«Avante!» Nº 1372

14-06-2002
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O multibanco

C om a presença do próprio Primeiro-Ministro António Guterres, o Governo assinou esta semana um protocolo com o governador do Banco de Portugal, Vítor Constâncio, e os representantes das mais destacadas entidades bancárias com balcões abertos no nosso país. Objectivo do protocolo: possibilitar a utilização de cartões multibanco «a cerca de três milhões de portugueses economicamente desfavorecidos», combatendo assim «a exclusão social neste domínio». Modus faciendi: a instituição de um sistema de acesso a serviços mínimos bancários «praticamente gratuitos», que conta com «a adesão voluntária dos principais bancos portugueses».

Nesta coisa de quantificar benfeitorias, Salazar dizia que beber vinho era dar de comer a um milhão de portugueses. O Governo de António Guterres vai mais longe e afirma que usar o multibanco é dar a felicidade a três milhões de pobres. Consta que na bebedeira se vê a dobrar, mas Guterres, sem embebedar ninguém, vê gente feliz a triplicar.

Acácio Barreiros, secretário de Estado para a Defesa do Consumidor, exemplificou as vantagens deste protocolo com os pagamentos do gás, da água ou da electricidade, que os tais três milhões de «portugueses economicamente desfavorecidos» estão impedidos de realizar através do multibanco. E Acácio proclama, formidável: «Compete ao Estado criar condições que garantam, ao maior número possível de cidadãos, a utilização desses serviços, combatendo a exclusão social neste domínio».

Elas aí estão. As condições. E o combate à exclusão. E o cartão multibanco, agora definido pelo Governo como «um serviço bancário de primeira necessidade» cuja «indisponibilidade» (palavra de Acácio) «é susceptível de consubstanciar factor de exclusão ou estigmatização social», formulação que o outro Acácio, o conselheiro, não desdenharia.

Mas não quero ser bota-abaixo. Admito, mesmo, que este «protocolo do multibanco» é como se diz das mezinhas, se não faz bem também não faz mal. O pior é outra coisa, resumida numa pergunta: que adianta ter um cartão multibanco para fazer pagamentos, se não há dinheiro na conta nem maneira de lá o pôr?

Uma só pergunta. E três milhões de portugueses sem resposta, agitando melancolicamente o cartão frente às caixas multibanco para, semanas depois, voltarem a enfileirar frente aos guichets das repartições a pagar com atraso e multa as contas do costume. Sim, que isto dos pagamentos por multibanco tem data fixada e não dilata prazos, coisa que parece ter escapado aos inventores deste protocolo, na euforia de ajudar os mais desfavorecidos.

Finalmente, este protocolo do multibanco não apenas contou com a «adesão voluntária dos principais bancos portugueses» como obteve, destes, o compromisso de apenas cobrarem um máximo de 670$00/ano a cada um dos três milhões de titulares destes cartões, generosidade que o Governo considera «de grande alcance social».

Lá alcance tem. É que 670$00 cobrados a três milhões de cidadãos dá para riba de dois milhões de contos. Benemeritamente extorquidos pelos bancos aos mais pobres dos portugueses por um cartão de remota utilidade... — Henrique Custódio

«Avante!» Nº 1372 - 16.Março.2000

O multibanco

C om a presença do próprio Primeiro-Ministro António Guterres, o Governo assinou esta semana um protocolo com o governador do Banco de Portugal, Vítor Constâncio, e os representantes das mais destacadas entidades bancárias com balcões abertos no nosso país. Objectivo do protocolo: possibilitar a utilização de cartões multibanco «a cerca de três milhões de portugueses economicamente desfavorecidos», combatendo assim «a exclusão social neste domínio». Modus faciendi: a instituição de um sistema de acesso a serviços mínimos bancários «praticamente gratuitos», que conta com «a adesão voluntária dos principais bancos portugueses».

Nesta coisa de quantificar benfeitorias, Salazar dizia que beber vinho era dar de comer a um milhão de portugueses. O Governo de António Guterres vai mais longe e afirma que usar o multibanco é dar a felicidade a três milhões de pobres. Consta que na bebedeira se vê a dobrar, mas Guterres, sem embebedar ninguém, vê gente feliz a triplicar.

Acácio Barreiros, secretário de Estado para a Defesa do Consumidor, exemplificou as vantagens deste protocolo com os pagamentos do gás, da água ou da electricidade, que os tais três milhões de «portugueses economicamente desfavorecidos» estão impedidos de realizar através do multibanco. E Acácio proclama, formidável: «Compete ao Estado criar condições que garantam, ao maior número possível de cidadãos, a utilização desses serviços, combatendo a exclusão social neste domínio».

Elas aí estão. As condições. E o combate à exclusão. E o cartão multibanco, agora definido pelo Governo como «um serviço bancário de primeira necessidade» cuja «indisponibilidade» (palavra de Acácio) «é susceptível de consubstanciar factor de exclusão ou estigmatização social», formulação que o outro Acácio, o conselheiro, não desdenharia.

Mas não quero ser bota-abaixo. Admito, mesmo, que este «protocolo do multibanco» é como se diz das mezinhas, se não faz bem também não faz mal. O pior é outra coisa, resumida numa pergunta: que adianta ter um cartão multibanco para fazer pagamentos, se não há dinheiro na conta nem maneira de lá o pôr?

Uma só pergunta. E três milhões de portugueses sem resposta, agitando melancolicamente o cartão frente às caixas multibanco para, semanas depois, voltarem a enfileirar frente aos guichets das repartições a pagar com atraso e multa as contas do costume. Sim, que isto dos pagamentos por multibanco tem data fixada e não dilata prazos, coisa que parece ter escapado aos inventores deste protocolo, na euforia de ajudar os mais desfavorecidos.

Finalmente, este protocolo do multibanco não apenas contou com a «adesão voluntária dos principais bancos portugueses» como obteve, destes, o compromisso de apenas cobrarem um máximo de 670$00/ano a cada um dos três milhões de titulares destes cartões, generosidade que o Governo considera «de grande alcance social».

Lá alcance tem. É que 670$00 cobrados a três milhões de cidadãos dá para riba de dois milhões de contos. Benemeritamente extorquidos pelos bancos aos mais pobres dos portugueses por um cartão de remota utilidade... — Henrique Custódio

«Avante!» Nº 1372 - 16.Março.2000

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