Madeira, "nimbies" e "bananas"

24-09-2004
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Missão Possível

Madeira, "Nimbies" e "Bananas"

Por JOSÉ MARIA ALBUQUERQUE

Segunda-feira, 13 de Setembro de 2004

Está claro que os anos de autonomia foram benéficos para a Madeira. É impossível não ser sensível às transformações sociais que o notável desenvolvimento das infra-estruturas e dos sistemas logísticos vieram promover: das acessibilidades viárias às (aero)portuárias, da segurança na mobilidade aos serviços, e sobretudo, à forma irreversível que estas conquistas tomaram.

É impossível, até, não ter um tipo de simpatia pela hipercinética do Presidente do Governo Regional, o seu populismo lhano florescendo por entre uma oposição fraccionada e pouco atractiva. Claro que a sua verbosidade ígnea pode desgostar. Os seus reiterativos contra imaginados neo-colonialismos do continente ou contra inventadas sabotagens dos maçons, dos comunistas, dos "gays", dos grupos estrangeiros, bem como outras ideias medusantes que lhe vão ocorrendo no areal benigno do Porto Santo, podem desgostar. Porém, se falta lógica à sua acção fora do seu espaço, ela é tudo menos errática, tendo sabido sempre não fazer as coisas pela metade.

Mas há o resto.

Ao crescimento espectacular e agressivo do fenómeno urbano está a seguir-se a degradação urbana e ambiental, sem que uma avaliação séria do equilíbrio entre a conservação e o desenvolvimento esteja a ser feita. Sobretudo quando começa a estar claro que muito deste "desenvolvimento" não procura a correcção de assimetrias, vai muito para além das necessidades funcionais e começa a ser muito questionável se procura servir "de facto" a comunidade. Há, para além disso, que se tomar consciência do quanto o desequilíbrio urbano e ambiental poderá pesar directamente numa economia muito assente no turismo de mar, ar e sol e cada vez menos no património cultural, construído e natural, como um todo articulado. Não será por acaso que a Madeira terá visto o número de visitantes diminuído de 4,5% em relação a período homólogo de 2003. Aliás, um estudo de opinião publicado este Verão dá conta de que 32% dos inquiridos viu claramente no excesso de obras e na inerente descaracterização da paisagem um prejuízo para a procura turística.

Quando praias públicas do Funchal são interditadas a banhos por rotura de condutas de esgoto, ou quando, neste ano de seca, se esgotam recursos naturais como a água, que os agricultores não têm para regarem os poios; quando se incentiva a extracção ambiciosa de inertes, ou a exploração de pedreiras; se patrocina um grande número de obras sem planeamento faseado (tudo para se cumprirem calendários eleitorais); quando se desrespeita o domínio público marítimo e a falta de protecção de zonas costeiras vai ao ponto de autarquias construírem praias de areia artificial (importada de Marrocos!) sem o menor estudo de impacto; quando o PDM do Funchal é suspenso para obras pontuais; quando no centro histórico da cidade de Stª Cruz se constróem edifícios de quatro andares, ou no Caniço crescem audaciosas fantasias de betão com profusão de torrinhas e telhados em "abat-jour", enquanto que se arruínam, ali mesmo, solares com trezentos anos (como o dos Reis Magos), sabemos que esse "desenvolvimento" social e económico parece estar a ser feito à custa do desenvolvimento ambiental, cultural, da segurança e do bem estar das gentes, hipotecando o das gerações futuras.

E que são necessárias políticas integradas de sustentabilidade (revisão do plano hidrológico e gestão da floresta; escrutínio dos planos directores municipais, etc...), tanto, quanto nova gente que as proponha, legisle e salvaguarde. É certo que os políticos jamais recuam, mas o que se pede, fora da pegajosa arenga das disputas locais em período de pré-campanha, é que avancem, mas avancem noutra direcção.

E não seria pior que o próximo Governo Regional, antes da anunciada intenção de expropriar um ancestral grupo económico madeirense de origem inglesa (com o propósito, parece, de aquietar um matutino de que é proprietário e faz eco de algumas dissensões; logo os ingleses... a quem a Madeira tanto deve, da fundação da sua indústria de turismo e do insuperável vinho, da divulgação dos seus bordados, até à introdução do futebol no País) devia nacionalizar com maior arbitrariedade a proverbial relutância britânica por novas construções perniciosas - a que chamaram "nimby", acrónimo de "not in my back yard", ou seja, não no meu quintal! O conceito terá entretanto evoluído para o de banana ("build absolutely nothing, anywhere near anyone") no jargão dos planificadores, ou seja, não construir absolutamente (mais) nada em qualquer sítio aonde haja gente!

Salvas as proporções e as contingências, especializando-se ainda mais em bananas, a Região prestava um serviço a si própria....e podia exportá-lo para a República!

* Engenheiro, doutorado pela Lehigh University, USA, e membro do Missão Possível, grupo cívico de informação e opinião.

jm.albuquerque@netcabo.pt.

Missão Possível

Madeira, "Nimbies" e "Bananas"

Por JOSÉ MARIA ALBUQUERQUE

Segunda-feira, 13 de Setembro de 2004

Está claro que os anos de autonomia foram benéficos para a Madeira. É impossível não ser sensível às transformações sociais que o notável desenvolvimento das infra-estruturas e dos sistemas logísticos vieram promover: das acessibilidades viárias às (aero)portuárias, da segurança na mobilidade aos serviços, e sobretudo, à forma irreversível que estas conquistas tomaram.

É impossível, até, não ter um tipo de simpatia pela hipercinética do Presidente do Governo Regional, o seu populismo lhano florescendo por entre uma oposição fraccionada e pouco atractiva. Claro que a sua verbosidade ígnea pode desgostar. Os seus reiterativos contra imaginados neo-colonialismos do continente ou contra inventadas sabotagens dos maçons, dos comunistas, dos "gays", dos grupos estrangeiros, bem como outras ideias medusantes que lhe vão ocorrendo no areal benigno do Porto Santo, podem desgostar. Porém, se falta lógica à sua acção fora do seu espaço, ela é tudo menos errática, tendo sabido sempre não fazer as coisas pela metade.

Mas há o resto.

Ao crescimento espectacular e agressivo do fenómeno urbano está a seguir-se a degradação urbana e ambiental, sem que uma avaliação séria do equilíbrio entre a conservação e o desenvolvimento esteja a ser feita. Sobretudo quando começa a estar claro que muito deste "desenvolvimento" não procura a correcção de assimetrias, vai muito para além das necessidades funcionais e começa a ser muito questionável se procura servir "de facto" a comunidade. Há, para além disso, que se tomar consciência do quanto o desequilíbrio urbano e ambiental poderá pesar directamente numa economia muito assente no turismo de mar, ar e sol e cada vez menos no património cultural, construído e natural, como um todo articulado. Não será por acaso que a Madeira terá visto o número de visitantes diminuído de 4,5% em relação a período homólogo de 2003. Aliás, um estudo de opinião publicado este Verão dá conta de que 32% dos inquiridos viu claramente no excesso de obras e na inerente descaracterização da paisagem um prejuízo para a procura turística.

Quando praias públicas do Funchal são interditadas a banhos por rotura de condutas de esgoto, ou quando, neste ano de seca, se esgotam recursos naturais como a água, que os agricultores não têm para regarem os poios; quando se incentiva a extracção ambiciosa de inertes, ou a exploração de pedreiras; se patrocina um grande número de obras sem planeamento faseado (tudo para se cumprirem calendários eleitorais); quando se desrespeita o domínio público marítimo e a falta de protecção de zonas costeiras vai ao ponto de autarquias construírem praias de areia artificial (importada de Marrocos!) sem o menor estudo de impacto; quando o PDM do Funchal é suspenso para obras pontuais; quando no centro histórico da cidade de Stª Cruz se constróem edifícios de quatro andares, ou no Caniço crescem audaciosas fantasias de betão com profusão de torrinhas e telhados em "abat-jour", enquanto que se arruínam, ali mesmo, solares com trezentos anos (como o dos Reis Magos), sabemos que esse "desenvolvimento" social e económico parece estar a ser feito à custa do desenvolvimento ambiental, cultural, da segurança e do bem estar das gentes, hipotecando o das gerações futuras.

E que são necessárias políticas integradas de sustentabilidade (revisão do plano hidrológico e gestão da floresta; escrutínio dos planos directores municipais, etc...), tanto, quanto nova gente que as proponha, legisle e salvaguarde. É certo que os políticos jamais recuam, mas o que se pede, fora da pegajosa arenga das disputas locais em período de pré-campanha, é que avancem, mas avancem noutra direcção.

E não seria pior que o próximo Governo Regional, antes da anunciada intenção de expropriar um ancestral grupo económico madeirense de origem inglesa (com o propósito, parece, de aquietar um matutino de que é proprietário e faz eco de algumas dissensões; logo os ingleses... a quem a Madeira tanto deve, da fundação da sua indústria de turismo e do insuperável vinho, da divulgação dos seus bordados, até à introdução do futebol no País) devia nacionalizar com maior arbitrariedade a proverbial relutância britânica por novas construções perniciosas - a que chamaram "nimby", acrónimo de "not in my back yard", ou seja, não no meu quintal! O conceito terá entretanto evoluído para o de banana ("build absolutely nothing, anywhere near anyone") no jargão dos planificadores, ou seja, não construir absolutamente (mais) nada em qualquer sítio aonde haja gente!

Salvas as proporções e as contingências, especializando-se ainda mais em bananas, a Região prestava um serviço a si própria....e podia exportá-lo para a República!

* Engenheiro, doutorado pela Lehigh University, USA, e membro do Missão Possível, grupo cívico de informação e opinião.

jm.albuquerque@netcabo.pt.

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