Vítor Dias no "Semanário"

19-05-2003
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"Amnésias convenientes"

Vítor Dias no "Semanário"

16 de Maio de 2003

Decididamente, não se passa um dia sem que, a propósito dos mais variados assuntos, não se vão vendo os efeitos devastadores ou da falta de memória ou do que poderíamos chamar as amnésias convenientes.

Voltámos a lembrarmo-nos deste grosso problema quando, na edição de quarta-feira do “Público”, lemos que o deputado socialista Alberto Costa, representante da AR nos trabalhos da Convenção sobre o futuro da Europa, tinha advertido que quem prometeu um referendo nacional ás alterações ao figurino da União Europeia não se devia esquecer que, para cumprir devidamente a promessa, seria necessário rever a Constituição no que actualmente dispõe sobre referendos.

A notícia explicava depois com razoável detalhe que a Constituição não permite referendos sobre a ratificação de tratados, pois apenas os permite sobre “questões de relevante interesse nacional que devam ser objecto de convenção internacional”, e dava-nos conta da opinião daquele deputado socialista de que esta fórmula é claramente inadequada perante mudanças na construção europeia “de dimensão idêntica ou superior às de Maastricht”.

Até aqui aparentemente tudo bem, mas a verdade é que a ausência na notícia (ou talvez mesmo na intervenção de Alberto Costa) de certos elementos de informação pode ter levado muitos leitores a pensar que estaríamos perante um caso em que os deputados, em anteriores revisões constitucionais, afinal não ponderaram bem futuras necessidades em matéria de referendos sobre a integração europeia.

Porém, é indispensável assinalar que nada de mais errado e de mais falso do que esta suposição. Com efeito, é bom que se saiba que, se a Constituição não permite sujeitar tratados (ou a sua ratificação) a referendo, é apenas porque PSD e PS a isso veementemente se opuseram, rejeitando quer na revisão de 1997 quer na revisão extraordinária posterior (que tratou do TPI e das buscas nocturnas) as propostas nesse sentido repetidamente apresentadas pelo PCP.

E o PS e o PSD sempre rejeitaram a solução que agora também Alberto Costa veio defender não por estarem distraídos mas porque sempre souberam que nenhum resultado de um referendo sobre “questões” da integração europeia teria as mesmas radicais consequências que teria um resultado contrário à ratificação de um tratado contendo importantes e graves evoluções qualitativas na “construção europeia”.

E já que falamos de falta de memória ou de amnésias convenientes, não podemos deixar de lamentar que, em artigo em “A Capital” de 13/5, um dirigente da ATTAC portuguesa, pelo meio de uma prosa que parece ilustrar o clássico truque de esgrimir contra supostas “instrumentalizações” de outros para melhor fazer esquecer e melhor concretizar as dos amigos, tenha vindo dizer que no Fórum Social Português (que se realizará, em Lisboa, de 7 a 10 de Junho), além de uma grande diversidade de outras organizações e estruturas, “participam, a título de observador, vários partidos políticos, entre os quais o PS, o PCP, o BE e os “Verdes”.

Ora, contra as amnésias convenientes, é mais que tempo de afirmar que esta ideia de que os partidos teriam o estatuto de “observadores” na preparação e realização do F.S.P. e de que, em consequência, haveria organizações promotoras de primeira e outras de segunda corresponde certamente às concepções doentiamente discriminatórias e controleiristas de alguns mas não tem qualquer consagração nos textos fundadores desta iniciativa nacional nem jamais foi estabelecida em qualquer decisão democraticamente tomada por qualquer instância responsável pela preparação daquele Fórum.

E, a este respeito, basta invocar não apenas que, por exemplo, o PCP participa desde a primeira hora no arranque desta iniciativa, mas também que a Declaração de Coimbra que, em 21.9.2002 e com a assinatura de 80 organizações entre as quais o PCP, decidiu convocar o 1º Fórum Social Português expressamente afirmava que a ele “podem aderir todas as pessoas, organizações e movimentos existentes no país que se reconheçam nesta declaração. Todas são bem-vindas e todas são iguais, quer sejam uma pessoa, quer representem um milhão”.

"Amnésias convenientes"

Vítor Dias no "Semanário"

16 de Maio de 2003

Decididamente, não se passa um dia sem que, a propósito dos mais variados assuntos, não se vão vendo os efeitos devastadores ou da falta de memória ou do que poderíamos chamar as amnésias convenientes.

Voltámos a lembrarmo-nos deste grosso problema quando, na edição de quarta-feira do “Público”, lemos que o deputado socialista Alberto Costa, representante da AR nos trabalhos da Convenção sobre o futuro da Europa, tinha advertido que quem prometeu um referendo nacional ás alterações ao figurino da União Europeia não se devia esquecer que, para cumprir devidamente a promessa, seria necessário rever a Constituição no que actualmente dispõe sobre referendos.

A notícia explicava depois com razoável detalhe que a Constituição não permite referendos sobre a ratificação de tratados, pois apenas os permite sobre “questões de relevante interesse nacional que devam ser objecto de convenção internacional”, e dava-nos conta da opinião daquele deputado socialista de que esta fórmula é claramente inadequada perante mudanças na construção europeia “de dimensão idêntica ou superior às de Maastricht”.

Até aqui aparentemente tudo bem, mas a verdade é que a ausência na notícia (ou talvez mesmo na intervenção de Alberto Costa) de certos elementos de informação pode ter levado muitos leitores a pensar que estaríamos perante um caso em que os deputados, em anteriores revisões constitucionais, afinal não ponderaram bem futuras necessidades em matéria de referendos sobre a integração europeia.

Porém, é indispensável assinalar que nada de mais errado e de mais falso do que esta suposição. Com efeito, é bom que se saiba que, se a Constituição não permite sujeitar tratados (ou a sua ratificação) a referendo, é apenas porque PSD e PS a isso veementemente se opuseram, rejeitando quer na revisão de 1997 quer na revisão extraordinária posterior (que tratou do TPI e das buscas nocturnas) as propostas nesse sentido repetidamente apresentadas pelo PCP.

E o PS e o PSD sempre rejeitaram a solução que agora também Alberto Costa veio defender não por estarem distraídos mas porque sempre souberam que nenhum resultado de um referendo sobre “questões” da integração europeia teria as mesmas radicais consequências que teria um resultado contrário à ratificação de um tratado contendo importantes e graves evoluções qualitativas na “construção europeia”.

E já que falamos de falta de memória ou de amnésias convenientes, não podemos deixar de lamentar que, em artigo em “A Capital” de 13/5, um dirigente da ATTAC portuguesa, pelo meio de uma prosa que parece ilustrar o clássico truque de esgrimir contra supostas “instrumentalizações” de outros para melhor fazer esquecer e melhor concretizar as dos amigos, tenha vindo dizer que no Fórum Social Português (que se realizará, em Lisboa, de 7 a 10 de Junho), além de uma grande diversidade de outras organizações e estruturas, “participam, a título de observador, vários partidos políticos, entre os quais o PS, o PCP, o BE e os “Verdes”.

Ora, contra as amnésias convenientes, é mais que tempo de afirmar que esta ideia de que os partidos teriam o estatuto de “observadores” na preparação e realização do F.S.P. e de que, em consequência, haveria organizações promotoras de primeira e outras de segunda corresponde certamente às concepções doentiamente discriminatórias e controleiristas de alguns mas não tem qualquer consagração nos textos fundadores desta iniciativa nacional nem jamais foi estabelecida em qualquer decisão democraticamente tomada por qualquer instância responsável pela preparação daquele Fórum.

E, a este respeito, basta invocar não apenas que, por exemplo, o PCP participa desde a primeira hora no arranque desta iniciativa, mas também que a Declaração de Coimbra que, em 21.9.2002 e com a assinatura de 80 organizações entre as quais o PCP, decidiu convocar o 1º Fórum Social Português expressamente afirmava que a ele “podem aderir todas as pessoas, organizações e movimentos existentes no país que se reconheçam nesta declaração. Todas são bem-vindas e todas são iguais, quer sejam uma pessoa, quer representem um milhão”.

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