Políticas continuadas, hábitos novos

09-12-2004
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Políticas Continuadas, Hábitos Novos

Por JOSÉ MANUEL FERNANDES

Segunda-feira, 22 de Novembro de 2004 Portugal é, na Europa da União, o segundo país com maior dependência do petróleo. Pior do que nós só o Luxemburgo. O petróleo é um bem escasso, cujo preço está muito elevado e vai continuar elevado, podendo o máximo da produção ser atingido daqui por meia dúzia de anos. Com a oferta a não poder crescer e com a procura a manter-se a níveis muito elevados, sobretudo pelo efeito do crescimento rápido de países como a China (já) e a Índia (não falta muito), os preços tenderão até a subir. Acresce ainda que Portugal subscreveu o Protocolo de Quioto, o que nos obriga a reduzir as emissões de gases com efeito de estufa (cuja emissão tem aumentado a um ritmo superior ao do crescimento económico) sob pena de termos de adquirir direitos de emissão para os quais não temos dinheiro. Este conjunto de situações objectivas exige medidas urgentes, práticas e realistas de forma a alterar o actual ritmo de progressão que assume os contornos de uma bomba relógio capaz de fazer implodir o conjunto da economia e o que resta da nossa indústria. Recentemente o ministro Álvaro Barreto apresentou um conjunto de quase cem medidas destinadas a combater a nossa dependência do petróleo. A intenção é louvável, o conjunto das medidas é, de uma forma geral, correcto, as metas que se pretende atingir é que são consideradas irrealistas e falta algo de essencial: definir prioridades e explicar como se mobilizam todos os agentes que será necessário mobilizar para que este não seja apenas um papel entre tantos outros. Mais: o pacote, exaustivo mas sem grandes surpresas ou inovações (a maior parte das medidas já constava de programas anteriores, alguns com três anos, e pouco efeito produziram até ao momento), necessita de ser acompanhado por uma real vontade política de mudar pois implica profundas alterações de hábitos e mentalidades. Por fim, é necessário entender que o óptimo é inimigo do bom, que se terão de realizar compromissos e, também, sacrifícios. Porque é necessário não ter ilusões: os nossos problemas não se resolvem apenas pelo lado da poupança e conservação de energia (a solução ideal), mas implicam recorrer a novas formas de produção (algumas das quais têm impactos ambientais). Vejamos alguns exemplos. No domínio da produção de energias renováveis é necessário reequacionar o programa de grandes barragens do ponto de vista do custo-benefício e, provavelmente, reabrir dossiers como o de Foz Côa à luz da experiência dos últimos anos; a construção de pequenas barragens (mini-hídricas), que se encontra quase paralisada, necessita de uma abordagem diferente que facilite em lugar de complicar a sua instalação; e, mais importante de tudo, é crucial desenvolver a energia eólica de forma integrada, o que significa maior celeridade (e muito menor burocracia) na autorização de instalação de novos parques, desenvolver endogenamente as indústrias que podem fornecer os equipamentos necessários, já que o que teremos para construir cria um mercado de dimensões apreciáveis, e rever todos os mecanismos de ligação à rede e de tarifário. Para estas medidas funcionarem deverá ser necessário desafiar a posição dominante da EDP, abrir o mercado a novos grandes operadores (não só espanhóis) e optimizar a gestão da rede eléctrica para que esta privilegie a distribuição de electricidade produzida a partir de fontes renováveis. Tudo isto implicará uma intervenção determinada e correctamente orientada do regulador. A intervenção no domínio dos transportes tem também de ser determinada e concertada. Não é possível que tenhamos hoje melhores serviços públicos de passageiros e, simultaneamente, estes percam clientes a favor do transporte privado. Para isso é necessário ter a coragem política de penalizar o transporte privado, de modificar o enquadramento fiscal, de canalizar os investimentos públicos para a ferrovia, de não recear aumentar as portagens, de tornar mais difícil utilizar o automóvel nos centros urbanos e por aí adiante. Estas políticas não são concretizáveis sem a colaboração das autarquias locais, pelo que estas terão de ser beneficiadas ou penalizadas nas transferências que recebem da administração central de acordo com as boas ou más políticas que sigam neste domínio. Sendo que um desses critérios terá sempre de ser urbanístico: habitações dispersas e construídas longe de nós de transportes colectivos serão sempre um convite à utilização do transporte individual. A eficiência energética das novas construções é outra área onde será difícil intervir mas onde deverão existir regras tão drásticas como as existentes para a resistência das construções à ocorrência de sismos. Trata-se de uma área onde não é mais possível deixar tudo ao critério dos construtores, arquitectos e engenheiros. Estes exemplos - que em parte retomam pontos do programa apresentado por Álvaro Barreto - mostram até onde é necessário, e difícil, ir em matéria de coordenação entre serviços públicos centrais e autarquias locais, como é importante desafiar lobbies estabelecidos e como só indo ao bolso dos cidadãos se conseguirá alterar formas de comportamento e velhos hábitos. Mostram igualmente que temos de encontrar o justo equilíbrio entre preocupações ambientais locais (com habitats, com espécies protegidas) e preocupações ambientais globais (caso das mudanças climáticas), percebendo que, por vezes, é necessário fazer escolhas difíceis, mas indispensáveis. Estes exemplos também mostram que não se pode estar sempre a inventar a pólvora e que, mais do que querer ter o "seu" plano, os governos têm de actuar de forma continuada e determinada, percebendo que este não é um domínio para estar constantemente a mudar políticas, alterar regras e escolher novos responsáveis e protagonistas. Se assim se fizer, talvez possamos inverter a actual marcha para o abismo e ter tempo para esperar que o desenvolvimento de novas tecnologias - uma prioridade a nível mundial a que também devíamos estar associados - permita encontrar as fontes de fornecimento de energia sem as quais não haverá desenvolvimento sustentável. O petróleo, por mais décadas que o possamos ainda utilizar, já não faz parte do futuro. OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Chuva de críticas sobre o plano anti-petróleo do Governo

Cinco compromissos governamentais prévios

Orçamento de 2005 sem incentivos fiscais para energias alternativas

O QUE É NOVO OU VELHO NO PLANO

Petróleo não volta aos 22 dólares por barril

EDITORIAL

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Este conjunto de situações objectivas exige medidas urgentes, práticas e realistas de forma a alterar o actual ritmo de progressão que assume os contornos de uma bomba relógio capaz de fazer implodir o conjunto da economia e o que resta da nossa indústria. Recentemente o ministro Álvaro Barreto apresentou um conjunto de quase cem medidas destinadas a combater a nossa dependência do petróleo. A intenção é louvável, o conjunto das medidas é, de uma forma geral, correcto, as metas que se pretende atingir é que são consideradas irrealistas e falta algo de essencial: definir prioridades e explicar como se mobilizam todos os agentes que será necessário mobilizar para que este não seja apenas um papel entre tantos outros. Mais: o pacote, exaustivo mas sem grandes surpresas ou inovações (a maior parte das medidas já constava de programas anteriores, alguns com três anos, e pouco efeito produziram até ao momento), necessita de ser acompanhado por uma real vontade política de mudar pois implica profundas alterações de hábitos e mentalidades. Por fim, é necessário entender que o óptimo é inimigo do bom, que se terão de realizar compromissos e, também, sacrifícios. Porque é necessário não ter ilusões: os nossos problemas não se resolvem apenas pelo lado da poupança e conservação de energia (a solução ideal), mas implicam recorrer a novas formas de produção (algumas das quais têm impactos ambientais). Vejamos alguns exemplos. No domínio da produção de energias renováveis é necessário reequacionar o programa de grandes barragens do ponto de vista do custo-benefício e, provavelmente, reabrir dossiers como o de Foz Côa à luz da experiência dos últimos anos; a construção de pequenas barragens (mini-hídricas), que se encontra quase paralisada, necessita de uma abordagem diferente que facilite em lugar de complicar a sua instalação; e, mais importante de tudo, é crucial desenvolver a energia eólica de forma integrada, o que significa maior celeridade (e muito menor burocracia) na autorização de instalação de novos parques, desenvolver endogenamente as indústrias que podem fornecer os equipamentos necessários, já que o que teremos para construir cria um mercado de dimensões apreciáveis, e rever todos os mecanismos de ligação à rede e de tarifário. Para estas medidas funcionarem deverá ser necessário desafiar a posição dominante da EDP, abrir o mercado a novos grandes operadores (não só espanhóis) e optimizar a gestão da rede eléctrica para que esta privilegie a distribuição de electricidade produzida a partir de fontes renováveis. Tudo isto implicará uma intervenção determinada e correctamente orientada do regulador. A intervenção no domínio dos transportes tem também de ser determinada e concertada. Não é possível que tenhamos hoje melhores serviços públicos de passageiros e, simultaneamente, estes percam clientes a favor do transporte privado. Para isso é necessário ter a coragem política de penalizar o transporte privado, de modificar o enquadramento fiscal, de canalizar os investimentos públicos para a ferrovia, de não recear aumentar as portagens, de tornar mais difícil utilizar o automóvel nos centros urbanos e por aí adiante. Estas políticas não são concretizáveis sem a colaboração das autarquias locais, pelo que estas terão de ser beneficiadas ou penalizadas nas transferências que recebem da administração central de acordo com as boas ou más políticas que sigam neste domínio. Sendo que um desses critérios terá sempre de ser urbanístico: habitações dispersas e construídas longe de nós de transportes colectivos serão sempre um convite à utilização do transporte individual. A eficiência energética das novas construções é outra área onde será difícil intervir mas onde deverão existir regras tão drásticas como as existentes para a resistência das construções à ocorrência de sismos. Trata-se de uma área onde não é mais possível deixar tudo ao critério dos construtores, arquitectos e engenheiros. Estes exemplos - que em parte retomam pontos do programa apresentado por Álvaro Barreto - mostram até onde é necessário, e difícil, ir em matéria de coordenação entre serviços públicos centrais e autarquias locais, como é importante desafiar lobbies estabelecidos e como só indo ao bolso dos cidadãos se conseguirá alterar formas de comportamento e velhos hábitos. Mostram igualmente que temos de encontrar o justo equilíbrio entre preocupações ambientais locais (com habitats, com espécies protegidas) e preocupações ambientais globais (caso das mudanças climáticas), percebendo que, por vezes, é necessário fazer escolhas difíceis, mas indispensáveis. Estes exemplos também mostram que não se pode estar sempre a inventar a pólvora e que, mais do que querer ter o "seu" plano, os governos têm de actuar de forma continuada e determinada, percebendo que este não é um domínio para estar constantemente a mudar políticas, alterar regras e escolher novos responsáveis e protagonistas. Se assim se fizer, talvez possamos inverter a actual marcha para o abismo e ter tempo para esperar que o desenvolvimento de novas tecnologias - uma prioridade a nível mundial a que também devíamos estar associados - permita encontrar as fontes de fornecimento de energia sem as quais não haverá desenvolvimento sustentável. O petróleo, por mais décadas que o possamos ainda utilizar, já não faz parte do futuro. OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Chuva de críticas sobre o plano anti-petróleo do Governo

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