ao Senhor Ministro é este: aceite e promova uma discussão na especialidade, aberta aos vários partidos e às suas propostas. Até porque se justifica abordar mais em profundidade todo um conjunto de dúvidas, reservas e também críticas muito frontais que o anteprojecto do Governo nos merece.

E existem de facto aspectos que têm de ser esclarecidos. Primeiro, o tipo de instituição que o Governo quer criar. Estabelecido que fica na proposta do Governo que as Autoridades Metropolitanas de Transportes serão organismos independentes, desde que subordinadas à política do Governo em matéria de transportes (!), levantam-se outras questões.

Numa altura em que o frenesim de extinção de Institutos Públicos ainda vai fazendo vítimas na Administração Pública, vem agora o Governo criar aquilo que, na prática, mais não é senão um Instituto disfarçado.

Com carácter de entidade pública empresarial, com um Conselho de Administração em vez de Conselho Executivo, e com um regime de pessoal… típico de uma empresa privada! Assente no contrato individual de trabalho, negando o acesso à Função Pública e aos seus direitos. Basta analisar os artigos 9.º e 12.º do anteprojecto para confirmar o que dizemos.

De resto, há uma característica transversal a este diploma do Governo: o desprezo a que nele são votados os trabalhadores. Tanto os que virão a trabalhar nas Autoridades Metropolitanas de Transportes, como os próprios trabalhadores do sector, a quem é negado o direito de participação nos Conselhos Gerais destas entidades, numa clara e grosseira violação do que é estipulado na própria Lei de Bases.

Senhores Membros do Governo, se não querem reconhecer aos trabalhadores mais e melhores direitos do que aqueles que a Lei estabelece, então o mínimo que se exige é que cumpram e façam cumprir a Legislação em vigor.

E se isto é verdadeiro quanto aos trabalhadores, não é menos em relação ao Poder Local. Nomeadamente com a incerteza com que se estabelece a composição dos órgãos executivo e deliberativo das Autoridades Metropolitanas de Transportes.

Pois se existe uma definição concreta de um Conselho Fiscal, com três membros efectivos e um suplente, nomeados pela tutela e pelo Ministério das Finanças, sendo um dos efectivos e o suplente revisores oficiais de contas; então porquê esta total indefinição quanto à proporcionalidade do órgão executivo e do Conselho Geral?

Que maiorias se poderão constituir nestes organismos? Como serão os processos de decisão, em matérias determinantes para a vida dos próprios municípios?

Não podemos esquecer que o projecto do Governo, atribuindo por um lado às AMTs a pesadíssima tarefa de aplicar a prestação de indemnizações compensatórias aos operadores, pretende por outro lado considerar os orçamentos municipais como fontes de receita dos regimes de financiamento a aplicar. O que levantaria ao Poder Local esta inevitável penalização:

ou esvaziava os cofres municipais,

ou então ficaria com o odioso de cobrar aos munícipes uma taxa de transportes públicos, para pagar aquilo que o Poder Central tem a obrigação e o dever de assumir. A alternativa é mais uma vez o aumento dos preços!

O Poder Local, as populações, o País, não podem ficar neste beco sem saída. Não será assim certamente que o transporte público se tornará mais atractivo. A definição de receitas próprias das AMTs, pelo carácter decisivo que esta matéria assume, tem que ser muito clara e objectiva.

A qualidade do serviço público depende das contrapartidas financeiras, e as verbas do Orçamento de Estado não podem ser um elemento aleatório nesta equação.

Senhor Presidente,

Senhoras e Senhores Deputados,

Senhores Membros do Governo,

É por estas e outras razões que se justifica plenamente a discussão desta matéria na especialidade. A orientação traçada pelo Governo para a elaboração deste diploma é preocupante e pode ser um infeliz exemplo de como uma importante e necessária iniciativa pode ser desvirtuada até se tornar numa medida de consequências gravosas para as populações.

A manter-se e a respeitar-se o sentido que originalmente levou a apontar para a criação das Autoridades Metropolitanas de Transportes, o que estaremos a instituir serão entidades plurais, representativas, respeitando e promovendo os direitos e os interesses (mais que legítimos!), dos utentes, dos trabalhadores, do Poder Local e de toda a população em causa.

É esse o sentido que o PCP invoca e defende, ao apresentar este Projecto-Lei.

Disse.

(…)

Sr. Presidente,

Sr. Deputado Álvaro Castello-Branco,

A grande preocupação que temos na definição da composição em concreto dos conselhos gerais, que é algo que, infelizmente, da parte do Governo não apareceu, é criar e garantir a representatividade dos municípios em organismos que vão ser determinantes para o seu próprio funcionamento e para a sua própria vida. Foi por isso que quisemos salientar que havia um membro por cada município, mas garantindo uma maioria que desse aos municípios uma presença e uma força, obviamente tendo em conta os processos de decisão.

Portanto, havendo mais um representante do que o colégio, digamos assim, dos municípios, naturalmente que apontaria para a criação de uma representatividade colegial e consensual entre os municípios. Isto parece-me claro.

Em todo o caso, em relação a dúvidas como essa, Sr. Deputado, obviamente que, como acabei de dizer na minha intervenção, existe toda a abertura para explanar, abordar no concreto e aperfeiçoar em sede de especialidade. Assim VV. Ex.as e o Governo permitam que o possamos fazer.

marcar artigo