EXPRESSO: Vidas

15-12-2002
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POLÍTICOS De caneta em riste Seis ex-governantes socialistas puseram-se à escrita para se demarcarem do estilo guterrista, justificar opções, acertar contas com colegas. O resultado é demolidor

Texto de Isabel Oliveira

Alberto Costa A política e a literatura andaram muitas vezes de braço dado. Os políticos dados às letras são inúmeros, tanto no panorama nacional como no estrangeiro. Há perto de dois anos surgiu, contudo, um género muito peculiar de escrita, protagonizado por ex-membros do Governo que sentiram necessidade de justificar a sua passagem pelo poder, de acertar contas com colegas de «infortúnio», de se demarcar de medidas que lhes terão sido associadas. Do conjunto de pupilos de António Guterres, são já seis os que deram à estampa obras para repor a verdade dos factos. A política e a literatura andaram muitas vezes de braço dado. Os políticos dados às letras são inúmeros, tanto no panorama nacional como no estrangeiro. Há perto de dois anos surgiu, contudo, um género muito peculiar de escrita, protagonizado por ex-membros do Governo que sentiram necessidade de justificar a sua passagem pelo poder, de acertar contas com colegas de «infortúnio», de se demarcar de medidas que lhes terão sido associadas. Do conjunto de pupilos de António Guterres, são já seis os que deram à estampa obras para repor a verdade dos factos. Manuel Maria Carrilho inaugurou o género. Mal deixou o governo socialista, aceitou escrever uma coluna semanal no «Diário de Notícias» que depressa se transformou no pavor dos que se mantiveram no poder. O ex-ministro da Cultura não poupou nada nem ninguém. A sua crítica demolidora tornava-o o mais temível opositor da equipa liderada por António Guterres. Semana após semana, Carrilho atacava cirurgicamente os alicerces da governação socialista, não deixando pedra sobre pedra. Estas invectivas valer-lhe-iam uma monumental pateada no congresso do PS de Maio de 2001, a que Guterres concorreu sozinho. À medida que o executivo de Guterres entrava na espiral da desgraça, outros ex-governantes apressavam-se a publicar escritos em que se demarcavam das políticas até então aplaudidas. A derrota dos socialistas nas autárquicas de Dezembro de 2001, que ditaria a demissão de Guterres e a vitória anunciada do PSD nas legislativas antecipadas de Março deste ano, precipitou nalguns casos, sublinhou noutros, dissidências inesperadas. Marçal Grilo António Correia de Campos, ministro da Saúde do último fôlego guterrista, acaba de lançar as Confissões Políticas da Saúde - Auto de breve governação. Nas suas palavras, trata-se apenas de «um testemunho de 'governar a correr'», o que acaba por constituir uma justificação para o seu legado naquela pasta estratégica. «Não tenho razões de queixa de ninguém, só de mim», refere em jeito de preâmbulo. Não resiste, no entanto, a contar que, nas vésperas «do mais deprimente dos últimos congressos do PS» - que decorreu em 5 e 6 de Maio de 2001, marcado «pelo vazio da discussão política e pelo falhanço mediático do gesto de carinho de António Guterres a sua mulher» - ele, Correia de Campos, Joaquim Silva Pinto e João Cravinho se reuniram para lançar um «clube de debate de ideias» à revelia da direcção do partido. A estratégia seria delineada um mês após a reunião magna dos socialistas: «Primeiro, concitar-se-iam 20 signatários e depois uma centena deles. Criar-se-ia uma associação sem fins lucrativos com os primeiros subscritores, e abrir-se-ia depois a todos os interessados, dentro e fora do PS. Criou-se uma lista dos subscritores-alvo e preparávamo-nos para a 'pesca à linha'». Curiosamente, o projecto não seria levado por diante porque dois dos «conspiradores» - Correia de Campos e João Cravinho - sucumbiram à jogada de antecipação de Guterres, que os chamou a integrar o seu último Governo. E eles depressa mandaram o debate às urtigas. António Correia de Campos, ministro da Saúde do último fôlego guterrista, acaba de lançar as. Nas suas palavras, trata-se apenas de, o que acaba por constituir uma justificação para o seu legado naquela pasta estratégica., refere em jeito de preâmbulo. Não resiste, no entanto, a contar que, nas vésperas- que decorreu em 5 e 6 de Maio de 2001, marcado- ele, Correia de Campos, Joaquim Silva Pinto e João Cravinho se reuniram para lançar umà revelia da direcção do partido. A estratégia seria delineada um mês após a reunião magna dos socialistas:. Curiosamente, o projecto não seria levado por diante porque dois dos «conspiradores» - Correia de Campos e João Cravinho - sucumbiram à jogada de antecipação de Guterres, que os chamou a integrar o seu último Governo. E eles depressa mandaram o debate às urtigas. Correia de Campos Crê que esteve na calha para ministro no primeiro Governo socialista, em 1995, mas Guterres preocupou-se essencialmente com as Finanças, Negócios Estrangeiros, Defesa, «depois a Administração Interna, a Educação, Segurança Social, Economia, Agricultura e, no final de todas, como acontece sempre, lá viria a Saúde». Insinua que não chegou à cadeira do poder porque o primeiro-ministro foi sensível a pressões corporativistas «que o dissuadiram de me designar». Maria de Belém Roseira levou a melhor: «Conhecia bem o sector da Saúde, tinha capacidade política e era amiga pessoal de Guterres», conclui com alguma amargura. Afiança que só na Primavera de 2001 voltou a ponderar a hipótese de «ocupar um lugar deste tipo». A «fragilidade da governação no sector da Saúde» - um recado directo a Manuela Arcanjo - e a «recorrente questão do défice» tê-lo-ão motivado para lhe suceder. O pai fez o resto, recordando-lhe que «é na adversidade que se mede a têmpera dos homens». Crê que esteve na calha para ministro no primeiro Governo socialista, em 1995, mas Guterres preocupou-se essencialmente com as Finanças, Negócios Estrangeiros, Defesa,. Insinua que não chegou à cadeira do poder porque o primeiro-ministro foi sensível a pressões corporativistas. Maria de Belém Roseira levou a melhor:, conclui com alguma amargura. Afiança que só na Primavera de 2001 voltou a ponderar a hipótese de. A- um recado directo a Manuela Arcanjo - e atê-lo-ão motivado para lhe suceder. O pai fez o resto, recordando-lhe que Manuel Maria Carrilho Alberto Arons de Carvalho, secretário de Estado responsável pela Comunicação Social entre 1995 e 2001, lançou este Verão Valerá a pena desmenti-los?, um livro que classifica como «de combate» e de «legítima defesa», constituído por um conjunto de hipotéticas cartas abertas a personalidades marcantes nesta área. Na missiva que dirige a Francisco Pinto Balsemão, o autor reconhece ter-se deixado colocar num papel de porta-voz e defensor da RTP face às outras empresas. Explica a sua posição: «Senti-me muitas vezes impelido a defender a RTP, como forma de sustentar a ideia de um serviço público de televisão em moldes europeus. Recebi, por isso, 'palmadinhas' nas costas e quase sempre uma total solidariedade, mas preferiria ter tido quem, na altura própria e a vários níveis, assumisse também as suas opiniões e, sobretudo, responsabilidades com uma posição mais reactiva. E que o Governo, no seu todo, assumisse a defesa do serviço público, de acordo com o seu próprio programa.» Arons não se inibe de revelar as «divergências de fundo» que existiram entre ele e José Sócrates - o ministro responsável pela Comunicação Social - sobre a RTP. Tal como chega a afirmar que, com Armando Vara como ministro Adjunto, «de Novembro de 99 até ao Verão de 2000, não tive nem a tutela efectiva da RTP ou, em geral, das empresas do sector público da comunicação social, nem relevante intervenção nas grandes decisões». Alberto Arons de Carvalho, secretário de Estado responsável pela Comunicação Social entre 1995 e 2001, lançou este Verão, um livro que classifica comoe de, constituído por um conjunto de hipotéticas cartas abertas a personalidades marcantes nesta área. Na missiva que dirige a Francisco Pinto Balsemão, o autor reconhece ter-se deixado colocar num papel de porta-voz e defensor da RTP face às outras empresas. Explica a sua posição:Arons não se inibe de revelar asque existiram entre ele e José Sócrates - o ministro responsável pela Comunicação Social - sobre a RTP. Tal como chega a afirmar que, com Armando Vara como ministro Adjunto, Arons de Carvalho Alberto Costa, que foi ministro da Administração Interna entre Outubro de 95 e Novembro de 97, também sentiu necessidade de um ajuste de contas. Quase cinco anos depois. Esta (não) É a Minha Polícia - Mudanças e Popularidade reúne uma série de reflexões sobre a segurança e a modernização da instituição policial. Mas é no prefácio que Costa manda recados aos seus colegas do Governo socialista. «Olhando para trás, há hoje a tentação de ver só diálogo, culto da imagem, da sondagem e da popularidade, conciliação com interesses e posições corporativas, ziguezagues, adiamentos, indecisão. É verdade que houve um tempo em que prevaleceu um estilo em que alguns desses elementos eram dominantes. Manchetes desfavoráveis nos jornais, aberturas agressivas nos telejornais, lugares na cauda da hierarquia da popularidade, recusas de diálogo ainda que com grupos que se manifestavam violando as regras - eram, então, exemplos de factores que podiam conduzir à perda ou à precarização». Vai mais longe: «Imagens televisivas de uma carga policial ou de uma 'milícia popular' eram capazes de suscitar, nalguns, inquietação irreprimível, não pelas regras ou valores que estivessem em causa, mas pelos seus efeitos sobre as sondagens, a imagem ou a subsistência do 'estado de graça'.» Para concluir que «a habilidade para evitar que tais situações se produzissem e para conseguir que as narrativas mediáticas fossem favoráveis constituía, no livro desse estilo, a primeira das virtudes políticas». Quer ele dizer que, como homem de acção, foi nitidamente prejudicado por alguma «inabilidade, má imprensa, diálogo a menos, má imagem, decisões de alto risco, popularidade em baixo». Alberto Costa, que foi ministro da Administração Interna entre Outubro de 95 e Novembro de 97, também sentiu necessidade de um ajuste de contas. Quase cinco anos depois.reúne uma série de reflexões sobre a segurança e a modernização da instituição policial. Mas é no prefácio que Costa manda recados aos seus colegas do Governo socialista.. Vai mais longe:Para concluir que. Quer ele dizer que, como homem de acção, foi nitidamente prejudicado por alguma Cinco dos livros que exemplificam o fenómeno: ex-governantes relatam a experiência da sua passagem pelo Governo chefiado por Guterres Manuel Maria Carrilho fez críticas violentíssimas à governação socialista a partir do Verão de 2000. Tivesse Guterres emendado a mão perante o diagnóstico do ex-ministro da Cultura e talvez não tivesse saído pela porta baixa após o «cartão vermelho» que recebeu dos portugueses em Dezembro de 2001. Os «avisos» de Carrilho foram vários e sempre contundentes. «Estamos a cumprir ou a defraudar as promessas que fizemos ao país?», questionava, avançando que «a causa estrutural da qualificação - que deveria ter tido na 'paixão' da educação o seu motor - foi muito depressa betonada pela força de outros interesses, nomeadamente pelo das 'obras públicas' (metáfora cada vez mais opaca de fortíssimos interesses privados), há muito os mais 'bem' instalados na sociedade portuguesa». Teve mesmo a ousadia de fazer um repto a Guterres. «Este é o momento da escolha: ou mantemos o lastro de inércia em que temos vivido e apenas nos espera 'mais do mesmo', isto é, investimento maciço em obras públicas, satisfação dos 'lobbies' e das corporações mais ou menos parasitárias, do resto trata-se 'mais tarde'; ou se rompe com este estado da Nação e, então, é preciso pôr a exigência de qualificação e de valorização das pessoas à frente de tudo.» Manuel Maria Carrilho fez críticas violentíssimas à governação socialista a partir do Verão de 2000. Tivesse Guterres emendado a mão perante o diagnóstico do ex-ministro da Cultura e talvez não tivesse saído pela porta baixa após o «cartão vermelho» que recebeu dos portugueses em Dezembro de 2001. Os «avisos» de Carrilho foram vários e sempre contundentes., questionava, avançando que. Teve mesmo a ousadia de fazer um repto a Guterres. Até o sóbrio ministro da Educação da primeira legislatura não conseguiu resistir à moda dos livros de balanço da experiência governativa. Eduardo Marçal Grilo fez-se entrevistar pela jornalista Dulce Neto, mas as notas mais curiosas de Difícil É Sentá-los são decalcadas do seu diário. Eis um extracto significativo: «À tarde, lá fui eu ao sacrifício do parlamento apresentar o Orçamento. Pérolas a porcos. Com a saída do Carlos Coelho, o nível do debate, que já não era grande coisa, ficou agora ao nível da indigência política e técnica. De Educação conseguem perceber nada.» Esta «pérola» remonta a 1999. Mas em 98 o ministro já acusava o desgaste: «O Ministério começa a maçar-me. Só a ideia de, amanhã, ter novamente reuniões e chatices diversas incomoda-me e desanima-me. Até quando é que eu terei paciência para tudo isto?»«A Juventude Popular teve uma audiência comigo. O nível continua a ser de uma pobreza franciscana. São rapazes simpáticos, perfumados, de boas famílias, com roupa de marca, mas com pouco na cabeça. Com estes jovens não vamos lá», escreveu no diário. Até o sóbrio ministro da Educação da primeira legislatura não conseguiu resistir à moda dos livros de balanço da experiência governativa. Eduardo Marçal Grilo fez-se entrevistar pela jornalista Dulce Neto, mas as notas mais curiosas desão decalcadas do seu diário. Eis um extracto significativo:Esta «pérola» remonta a 1999. Mas em 98 o ministro já acusava o desgaste:, escreveu no diário. A classe intelectual também não lhe merece grande consideração: «Estes intelectuais de Lisboa são uns bons tontos! Falam sobre tudo, sabem de tudo, mas, para se fazerem notados e ganhar protagonismo, têm sistematicamente de dizer coisas bombásticas e arrasadoras.» Os jornalistas não estão muito melhor cotados no seu «ranking». «Os jornais têm poucas notícias e, portanto, inventam-nas», escreve em 1998. O ex-ministro da Educação trocaria o Governo pela Fundação Gulbenkian, instituição que serve desde 1985. «É bem melhor isto do que ter sido corrido a pontapé ou sair pela esquerda baixa», concluiu em Outubro de 1999. A classe intelectual também não lhe merece grande consideração:Os jornalistas não estão muito melhor cotados no seu «ranking»., escreve em 1998. O ex-ministro da Educação trocaria o Governo pela Fundação Gulbenkian, instituição que serve desde 1985., concluiu em Outubro de 1999. Vítor Ramalho, secretário de Estado-adjunto do ministro da Economia entre 1997 e 2000, lançou um livro de ficção. A Dança do Fogo conta o percurso de um angolano de ascendência europeia que nos anos 60 vem estudar para Lisboa. A ditadura e a guerra colonial obrigam-no a exilar-se em Paris. Regressa a Portugal após o 25 de Abril e aqui segue o desenrolar dos acontecimentos políticos. João, o protagonista, é filiado no Partido Socialista, mas nos últimos tempos começa a «meditar sobre a natureza do partido a que aderira». O ideário parece-lhe cada vez mais difuso. No antepenúltimo congresso do PS, em 2001, João alerta: «Desculpem, não acham que o mundo mudou e que o partido não pode continuar à volta do umbigo?» Alguém lhe responde: «Onde é que cabe a política? E o pensamento sobre o futuro, a estratégia?» Nem na ficção os reparos ao colapso do espírito que presidiu aos Estados Gerais para uma Nova Maioria são omitidos. A moda pegou e veio para ficar. É caso para perguntar: para quando o primeiro livro de um governante da actual coligação PSD/CDS? Ter-se-á de esperar que as sondagens comecem a fazer tremer a maioria?

Para todos os gostos O MERCADO livreiro português está bem e recomenda-se. Escritores não faltam e leitores também não. A Bertrand lançou este ano 36 títulos de autores nacionais. Vasco Graça Moura, Marcelo Rebelo de Sousa e Maria Filomena Mónica são as principais referências desta editora, que não se fez rogada a obras mais ligeiras, como a «Ferida de Amor», de Catarina Fortunato de Almeida, e a «História Alegre de Portugal» em banda desenhada. A Oficina do Livro também tem publicações para todos os tipos de público. Entre os 38 livros de escritores portugueses lançados em 2002, a par da «literatura light» de Margarida Rebelo Pinto e Filipa Múrias, há lugar para livros dedicados ao desenvolvimento pessoal e testemunhos como os de Paulo Teixeira Pinto e do general Silva Cardoso. A Editorial Caminho lançou recentemente «O Homem Duplicado», de José Saramago, que vende mais do que todos os outros autores da editora. Dos 35 livros editados este ano, Manuel da Fonseca, Daniel Sampaio e José Casanova são os mais procurados, embora não seja de menosprezar o êxito de Alice Vieira e da dupla Ana Maria Magalhães/Isabel Alçada no campo da literatura juvenil. João de Deus Pinheiro é o autor com mais sucesso da Editorial Notícias. O seu recente romance está a superar todas as expectativas. Em 2002, entre os 52 livros de autores portugueses, destacam-se os de Carlos Encarnação, Vicente Jorge Silva, Manuel Maria Carrilho e as memórias de Vasco Gonçalves.

COMENTÁRIOS (1)

POLÍTICOS De caneta em riste Seis ex-governantes socialistas puseram-se à escrita para se demarcarem do estilo guterrista, justificar opções, acertar contas com colegas. O resultado é demolidor

Texto de Isabel Oliveira

Alberto Costa A política e a literatura andaram muitas vezes de braço dado. Os políticos dados às letras são inúmeros, tanto no panorama nacional como no estrangeiro. Há perto de dois anos surgiu, contudo, um género muito peculiar de escrita, protagonizado por ex-membros do Governo que sentiram necessidade de justificar a sua passagem pelo poder, de acertar contas com colegas de «infortúnio», de se demarcar de medidas que lhes terão sido associadas. Do conjunto de pupilos de António Guterres, são já seis os que deram à estampa obras para repor a verdade dos factos. A política e a literatura andaram muitas vezes de braço dado. Os políticos dados às letras são inúmeros, tanto no panorama nacional como no estrangeiro. Há perto de dois anos surgiu, contudo, um género muito peculiar de escrita, protagonizado por ex-membros do Governo que sentiram necessidade de justificar a sua passagem pelo poder, de acertar contas com colegas de «infortúnio», de se demarcar de medidas que lhes terão sido associadas. Do conjunto de pupilos de António Guterres, são já seis os que deram à estampa obras para repor a verdade dos factos. Manuel Maria Carrilho inaugurou o género. Mal deixou o governo socialista, aceitou escrever uma coluna semanal no «Diário de Notícias» que depressa se transformou no pavor dos que se mantiveram no poder. O ex-ministro da Cultura não poupou nada nem ninguém. A sua crítica demolidora tornava-o o mais temível opositor da equipa liderada por António Guterres. Semana após semana, Carrilho atacava cirurgicamente os alicerces da governação socialista, não deixando pedra sobre pedra. Estas invectivas valer-lhe-iam uma monumental pateada no congresso do PS de Maio de 2001, a que Guterres concorreu sozinho. À medida que o executivo de Guterres entrava na espiral da desgraça, outros ex-governantes apressavam-se a publicar escritos em que se demarcavam das políticas até então aplaudidas. A derrota dos socialistas nas autárquicas de Dezembro de 2001, que ditaria a demissão de Guterres e a vitória anunciada do PSD nas legislativas antecipadas de Março deste ano, precipitou nalguns casos, sublinhou noutros, dissidências inesperadas. Marçal Grilo António Correia de Campos, ministro da Saúde do último fôlego guterrista, acaba de lançar as Confissões Políticas da Saúde - Auto de breve governação. Nas suas palavras, trata-se apenas de «um testemunho de 'governar a correr'», o que acaba por constituir uma justificação para o seu legado naquela pasta estratégica. «Não tenho razões de queixa de ninguém, só de mim», refere em jeito de preâmbulo. Não resiste, no entanto, a contar que, nas vésperas «do mais deprimente dos últimos congressos do PS» - que decorreu em 5 e 6 de Maio de 2001, marcado «pelo vazio da discussão política e pelo falhanço mediático do gesto de carinho de António Guterres a sua mulher» - ele, Correia de Campos, Joaquim Silva Pinto e João Cravinho se reuniram para lançar um «clube de debate de ideias» à revelia da direcção do partido. A estratégia seria delineada um mês após a reunião magna dos socialistas: «Primeiro, concitar-se-iam 20 signatários e depois uma centena deles. Criar-se-ia uma associação sem fins lucrativos com os primeiros subscritores, e abrir-se-ia depois a todos os interessados, dentro e fora do PS. Criou-se uma lista dos subscritores-alvo e preparávamo-nos para a 'pesca à linha'». Curiosamente, o projecto não seria levado por diante porque dois dos «conspiradores» - Correia de Campos e João Cravinho - sucumbiram à jogada de antecipação de Guterres, que os chamou a integrar o seu último Governo. E eles depressa mandaram o debate às urtigas. António Correia de Campos, ministro da Saúde do último fôlego guterrista, acaba de lançar as. Nas suas palavras, trata-se apenas de, o que acaba por constituir uma justificação para o seu legado naquela pasta estratégica., refere em jeito de preâmbulo. Não resiste, no entanto, a contar que, nas vésperas- que decorreu em 5 e 6 de Maio de 2001, marcado- ele, Correia de Campos, Joaquim Silva Pinto e João Cravinho se reuniram para lançar umà revelia da direcção do partido. A estratégia seria delineada um mês após a reunião magna dos socialistas:. Curiosamente, o projecto não seria levado por diante porque dois dos «conspiradores» - Correia de Campos e João Cravinho - sucumbiram à jogada de antecipação de Guterres, que os chamou a integrar o seu último Governo. E eles depressa mandaram o debate às urtigas. Correia de Campos Crê que esteve na calha para ministro no primeiro Governo socialista, em 1995, mas Guterres preocupou-se essencialmente com as Finanças, Negócios Estrangeiros, Defesa, «depois a Administração Interna, a Educação, Segurança Social, Economia, Agricultura e, no final de todas, como acontece sempre, lá viria a Saúde». Insinua que não chegou à cadeira do poder porque o primeiro-ministro foi sensível a pressões corporativistas «que o dissuadiram de me designar». Maria de Belém Roseira levou a melhor: «Conhecia bem o sector da Saúde, tinha capacidade política e era amiga pessoal de Guterres», conclui com alguma amargura. Afiança que só na Primavera de 2001 voltou a ponderar a hipótese de «ocupar um lugar deste tipo». A «fragilidade da governação no sector da Saúde» - um recado directo a Manuela Arcanjo - e a «recorrente questão do défice» tê-lo-ão motivado para lhe suceder. O pai fez o resto, recordando-lhe que «é na adversidade que se mede a têmpera dos homens». Crê que esteve na calha para ministro no primeiro Governo socialista, em 1995, mas Guterres preocupou-se essencialmente com as Finanças, Negócios Estrangeiros, Defesa,. Insinua que não chegou à cadeira do poder porque o primeiro-ministro foi sensível a pressões corporativistas. Maria de Belém Roseira levou a melhor:, conclui com alguma amargura. Afiança que só na Primavera de 2001 voltou a ponderar a hipótese de. A- um recado directo a Manuela Arcanjo - e atê-lo-ão motivado para lhe suceder. O pai fez o resto, recordando-lhe que Manuel Maria Carrilho Alberto Arons de Carvalho, secretário de Estado responsável pela Comunicação Social entre 1995 e 2001, lançou este Verão Valerá a pena desmenti-los?, um livro que classifica como «de combate» e de «legítima defesa», constituído por um conjunto de hipotéticas cartas abertas a personalidades marcantes nesta área. Na missiva que dirige a Francisco Pinto Balsemão, o autor reconhece ter-se deixado colocar num papel de porta-voz e defensor da RTP face às outras empresas. Explica a sua posição: «Senti-me muitas vezes impelido a defender a RTP, como forma de sustentar a ideia de um serviço público de televisão em moldes europeus. Recebi, por isso, 'palmadinhas' nas costas e quase sempre uma total solidariedade, mas preferiria ter tido quem, na altura própria e a vários níveis, assumisse também as suas opiniões e, sobretudo, responsabilidades com uma posição mais reactiva. E que o Governo, no seu todo, assumisse a defesa do serviço público, de acordo com o seu próprio programa.» Arons não se inibe de revelar as «divergências de fundo» que existiram entre ele e José Sócrates - o ministro responsável pela Comunicação Social - sobre a RTP. Tal como chega a afirmar que, com Armando Vara como ministro Adjunto, «de Novembro de 99 até ao Verão de 2000, não tive nem a tutela efectiva da RTP ou, em geral, das empresas do sector público da comunicação social, nem relevante intervenção nas grandes decisões». Alberto Arons de Carvalho, secretário de Estado responsável pela Comunicação Social entre 1995 e 2001, lançou este Verão, um livro que classifica comoe de, constituído por um conjunto de hipotéticas cartas abertas a personalidades marcantes nesta área. Na missiva que dirige a Francisco Pinto Balsemão, o autor reconhece ter-se deixado colocar num papel de porta-voz e defensor da RTP face às outras empresas. Explica a sua posição:Arons não se inibe de revelar asque existiram entre ele e José Sócrates - o ministro responsável pela Comunicação Social - sobre a RTP. Tal como chega a afirmar que, com Armando Vara como ministro Adjunto, Arons de Carvalho Alberto Costa, que foi ministro da Administração Interna entre Outubro de 95 e Novembro de 97, também sentiu necessidade de um ajuste de contas. Quase cinco anos depois. Esta (não) É a Minha Polícia - Mudanças e Popularidade reúne uma série de reflexões sobre a segurança e a modernização da instituição policial. Mas é no prefácio que Costa manda recados aos seus colegas do Governo socialista. «Olhando para trás, há hoje a tentação de ver só diálogo, culto da imagem, da sondagem e da popularidade, conciliação com interesses e posições corporativas, ziguezagues, adiamentos, indecisão. É verdade que houve um tempo em que prevaleceu um estilo em que alguns desses elementos eram dominantes. Manchetes desfavoráveis nos jornais, aberturas agressivas nos telejornais, lugares na cauda da hierarquia da popularidade, recusas de diálogo ainda que com grupos que se manifestavam violando as regras - eram, então, exemplos de factores que podiam conduzir à perda ou à precarização». Vai mais longe: «Imagens televisivas de uma carga policial ou de uma 'milícia popular' eram capazes de suscitar, nalguns, inquietação irreprimível, não pelas regras ou valores que estivessem em causa, mas pelos seus efeitos sobre as sondagens, a imagem ou a subsistência do 'estado de graça'.» Para concluir que «a habilidade para evitar que tais situações se produzissem e para conseguir que as narrativas mediáticas fossem favoráveis constituía, no livro desse estilo, a primeira das virtudes políticas». Quer ele dizer que, como homem de acção, foi nitidamente prejudicado por alguma «inabilidade, má imprensa, diálogo a menos, má imagem, decisões de alto risco, popularidade em baixo». Alberto Costa, que foi ministro da Administração Interna entre Outubro de 95 e Novembro de 97, também sentiu necessidade de um ajuste de contas. Quase cinco anos depois.reúne uma série de reflexões sobre a segurança e a modernização da instituição policial. Mas é no prefácio que Costa manda recados aos seus colegas do Governo socialista.. Vai mais longe:Para concluir que. Quer ele dizer que, como homem de acção, foi nitidamente prejudicado por alguma Cinco dos livros que exemplificam o fenómeno: ex-governantes relatam a experiência da sua passagem pelo Governo chefiado por Guterres Manuel Maria Carrilho fez críticas violentíssimas à governação socialista a partir do Verão de 2000. Tivesse Guterres emendado a mão perante o diagnóstico do ex-ministro da Cultura e talvez não tivesse saído pela porta baixa após o «cartão vermelho» que recebeu dos portugueses em Dezembro de 2001. Os «avisos» de Carrilho foram vários e sempre contundentes. «Estamos a cumprir ou a defraudar as promessas que fizemos ao país?», questionava, avançando que «a causa estrutural da qualificação - que deveria ter tido na 'paixão' da educação o seu motor - foi muito depressa betonada pela força de outros interesses, nomeadamente pelo das 'obras públicas' (metáfora cada vez mais opaca de fortíssimos interesses privados), há muito os mais 'bem' instalados na sociedade portuguesa». Teve mesmo a ousadia de fazer um repto a Guterres. «Este é o momento da escolha: ou mantemos o lastro de inércia em que temos vivido e apenas nos espera 'mais do mesmo', isto é, investimento maciço em obras públicas, satisfação dos 'lobbies' e das corporações mais ou menos parasitárias, do resto trata-se 'mais tarde'; ou se rompe com este estado da Nação e, então, é preciso pôr a exigência de qualificação e de valorização das pessoas à frente de tudo.» Manuel Maria Carrilho fez críticas violentíssimas à governação socialista a partir do Verão de 2000. Tivesse Guterres emendado a mão perante o diagnóstico do ex-ministro da Cultura e talvez não tivesse saído pela porta baixa após o «cartão vermelho» que recebeu dos portugueses em Dezembro de 2001. Os «avisos» de Carrilho foram vários e sempre contundentes., questionava, avançando que. Teve mesmo a ousadia de fazer um repto a Guterres. Até o sóbrio ministro da Educação da primeira legislatura não conseguiu resistir à moda dos livros de balanço da experiência governativa. Eduardo Marçal Grilo fez-se entrevistar pela jornalista Dulce Neto, mas as notas mais curiosas de Difícil É Sentá-los são decalcadas do seu diário. Eis um extracto significativo: «À tarde, lá fui eu ao sacrifício do parlamento apresentar o Orçamento. Pérolas a porcos. Com a saída do Carlos Coelho, o nível do debate, que já não era grande coisa, ficou agora ao nível da indigência política e técnica. De Educação conseguem perceber nada.» Esta «pérola» remonta a 1999. Mas em 98 o ministro já acusava o desgaste: «O Ministério começa a maçar-me. Só a ideia de, amanhã, ter novamente reuniões e chatices diversas incomoda-me e desanima-me. Até quando é que eu terei paciência para tudo isto?»«A Juventude Popular teve uma audiência comigo. O nível continua a ser de uma pobreza franciscana. São rapazes simpáticos, perfumados, de boas famílias, com roupa de marca, mas com pouco na cabeça. Com estes jovens não vamos lá», escreveu no diário. Até o sóbrio ministro da Educação da primeira legislatura não conseguiu resistir à moda dos livros de balanço da experiência governativa. Eduardo Marçal Grilo fez-se entrevistar pela jornalista Dulce Neto, mas as notas mais curiosas desão decalcadas do seu diário. Eis um extracto significativo:Esta «pérola» remonta a 1999. Mas em 98 o ministro já acusava o desgaste:, escreveu no diário. A classe intelectual também não lhe merece grande consideração: «Estes intelectuais de Lisboa são uns bons tontos! Falam sobre tudo, sabem de tudo, mas, para se fazerem notados e ganhar protagonismo, têm sistematicamente de dizer coisas bombásticas e arrasadoras.» Os jornalistas não estão muito melhor cotados no seu «ranking». «Os jornais têm poucas notícias e, portanto, inventam-nas», escreve em 1998. O ex-ministro da Educação trocaria o Governo pela Fundação Gulbenkian, instituição que serve desde 1985. «É bem melhor isto do que ter sido corrido a pontapé ou sair pela esquerda baixa», concluiu em Outubro de 1999. A classe intelectual também não lhe merece grande consideração:Os jornalistas não estão muito melhor cotados no seu «ranking»., escreve em 1998. O ex-ministro da Educação trocaria o Governo pela Fundação Gulbenkian, instituição que serve desde 1985., concluiu em Outubro de 1999. Vítor Ramalho, secretário de Estado-adjunto do ministro da Economia entre 1997 e 2000, lançou um livro de ficção. A Dança do Fogo conta o percurso de um angolano de ascendência europeia que nos anos 60 vem estudar para Lisboa. A ditadura e a guerra colonial obrigam-no a exilar-se em Paris. Regressa a Portugal após o 25 de Abril e aqui segue o desenrolar dos acontecimentos políticos. João, o protagonista, é filiado no Partido Socialista, mas nos últimos tempos começa a «meditar sobre a natureza do partido a que aderira». O ideário parece-lhe cada vez mais difuso. No antepenúltimo congresso do PS, em 2001, João alerta: «Desculpem, não acham que o mundo mudou e que o partido não pode continuar à volta do umbigo?» Alguém lhe responde: «Onde é que cabe a política? E o pensamento sobre o futuro, a estratégia?» Nem na ficção os reparos ao colapso do espírito que presidiu aos Estados Gerais para uma Nova Maioria são omitidos. A moda pegou e veio para ficar. É caso para perguntar: para quando o primeiro livro de um governante da actual coligação PSD/CDS? Ter-se-á de esperar que as sondagens comecem a fazer tremer a maioria?

Para todos os gostos O MERCADO livreiro português está bem e recomenda-se. Escritores não faltam e leitores também não. A Bertrand lançou este ano 36 títulos de autores nacionais. Vasco Graça Moura, Marcelo Rebelo de Sousa e Maria Filomena Mónica são as principais referências desta editora, que não se fez rogada a obras mais ligeiras, como a «Ferida de Amor», de Catarina Fortunato de Almeida, e a «História Alegre de Portugal» em banda desenhada. A Oficina do Livro também tem publicações para todos os tipos de público. Entre os 38 livros de escritores portugueses lançados em 2002, a par da «literatura light» de Margarida Rebelo Pinto e Filipa Múrias, há lugar para livros dedicados ao desenvolvimento pessoal e testemunhos como os de Paulo Teixeira Pinto e do general Silva Cardoso. A Editorial Caminho lançou recentemente «O Homem Duplicado», de José Saramago, que vende mais do que todos os outros autores da editora. Dos 35 livros editados este ano, Manuel da Fonseca, Daniel Sampaio e José Casanova são os mais procurados, embora não seja de menosprezar o êxito de Alice Vieira e da dupla Ana Maria Magalhães/Isabel Alçada no campo da literatura juvenil. João de Deus Pinheiro é o autor com mais sucesso da Editorial Notícias. O seu recente romance está a superar todas as expectativas. Em 2002, entre os 52 livros de autores portugueses, destacam-se os de Carlos Encarnação, Vicente Jorge Silva, Manuel Maria Carrilho e as memórias de Vasco Gonçalves.

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