O ministro do país rural

04-06-2004
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O Ministro do País Rural

Por JOSÉ MANUEL ROCHA

Sábado, 22 de Maio de 2004

Numa das suas primeiras missões depois de substituir Álvaro Barreto no Ministério da Agricultura, Arlindo Cunha chefiou uma missão à feira internacional de Silleda, na Galiza. Depois de visitar a exposição de maquinaria agrícola, de constatar a oferta de sementes ou de conhecer o potencial produtivo de várias empresas multinacionais, a delegação deslocou-se à área da pecuária e, perante o odor combinado de estrume e de dejectos animais, o ministro exclamou: "Humm, que cheirinho". À sua volta reproduziram-se olhares de espanto, outros de reprovação, outros de mistério. Mas para os que o conheciam melhor, a reacção do ministro era compreensível: afinal ele sempre se definiu como um homem rural que, por acaso, chegou à política.

Nascido em Tábua, em 1950, Arlindo Cunha estudou economia no Porto e pós-graduou-se em economia agrária na universidade de Reading, no Reino Unido. O seu envolvimento nas estruturas do PSD do Porto, juntamente com a sua especialização profissional, acabaram por abrir-lhe as portas à mais importante escola de quadros técnicos e políticos do Norte do país, a Comissão de Coordenação Regional. Depois, como aconteceu a Valente de Oliveira, Silva Peneda, Elisa Ferreira, Ricardo Magalhães ou Luís Braga da Cruz, teve apenas de esperar até que chegasse um convite de Lisboa para integrar o Governo. Em 1986, é nomeado secretário de Estado do Desenvolvimento Agrário, integrando a equipa de Álvaro Barreto.

Os seus primeiros tempos no Governo confirmaram duas das suas principais facetas como político: uma extrema lealdade ao chefe e uma capacidade de trabalho invulgar. Tolerou, por um lado, as prioridades de Barreto, muito mais dirigidas à grande agricultura do Alentejo e Ribatejo do que as suas apostas, mais voltadas para os problemas da pequena agricultura a Norte do Tejo; e, por outro, foi conseguindo produzir um interminável rol de legislação destinada a permitir a completa integração da agricultura portuguesa na PAC.

Naturalmente, Arlindo Cunha tornou-se o sucessor de Barreto em 1990 e pela frente teve a sua primeira grande prova de fogo: a reforma da PAC de 1992, produzida durante a primeira presidência portuguesa da então CEE.

Muitas das facetas actuais da PAC foram negociadas nesse momento, principalmente o desenvolvimento das vocações rurais e ambientais da política agrícola comum, tendo Arlindo Cunha manifestado uma capacidade negocial que o tornou conhecido junto da poderosa burocracia de Bruxelas. Não admira que Jacques Delors tenha proposto a Cavaco Silva a comissão da Agricultura com Arlindo Cunha na cabeça, mas na época o primeiro-ministro preferiu enviar para Bruxelas o seu ministro dos Estrangeiros, João de Deus Pinheiro. A meio do seu mandato, Arlindo Cunha conheceu o seu mais fundo e sério revés político: o escândalo das vacas loucas, que foi incapaz de avaliar em toda a sua extensão, fazendo segredo de um dossier que acabou por rebentar com estrondo. O estertor do seu mandato foi coincidente com o de Cavaco Silva. Ainda na era PSD, Arlindo parte para o Parlamento Europeu, sendo substituído por Duarte Silva.

É entre Estrasburgo e Bruxelas que Arlindo Cunha recupera a sua imagem. A sua capacidade de estudar a fundo os dossiers, de digerir opiniões contrárias e de apontar pistas para a resolução de conflitos tornaram-no facilmente um dos mais prestigiados e influentes deputados na poderosa comissão da Agricultura. Foi com estas competências que acabou nomeado relator do dossier agrícola da agenda 2000, da reforma da PAC de 2003 e dos impactes para a agricultura europeia da ronda de liberalização do comércio mundial iniciada em Doha em 2002. O denominador comum desses relatórios continha sempre uma das maiores imagens de marca de Arlindo Cunha: a capacidade de gerar consensos entre liberais, proteccionistas e representantes do complexo mundo agrícola europeu.

Sem terminar o seu segundo mandato, Arlindo Cunha regressou à Comissão de Coordenação do Norte e ficou mais próximo da sua última paixão: uma vinha que cresce perto de Tábua. Um dia, sempre disse, gostaria de ser presidente da câmara da sua terra natal. Pelo caminho, poderia ter de regressar a Bruxelas, desta vez para a Comissão. Mas inesperadamente um novo apelo de Lisboa chegou. E o "espírito franciscano" de Arlindo Cunha não resistiu. Das vinhas do Dão não virá certamente uma super reserva, mas também ninguém acredita que fiquem ao abandono.

O Ministro do País Rural

Por JOSÉ MANUEL ROCHA

Sábado, 22 de Maio de 2004

Numa das suas primeiras missões depois de substituir Álvaro Barreto no Ministério da Agricultura, Arlindo Cunha chefiou uma missão à feira internacional de Silleda, na Galiza. Depois de visitar a exposição de maquinaria agrícola, de constatar a oferta de sementes ou de conhecer o potencial produtivo de várias empresas multinacionais, a delegação deslocou-se à área da pecuária e, perante o odor combinado de estrume e de dejectos animais, o ministro exclamou: "Humm, que cheirinho". À sua volta reproduziram-se olhares de espanto, outros de reprovação, outros de mistério. Mas para os que o conheciam melhor, a reacção do ministro era compreensível: afinal ele sempre se definiu como um homem rural que, por acaso, chegou à política.

Nascido em Tábua, em 1950, Arlindo Cunha estudou economia no Porto e pós-graduou-se em economia agrária na universidade de Reading, no Reino Unido. O seu envolvimento nas estruturas do PSD do Porto, juntamente com a sua especialização profissional, acabaram por abrir-lhe as portas à mais importante escola de quadros técnicos e políticos do Norte do país, a Comissão de Coordenação Regional. Depois, como aconteceu a Valente de Oliveira, Silva Peneda, Elisa Ferreira, Ricardo Magalhães ou Luís Braga da Cruz, teve apenas de esperar até que chegasse um convite de Lisboa para integrar o Governo. Em 1986, é nomeado secretário de Estado do Desenvolvimento Agrário, integrando a equipa de Álvaro Barreto.

Os seus primeiros tempos no Governo confirmaram duas das suas principais facetas como político: uma extrema lealdade ao chefe e uma capacidade de trabalho invulgar. Tolerou, por um lado, as prioridades de Barreto, muito mais dirigidas à grande agricultura do Alentejo e Ribatejo do que as suas apostas, mais voltadas para os problemas da pequena agricultura a Norte do Tejo; e, por outro, foi conseguindo produzir um interminável rol de legislação destinada a permitir a completa integração da agricultura portuguesa na PAC.

Naturalmente, Arlindo Cunha tornou-se o sucessor de Barreto em 1990 e pela frente teve a sua primeira grande prova de fogo: a reforma da PAC de 1992, produzida durante a primeira presidência portuguesa da então CEE.

Muitas das facetas actuais da PAC foram negociadas nesse momento, principalmente o desenvolvimento das vocações rurais e ambientais da política agrícola comum, tendo Arlindo Cunha manifestado uma capacidade negocial que o tornou conhecido junto da poderosa burocracia de Bruxelas. Não admira que Jacques Delors tenha proposto a Cavaco Silva a comissão da Agricultura com Arlindo Cunha na cabeça, mas na época o primeiro-ministro preferiu enviar para Bruxelas o seu ministro dos Estrangeiros, João de Deus Pinheiro. A meio do seu mandato, Arlindo Cunha conheceu o seu mais fundo e sério revés político: o escândalo das vacas loucas, que foi incapaz de avaliar em toda a sua extensão, fazendo segredo de um dossier que acabou por rebentar com estrondo. O estertor do seu mandato foi coincidente com o de Cavaco Silva. Ainda na era PSD, Arlindo parte para o Parlamento Europeu, sendo substituído por Duarte Silva.

É entre Estrasburgo e Bruxelas que Arlindo Cunha recupera a sua imagem. A sua capacidade de estudar a fundo os dossiers, de digerir opiniões contrárias e de apontar pistas para a resolução de conflitos tornaram-no facilmente um dos mais prestigiados e influentes deputados na poderosa comissão da Agricultura. Foi com estas competências que acabou nomeado relator do dossier agrícola da agenda 2000, da reforma da PAC de 2003 e dos impactes para a agricultura europeia da ronda de liberalização do comércio mundial iniciada em Doha em 2002. O denominador comum desses relatórios continha sempre uma das maiores imagens de marca de Arlindo Cunha: a capacidade de gerar consensos entre liberais, proteccionistas e representantes do complexo mundo agrícola europeu.

Sem terminar o seu segundo mandato, Arlindo Cunha regressou à Comissão de Coordenação do Norte e ficou mais próximo da sua última paixão: uma vinha que cresce perto de Tábua. Um dia, sempre disse, gostaria de ser presidente da câmara da sua terra natal. Pelo caminho, poderia ter de regressar a Bruxelas, desta vez para a Comissão. Mas inesperadamente um novo apelo de Lisboa chegou. E o "espírito franciscano" de Arlindo Cunha não resistiu. Das vinhas do Dão não virá certamente uma super reserva, mas também ninguém acredita que fiquem ao abandono.

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