EXPRESSO: Desporto

25-12-2002
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23/11/2002

JOSÉ ALBERTO COSTA, treinador do Varzim

«Os grandes estagnaram» Fotografias de Sérgio Granadeiro «Tive um enorme cuidado na integração dos quatro jogadores que vieram do Benfica, onde passaram por experiências que diminuíram a sua auto-estima» TRÊS anos depois de se ter emancipado da sombra tutelar de Carlos Queiroz, José Alberto Costa, 49 anos, é o treinador de quem se fala.Percorrido um terço do campeonato, o modesto Varzim segue em quinto lugar da Superliga, a um estreito ponto do poderoso Benfica, derrotado, na Póvoa, com a prestimosa ajuda de quatro jogadores recém-enjeitados da Luz. Tímido e reservado, o técnico da antiga filial número um do FC Porto, apesar de se ter notabilizado como jogador na Académica e nas Antas, na condição de treinador fugiu sempre dos holofotes, preferindo papéis secundários: foi adjunto nas selecções lideradas por Juca e depois por Queiroz. TRÊS anos depois de se ter emancipado da sombra tutelar de Carlos Queiroz, José Alberto Costa, 49 anos, é o treinador de quem se fala.Percorrido um terço do campeonato, o modesto Varzim segue em quinto lugar da Superliga, a um estreito ponto do poderoso Benfica, derrotado, na Póvoa, com a prestimosa ajuda de quatro jogadores recém-enjeitados da Luz. Tímido e reservado, o técnico da antiga filial número um do FC Porto, apesar de se ter notabilizado como jogador na Académica e nas Antas, na condição de treinador fugiu sempre dos holofotes, preferindo papéis secundários: foi adjunto nas selecções lideradas por Juca e depois por Queiroz. Com o ex-campeão do mundo de juniores andou pelos quatro cantos do mundo, dos EUA ao Japão, passando pelos Emirados Árabes Unidos, experiências que rotula de imprescindíveis no seu ainda breve percurso a solo. Em Vichy (França), fez o curso de treinadores, onde afirma ter colhido a sua base teórica mais forte. Mas foi no Japão que aprendeu o quanto o respeito e a disciplina são fundamentais para se singrar, no futebol e na vida. EXPRESSO - Jogado um terço do campeonato, como explica que o Varzim, fadado ao contínuo sobe e desce, ocupe o 5º lugar, a um ponto do Benfica? JOSÉ ALBERTO COSTA - Há vários factores a ter em conta, a começar por uma sintonia óptima entre a direcção, equipa técnica, dirigentes e jogadores. E também tivemos a sorte de formar uma equipa muito empenhada e coesa. EXP. - Este seu sucesso não o faz pensar que se emancipou tarde demais da tutela de Carlos Queiroz? J.A.C. - Julgo que foi na altura certa. Aprendi muitíssimo nos anos que passei com ele. Desempenhei diversas funções, consolidei muitas ideias e o contacto com tantas realidades diferentes deu-me um manancial de experiências que me permitem agora encarar a profissão com enorme à-vontade. EXP. - Ao contrário da época passada, em que herdou uma equipa já feita, esta foi feita à sua medida? J.A.C. - No ano passada o meu papel principal foi recuperar uma equipa que se encontrava desmotivada. Agora, o trabalho é diferente. A qualidade do plantel é melhor, o leque de opções maior, o que leva a que os níveis de competitividade individual se reflictam de forma notória no rendimento colectivo da equipa. No ano passada o meu papel principal foi recuperar uma equipa que se encontrava desmotivada. Agora, o trabalho é diferente. A qualidade do plantel é melhor, o leque de opções maior, o que leva a que os níveis de competitividade individual se reflictam de forma notória no rendimento colectivo da equipa. EXP. - Mesmo assim, alguma vez imaginou que nesta altura pudesse estar em 5º lugar? J.A.C. - Imaginava ter condições para alcançar a manutenção o mais cedo possível. Pelo que a equipa produz, penso que realizarei esse objectivo bastante mais cedo do que na época passada. EXP. - Além do Varzim, equipas como o Paços de Ferreira ou o Gil Vicente ocupam este ano lugares que tradicionalmente não lhes pertencem. Os clubes pequenos estão a crescer ou há demérito dos grandes? J.A.C. - O que acontece é que há uma preocupação maior dos clubes pequenos em contratar profissionais competentes, quer ao nível de treinadores como jogadores. Depois, também se trabalha melhor, embora com condições muito inferiores, o que só abona a favor dos critérios de escolha destes clubes. EXP. - Não perfilha, então, a tese que o futebol português está a nivelar-se por baixo? J.A.C. - Aconteceram simultaneamente duas coisas que levaram à mudança da ordem estabelecida, o que permitiu, por exemplo, que o Boavista fosse campeão. Os grandes estagnaram, enquanto se assiste a um crescimento de vários pequenos e médios clubes. EXP. - O Benfica, derrotado por uma equipa que integra quatro enjeitados da Luz, estagnou ou regrediu? J.A.C. - Não quero particularizar. Se recuarmos cinco ou dez anos, nota-se uma dificuldade dos grandes em fixar os seus melhores jogadores, devido ao poderio financeiro dos grandes clubes europeus. E é essa dificuldade em contratar ou manter os nossos melhores jogadores que fez encurtar a distância entre as equipas de topo nacional e as outras. Mas também não há dúvida que hoje se trabalha com mais profissionalismo nas equipas mais pequenas, apostando-se mais na juventude do que no primeiro estrangeiro, às vezes apresentado por catálogo. EXP. - Quer dizer que em breve poderemos ter equipas como o Varzim a disputar as provas europeias? J.A.C. - Muito dificilmente. A aproximação aos grandes e à Europa só será maior quando as equipas pequenas tiverem outro tipo de infra-estruturas. No caso do Varzim, como não temos um campo de treinos relvado e o do estádio não comporta treinos diários, somos obrigados a treinar em Ofir, no relvado de uma unidade hoteleira. É a gestão possível enquanto o clube não tiver novas instalações. Muito dificilmente. A aproximação aos grandes e à Europa só será maior quando as equipas pequenas tiverem outro tipo de infra-estruturas. No caso do Varzim, como não temos um campo de treinos relvado e o do estádio não comporta treinos diários, somos obrigados a treinar em Ofir, no relvado de uma unidade hoteleira. É a gestão possível enquanto o clube não tiver novas instalações. EXP. - Como explica que Quim Berto brilhe no Guimarães e no Varzim e não tenha vingado no Sporting ou no Benfica, onde nem jogou? J.A.C. - A adaptação é sempre condicionada pelas circunstâncias e pelas apostas feitas. O rendimento de um jogador depende ainda dos níveis de motivação transmitidos. Não é por acaso que tive um enorme cuidado na integração dos jogadores que vieram do Benfica (Pepa, Rui Baião, Jorge Ribeiro e Quim Berto), onde passaram por experiências que diminuíram a sua auto-estima. EXP. - Como se sentiria na pele de Jesualdo Ferreira, derrotado há uma semana por uma equipa onde sobressaem quatro jogadores rejeitados por ele próprio? J.A.C. - Deve ser incómodo, embora se trate de uma situação em que o futebol é fértil. É natural que um jogador que se vê obrigado a mudar de camisola, no momento de enfrentar quem o rejeitou queira provar o seu valor. São jogos de alta ansiedade mas também extremamente motivantes, principalmente se os conflitos psicológicos decorrentes da rejeição já estiverem esbatidos. EXP. - Quem é o jogador-revelação deste campeonato? J.A.C. - Em termos absolutos, Hélder Postiga e Cristiano Ronaldo. No caso do Varzim, embora em períodos de evolução diferentes, Milhazes e Jorge Ribeiro, que se estreou esta semana na selecção A. EXP. - Luís Figo dizia há dias que o futebol português não vai mais longe porque os dirigentes são os mesmos de há 20 anos. Concorda? J.A.C. - Em parte. O facto de os dirigentes serem os mesmos não significa que não haja evolução. O que é importante é saber se alguns dirigentes têm abertura para repensar o futebol de hoje e de amanhã. Se não houver essa abertura, então as coisas vão complicar-se ainda mais. EXP. - As queixas recorrentes à arbitragem, como aconteceu com o Benfica após o jogo com o Varzim, é um sinal dessa mentalidade passadista? J.A.C. - Sobre isso, a melhor resposta é rever a transmissão televisiva do jogo. Qualquer um vê que fomos superiores. São estratégias que ficam com quem as pratica e com as quais não me revejo. EXP. - Como explica a sua fé no Euro-2004 como ponto de viragem, se não temos ainda um seleccionador nacional? São os portugueses que .A.C. - Não há dúvida que estamos a perder tempo. E perder tempo é estar a dar vantagem as nossos adversários. EXP. - Se estivesse no lugar de Gilberto Madaíl, escolhia um português ou um estrangeiro? J.A.C. - Já treinei selecções portuguesas e estrangeiras e, por isso, posso falar sem patriotismos exacerbados. Como país organizador do Euro-2004, o ideal era que a selecção fosse liderada um português. Aceitaria melhor um estrangeiro se o Euro-2004 não fosse em Portugal. Neste caso, sendo um investimento do país, também se devia investir na nossa imagem com os dividendos daí decorrentes, para nós treinadores e para o futebol nacional. EXP. - Ou seja, o presidente da FPF fez mal em não manter a sua aposta em Manuel José ou Agostinho Oliveira? J.A.C. - Nesta altura não são os nomes que estão em causa. Acho é que deveriam ter sido aceleradas as decisões, mal se soube que António Oliveira não ia ter condições para continuar. Não tendo isso sido possível, a vinda de um estrangeiro com o currículo de Scolari será um mal menor. É um técnico competente, fala português, o que aumenta a capacidade de adaptação rápida entre o grupo de trabalho e a equipa técnica. É preciso é que venha rapidamente. EXP. - Sendo conhecida a empatia entre os jogadores e Agostinho Oliveira, a nova mudança de treinador pode ter efeitos negativos no rendimento da equipa? J.A.C. - O prolongar deste vínculo com carácter provisório é uma situação que fragiliza o Agostinho Oliveira, quem vier a seguir, mas sobretudo fragiliza a imagem de Portugal e da sua capacidade organizativa. Para os jogadores, tratando-se desta geração que conheço bem, têm capacidades para dar a volta à situação. Pelo seu trajecto em momentos anteriores - noutros nem tanto - este grupo já demonstrou que é capaz do melhor... EXP. - No Mundial demonstrou o contrário... J.A.C. - Por isso eu disse em certas alturas. Há alterações de circunstâncias que levam a que um mesmo grupo e uma mesma equipa técnica funcione bem numa fase e mal noutras... EXP. - Que tipo de circunstâncias? J.A.C. - São aleatórias. Num ano, um treinador tem sucesso num clube com uma filosofia de jogo. No ano a seguir, basta sair um ou outro elemento para que se quebrem ligações, cumplicidades, alterando o rendimento colectivo. Isso é válido para os clubes e para as selecções. EXP. - É válido para o Boavista desta época? J.A.C. - Para todos. No caso do Boavista, julgo que bastou saírem três ou quatro jogadores fundamentais, como eram o Litos, o Pedro Emanuel e o Petit, para se perderem as tais cumplicidades. Com a saída do Petit, o Boavista perdeu qualidades em duas vertentes: perdeu a agressividade por ele imprimida e diluiu a produtividade que era permitida ao Sanchez. A gestão de um grupo tem «nuances» complicadas. EXP. - Os salários em atraso é uma dessas nuances? J.A.C. - Felizmente, sou um privilegiado. No Varzim é louvável o esforço da direcção para ter em dia todos os pagamentos. Mas sei o quanto os atrasos salariais desestabilizam os jogadores. São um drama. Daí que eu diga aos presidentes dos clubes que é preferível ter salários mais baixos e cumpri-los, do que prometer muito e a meio da época já não haver dinheiro. EXP. - Em Portugal, há recursos para tantas equipas profissionais? J.A.C. - Quando fiz parte do Gabinete Técnico das selecções participei no célebre projecto Queiroz e andámos pelas diversas associações a tentar vender o nosso peixe. Já então, preconizávamos que o nosso quadro competitivo era desajustado. Foi com tristeza que vimos a resistência à mudança. EXP. - Os treinadores não resistiram à mudança ao não apoiar a lista de Artur Jorge? J.A.C. - O percurso da nossa associação tem sido difícil. O simples facto de não termos sede própria, mas sim cedida pela Liga, fragiliza-nos, retirando-nos espaço e independência. Só espero que não venhamos a pagar caro o nosso imobilismo.

Isabel Paulo

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«Os grandes estagnaram» Fotografias de Sérgio Granadeiro «Tive um enorme cuidado na integração dos quatro jogadores que vieram do Benfica, onde passaram por experiências que diminuíram a sua auto-estima» TRÊS anos depois de se ter emancipado da sombra tutelar de Carlos Queiroz, José Alberto Costa, 49 anos, é o treinador de quem se fala.Percorrido um terço do campeonato, o modesto Varzim segue em quinto lugar da Superliga, a um estreito ponto do poderoso Benfica, derrotado, na Póvoa, com a prestimosa ajuda de quatro jogadores recém-enjeitados da Luz. Tímido e reservado, o técnico da antiga filial número um do FC Porto, apesar de se ter notabilizado como jogador na Académica e nas Antas, na condição de treinador fugiu sempre dos holofotes, preferindo papéis secundários: foi adjunto nas selecções lideradas por Juca e depois por Queiroz. TRÊS anos depois de se ter emancipado da sombra tutelar de Carlos Queiroz, José Alberto Costa, 49 anos, é o treinador de quem se fala.Percorrido um terço do campeonato, o modesto Varzim segue em quinto lugar da Superliga, a um estreito ponto do poderoso Benfica, derrotado, na Póvoa, com a prestimosa ajuda de quatro jogadores recém-enjeitados da Luz. Tímido e reservado, o técnico da antiga filial número um do FC Porto, apesar de se ter notabilizado como jogador na Académica e nas Antas, na condição de treinador fugiu sempre dos holofotes, preferindo papéis secundários: foi adjunto nas selecções lideradas por Juca e depois por Queiroz. Com o ex-campeão do mundo de juniores andou pelos quatro cantos do mundo, dos EUA ao Japão, passando pelos Emirados Árabes Unidos, experiências que rotula de imprescindíveis no seu ainda breve percurso a solo. Em Vichy (França), fez o curso de treinadores, onde afirma ter colhido a sua base teórica mais forte. Mas foi no Japão que aprendeu o quanto o respeito e a disciplina são fundamentais para se singrar, no futebol e na vida. EXPRESSO - Jogado um terço do campeonato, como explica que o Varzim, fadado ao contínuo sobe e desce, ocupe o 5º lugar, a um ponto do Benfica? JOSÉ ALBERTO COSTA - Há vários factores a ter em conta, a começar por uma sintonia óptima entre a direcção, equipa técnica, dirigentes e jogadores. E também tivemos a sorte de formar uma equipa muito empenhada e coesa. EXP. - Este seu sucesso não o faz pensar que se emancipou tarde demais da tutela de Carlos Queiroz? J.A.C. - Julgo que foi na altura certa. Aprendi muitíssimo nos anos que passei com ele. Desempenhei diversas funções, consolidei muitas ideias e o contacto com tantas realidades diferentes deu-me um manancial de experiências que me permitem agora encarar a profissão com enorme à-vontade. EXP. - Ao contrário da época passada, em que herdou uma equipa já feita, esta foi feita à sua medida? J.A.C. - No ano passada o meu papel principal foi recuperar uma equipa que se encontrava desmotivada. Agora, o trabalho é diferente. A qualidade do plantel é melhor, o leque de opções maior, o que leva a que os níveis de competitividade individual se reflictam de forma notória no rendimento colectivo da equipa. No ano passada o meu papel principal foi recuperar uma equipa que se encontrava desmotivada. Agora, o trabalho é diferente. A qualidade do plantel é melhor, o leque de opções maior, o que leva a que os níveis de competitividade individual se reflictam de forma notória no rendimento colectivo da equipa. EXP. - Mesmo assim, alguma vez imaginou que nesta altura pudesse estar em 5º lugar? J.A.C. - Imaginava ter condições para alcançar a manutenção o mais cedo possível. Pelo que a equipa produz, penso que realizarei esse objectivo bastante mais cedo do que na época passada. EXP. - Além do Varzim, equipas como o Paços de Ferreira ou o Gil Vicente ocupam este ano lugares que tradicionalmente não lhes pertencem. Os clubes pequenos estão a crescer ou há demérito dos grandes? J.A.C. - O que acontece é que há uma preocupação maior dos clubes pequenos em contratar profissionais competentes, quer ao nível de treinadores como jogadores. Depois, também se trabalha melhor, embora com condições muito inferiores, o que só abona a favor dos critérios de escolha destes clubes. EXP. - Não perfilha, então, a tese que o futebol português está a nivelar-se por baixo? J.A.C. - Aconteceram simultaneamente duas coisas que levaram à mudança da ordem estabelecida, o que permitiu, por exemplo, que o Boavista fosse campeão. Os grandes estagnaram, enquanto se assiste a um crescimento de vários pequenos e médios clubes. EXP. - O Benfica, derrotado por uma equipa que integra quatro enjeitados da Luz, estagnou ou regrediu? J.A.C. - Não quero particularizar. Se recuarmos cinco ou dez anos, nota-se uma dificuldade dos grandes em fixar os seus melhores jogadores, devido ao poderio financeiro dos grandes clubes europeus. E é essa dificuldade em contratar ou manter os nossos melhores jogadores que fez encurtar a distância entre as equipas de topo nacional e as outras. Mas também não há dúvida que hoje se trabalha com mais profissionalismo nas equipas mais pequenas, apostando-se mais na juventude do que no primeiro estrangeiro, às vezes apresentado por catálogo. EXP. - Quer dizer que em breve poderemos ter equipas como o Varzim a disputar as provas europeias? J.A.C. - Muito dificilmente. A aproximação aos grandes e à Europa só será maior quando as equipas pequenas tiverem outro tipo de infra-estruturas. No caso do Varzim, como não temos um campo de treinos relvado e o do estádio não comporta treinos diários, somos obrigados a treinar em Ofir, no relvado de uma unidade hoteleira. É a gestão possível enquanto o clube não tiver novas instalações. Muito dificilmente. A aproximação aos grandes e à Europa só será maior quando as equipas pequenas tiverem outro tipo de infra-estruturas. No caso do Varzim, como não temos um campo de treinos relvado e o do estádio não comporta treinos diários, somos obrigados a treinar em Ofir, no relvado de uma unidade hoteleira. É a gestão possível enquanto o clube não tiver novas instalações. EXP. - Como explica que Quim Berto brilhe no Guimarães e no Varzim e não tenha vingado no Sporting ou no Benfica, onde nem jogou? J.A.C. - A adaptação é sempre condicionada pelas circunstâncias e pelas apostas feitas. O rendimento de um jogador depende ainda dos níveis de motivação transmitidos. Não é por acaso que tive um enorme cuidado na integração dos jogadores que vieram do Benfica (Pepa, Rui Baião, Jorge Ribeiro e Quim Berto), onde passaram por experiências que diminuíram a sua auto-estima. EXP. - Como se sentiria na pele de Jesualdo Ferreira, derrotado há uma semana por uma equipa onde sobressaem quatro jogadores rejeitados por ele próprio? J.A.C. - Deve ser incómodo, embora se trate de uma situação em que o futebol é fértil. É natural que um jogador que se vê obrigado a mudar de camisola, no momento de enfrentar quem o rejeitou queira provar o seu valor. São jogos de alta ansiedade mas também extremamente motivantes, principalmente se os conflitos psicológicos decorrentes da rejeição já estiverem esbatidos. EXP. - Quem é o jogador-revelação deste campeonato? J.A.C. - Em termos absolutos, Hélder Postiga e Cristiano Ronaldo. No caso do Varzim, embora em períodos de evolução diferentes, Milhazes e Jorge Ribeiro, que se estreou esta semana na selecção A. EXP. - Luís Figo dizia há dias que o futebol português não vai mais longe porque os dirigentes são os mesmos de há 20 anos. Concorda? J.A.C. - Em parte. O facto de os dirigentes serem os mesmos não significa que não haja evolução. O que é importante é saber se alguns dirigentes têm abertura para repensar o futebol de hoje e de amanhã. Se não houver essa abertura, então as coisas vão complicar-se ainda mais. EXP. - As queixas recorrentes à arbitragem, como aconteceu com o Benfica após o jogo com o Varzim, é um sinal dessa mentalidade passadista? J.A.C. - Sobre isso, a melhor resposta é rever a transmissão televisiva do jogo. Qualquer um vê que fomos superiores. São estratégias que ficam com quem as pratica e com as quais não me revejo. EXP. - Como explica a sua fé no Euro-2004 como ponto de viragem, se não temos ainda um seleccionador nacional? São os portugueses que .A.C. - Não há dúvida que estamos a perder tempo. E perder tempo é estar a dar vantagem as nossos adversários. EXP. - Se estivesse no lugar de Gilberto Madaíl, escolhia um português ou um estrangeiro? J.A.C. - Já treinei selecções portuguesas e estrangeiras e, por isso, posso falar sem patriotismos exacerbados. Como país organizador do Euro-2004, o ideal era que a selecção fosse liderada um português. Aceitaria melhor um estrangeiro se o Euro-2004 não fosse em Portugal. Neste caso, sendo um investimento do país, também se devia investir na nossa imagem com os dividendos daí decorrentes, para nós treinadores e para o futebol nacional. EXP. - Ou seja, o presidente da FPF fez mal em não manter a sua aposta em Manuel José ou Agostinho Oliveira? J.A.C. - Nesta altura não são os nomes que estão em causa. Acho é que deveriam ter sido aceleradas as decisões, mal se soube que António Oliveira não ia ter condições para continuar. Não tendo isso sido possível, a vinda de um estrangeiro com o currículo de Scolari será um mal menor. É um técnico competente, fala português, o que aumenta a capacidade de adaptação rápida entre o grupo de trabalho e a equipa técnica. É preciso é que venha rapidamente. EXP. - Sendo conhecida a empatia entre os jogadores e Agostinho Oliveira, a nova mudança de treinador pode ter efeitos negativos no rendimento da equipa? J.A.C. - O prolongar deste vínculo com carácter provisório é uma situação que fragiliza o Agostinho Oliveira, quem vier a seguir, mas sobretudo fragiliza a imagem de Portugal e da sua capacidade organizativa. Para os jogadores, tratando-se desta geração que conheço bem, têm capacidades para dar a volta à situação. Pelo seu trajecto em momentos anteriores - noutros nem tanto - este grupo já demonstrou que é capaz do melhor... EXP. - No Mundial demonstrou o contrário... J.A.C. - Por isso eu disse em certas alturas. Há alterações de circunstâncias que levam a que um mesmo grupo e uma mesma equipa técnica funcione bem numa fase e mal noutras... EXP. - Que tipo de circunstâncias? J.A.C. - São aleatórias. Num ano, um treinador tem sucesso num clube com uma filosofia de jogo. No ano a seguir, basta sair um ou outro elemento para que se quebrem ligações, cumplicidades, alterando o rendimento colectivo. Isso é válido para os clubes e para as selecções. EXP. - É válido para o Boavista desta época? J.A.C. - Para todos. No caso do Boavista, julgo que bastou saírem três ou quatro jogadores fundamentais, como eram o Litos, o Pedro Emanuel e o Petit, para se perderem as tais cumplicidades. Com a saída do Petit, o Boavista perdeu qualidades em duas vertentes: perdeu a agressividade por ele imprimida e diluiu a produtividade que era permitida ao Sanchez. A gestão de um grupo tem «nuances» complicadas. EXP. - Os salários em atraso é uma dessas nuances? J.A.C. - Felizmente, sou um privilegiado. No Varzim é louvável o esforço da direcção para ter em dia todos os pagamentos. Mas sei o quanto os atrasos salariais desestabilizam os jogadores. São um drama. Daí que eu diga aos presidentes dos clubes que é preferível ter salários mais baixos e cumpri-los, do que prometer muito e a meio da época já não haver dinheiro. EXP. - Em Portugal, há recursos para tantas equipas profissionais? J.A.C. - Quando fiz parte do Gabinete Técnico das selecções participei no célebre projecto Queiroz e andámos pelas diversas associações a tentar vender o nosso peixe. Já então, preconizávamos que o nosso quadro competitivo era desajustado. Foi com tristeza que vimos a resistência à mudança. EXP. - Os treinadores não resistiram à mudança ao não apoiar a lista de Artur Jorge? J.A.C. - O percurso da nossa associação tem sido difícil. O simples facto de não termos sede própria, mas sim cedida pela Liga, fragiliza-nos, retirando-nos espaço e independência. Só espero que não venhamos a pagar caro o nosso imobilismo.

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