Como o Governo a UGT e a CIP acordaram o código laboral

22-02-2003
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Como o Governo a UGT e a CIP Acordaram o Código Laboral

Segunda-feira, 17 de Fevereiro de 2003 O acordo sobre o Código Laboral que o Governo, a CIP e a UGT anunciaram em Janeiro foi negociado às escondidas. Os encontros começaram em Novembro e passaram por S. Bento e pelo Palácio de Belém. Reconstituição da teia do compromisso. Passo a passo. Às nove horas da noite de dia 7 de Janeiro, terça-feira, com um mês e meio de reuniões secretas em cima de todos os ombros que se alinhavam à volta da mesa no seu gabinete, o ministro da Segurança Social e do Trabalho, Bagão Félix, viu o caso mal parado. Francisco Van Zeller cruzava os braços e declarava com um ar profundamente sério que já estava farto, que se queriam fazer imposições se levantava da cadeira e saía porta fora. Discutia-se a revogação e sucessão de convenções colectivas, os artigos 546 e 547 do Código do Trabalho lançado pelo Governo em Julho, e o presidente da CIP indignava-se com o finca-pé num texto que permitia leituras restritivas. Para piorar, o secretário-geral da UGT, João Proença, repetia sem parar os mesmos argumentos. "Meus senhores", disse o ministro levantando as mãos, "estamos todos talvez demasiado cansados. É melhor fazer um pequeno intervalo para reunirmos em separado". Ergueu-se e pediu à delegação da Confederação da Indústria Portuguesa que o seguisse para uma pequena sala ligada directamente ao gabinete. Estava às escuras, e foi ele mesmo à procura do quadro para acender as luzes. Regressou depois ao gabinete e disse a Manuela Teixeira, presidente da UGT, e a João Proença que ficassem à vontade, aquela divisão estava por conta deles. E acompanhado por Pais Antunes, secretário de Estado do Trabalho, instalou-se ele próprio na sala de entrada daquele piso do Ministério. As negociações secretas entre o Governo, a CIP e a UGT com vista a um acordo sobre o Código de Trabalho começaram pouco depois dos encontros na Comissão Permanente da Concertação Social (CPCS) terem findado no dia 8 de Novembro com um considerável insucesso e de, quatro dias mais tarde, o Conselho de Ministros ter aprovado uma versão com 669 artigos muito pouco consensuais. No dia 19 de Novembro a CGTP convocou uma greve geral para 10 de Dezembro - mas a UGT declarou logo a seguir que não alinhava e que pretendia aproveitar todas as oportunidades para negociar. É então que começa um lento movimento de aproximação entre um triângulo que se vai desenhando com crescente nitidez: o ministro Bagão Félix, Francisco Van Zeller e João Proença começam a falar com frequência ao telemóvel. Trocam ideias, apalpam pulsos, testam resistências, marcam encontros. Nos plenários, nos jornais, nas televisões os discursos continuam iguais. Mas começam a reunir-se às escondidas uns com os outros. A conspiração corre relativamente bem até ao Natal, e no domingo 5 de Janeiro, na véspera do recomeço das conversações públicas na Concertação Social, as três partes passam sete horas juntas no Ministério do Trabalho. Essa conversa é, tal como as anteriores, mantida em absoluto segredo quando no dia seguinte regressam à concertação social e se sentam à mesa em frente à CGTP. Agora, terça-feira, 7, ali estão, cada qual em sua sala do Ministério do Trabalho, todos cansados, com fome e um pouco fartos uns dos outros, a um passo de chegarem a acordo e, ao mesmo tempo, no meio de um delicado incidente que pode deitar tudo a perder. Na sala de entrada, Bagão Félix fala com Pais Antunes e comenta filosoficamente que "a paciência é a coragem de todos os dias". Ele próprio cedera há menos de uma hora num ponto assaz relevante: aceitara manter cinco faltas não justificadas seguidas, ou dez interpoladas, como motivo para despedimento com justa causa, ele que tentara impor quatro/oito no anteprojecto apresentado em Julho e que só recuara para para cinco/oito na reunião de domingo anterior. "Para se chegar a um compromisso é importante que isso fique na mesma?", perguntara já depois das 20 horas a João Proença e a Manuela Teixeira. Estes responderam que sim, que para eles era fundamental. "Então pronto", concluiu o ministro, "fica como está". Parecia que chegava para ter acordo, mas não. As convenções colectivas puseram tudo em risco uma vez mais. "Já tínhamos perdido quase tudo, não podíamos perder mais", relata Francisco Van Zeller (muito preocupado em passar a ideia de que o acordo foi melhor para os sindicalistas do que para os patrões). "Aceitar o acordo no final foi de facto mais difícil para a CIP do que para a UGT", afirma Manuela Teixeira. "O engenheiro Van Zeller é um empresário aberto, dialogante, europeu. Percebia bem a importância de se chegar a um acordo", elogia Bagão Félix. Antes das 22h00 estão todos de regresso à mesma mesa. Não se muda o teor do artigo 547 mas o ministro sugere que se lhe acrescente as palavras "nível [de protecção] global [dos trabalhadores]", para afastar leituras restritivas. Dão-se mais umas pinceladas cirúrgicas num par de artigos. E acaba a reunião, a última antes do compromisso ser tornado público. Desde a primeira hora ficou claro que a liberalização das leis laborais ia ser uma das batalhas simbólicas do ano de arranque do Governo PSD-PP. E a primeira hora soou no dia 7 de Maio de 2002, quando o ministro dos Assuntos Parlamentares, Luís Marques Mendes, anunciou que, até Julho, avançaria a revisão da lei do contrato individual de trabalho. O anúncio foi feito no mesmo dia em que o Governo apresentou o Orçamento Rectificativo para 2002 e - até porque vinha acompanhado de outras novidades - transportava uma mensagem precisa: estava aberto o "ciclo" das reformas estruturais. Ora bem, quando se escolhe uma batalha para o início do mandato é com a intenção de a ganhar a qualquer preço, e logo no primeiro ano. Se feridas forem feitas, haverá depois tempo para as curar nos últimos anos da legislatura. Este pressentimento assaltou decerto o secretário-geral da UGT e o presidente da CIP porque, em meados de Junho, um mês antes de conhecerem as reais intenções do Governo, encontraram-se para conversar discretamente. Não houve dificuldades de entendimento - "Somos ambos engenheiros químicos, falamos a mesma linguagem", dirá depois Van Zeller. Percebem que a pedra de toque é a mesma para os dois: "É necessária uma negociação colectiva mais rica, mais aberta, com um papel central nas relações entre os trabalhadores e as empresas", sintetiza João Proença. "A UGT queria negociações colectivas mais abertas para conseguir entrar nelas e, com uma nova lógica sindical, ganhar implantação nacional; a CIP queria-as para que houvesse progresso", resume o presidente. Ficam conversados. Passa um mês. No dia 18 de Julho o Conselho de Ministros aprova o ante-projecto de Código de Trabalho com alterações profundas em domínios como os horários e as horas extraordinárias, os contratos a prazo, o combate ao absentismo, a mobilidade e a flexibilidade, o regime de férias e de feriados ou os despedimentos com justa causa. No dia 26 de Julho João Proença reúne com Carvalho da Silva, secretário-geral da CGTP-Inter. Declaram ambos publicamente a "gravidade" do que está em causa e revelam que fizeram um acordo para articular posições na Comissão Permanente da Concertação Social. O tom mediático está dado, mas na comissão permanente da UGT, que se reúne dias depois, as palavras são outras: "Vai haver um novo código do trabalho, ninguém tenha dúvidas". João Proença, Manuela Teixeira, Rui Oliveira e Costa, Delmiro Carreira (presidente do Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas), João de Deus Pires (Marinha Mercante) concluem que não haverá formas de luta que façam o Governo recuar, pelo que resta negociar. Por outro lado, sustenta então Oliveira e Costa, luta nas ruas e nas empresas haverá sempre: "A CGTP tem uma posição imobilista - acha que o desenvolvimento económico é compatível com as actuais leis laborais - e, portanto, não tem margem de manobra para negociar o que quer que seja e tem que vir para rua gritar. Mesmo que o Manuel Carvalho da Silva se quisesse social-democratizar, como fez o Lula no Brasil, não tem autonomia estratégica face ao Comité Central do PCP". [Aqui faz-se um parêntesis para dar oportunidade a Manuel Carvalho da Silva de responder a esta avaliação. "Isso é uma atoarda sem sentido", afirma o secretário-geral da CGTP. "O que a CGTP não negoceia é princípios! Sabem l* o que é autonomia... A UGT tem de fazer compromissos para sobreviver, tem autonomia para a sobrevivência. Por duas razões. Primeira: uma parte significativa da UGT está no PSD. Segunda: tem autonomia face ao PS, não tem autonomia face ao poder e ao capital."] Regressemos à comissão permanente. A conclusão é a de que se não for a UGT a negociar em nome dos trabalhadores, ninguém mais o fará - o Governo aprovará o código como estiver e durante uns seis-dez anos ninguém mais lhe voltará a mexer. Têm portanto que se preparar para o que aí vem, à luz do que a greve geral de 1988 ensinou: aproximarem-se da CGTP para ganhar no terreno da luta; aproximarem-se de Belém para ganhar no terreno político; e encomendar pareceres a juristas do trabalho e a constitucionalistas para capitalizar o chumbo jurídico que o TC vier a fazer a uns quantos artigos. Decisões tomadas, a assistência jurídica e os pareceres são imediatamente pedidos ao professor Jorge Leite e ao advogado Américo Tomati. Não foi fácil para a UGT aguentar a pressão interna durante o último trimestre de 2002. Desde as eleições para os secretariados regionais em Setembro, que, onde quer que os dirigentes nacionais se deslocassem, os trabalhadores perguntavam: "Então, quando é que vamos para a greve geral com a Inter?" Foi preciso desempenhar um papel bem mais complicado que o da CGTP, que nos telejornais ficava sempre melhor na fotografia da combatividade sindical. "Desde o primeiro dia percebi que a CGTP não estava interessada no mínimo compromisso", afirma Bagão Félix. "No concreto das reuniões via-se bem a diferença entre ela e a UGT". Com o final da concertação social e a aprovação do código no Conselho de Ministros de 12 de Novembro, o tempo das negociações parecia ter acabado. O Governo queria até que a Assembleia da República apreciasse a proposta de lei antes do Natal. Perante isto, quando no dia 13 de Novembro se encontram na sede nacional da CGTP-In os estados-maiores das duas centrais sindicais, Carvalho da Silva argumentou virado para João Proença que havia duas coisas essenciais a considerar: primeira, "uma greve geral não se convoca por assobio, tem de ter um período mínimo de mobilização"; segunda, "tem de ser feita em tempo útil, para produzir efeitos". Proença, um bocado enfiado, responde-lhe que está bem, mas "a UGT não entra em cavalgadas", uma alusão subtil ao PCP. E informa que pretende mover todas as influências para que o período de discussão pública do documento na Assembleia seja prolongado até Janeiro: "Ora", conclui, "não faz sentido pedir para alargar o período de negociações e, ao mesmo tempo, andar a marcar greves gerais". As duas centrais separam-se sem acordo. A partir da greve conjunta na função pública, a 14 de Novembro, cada qual começou a correr para seu lado. A dinâmica da própria CGTP, do Partido Comunista, do Bloco de Esquerda e de sectores socialistas onde se incluem Mário Soares e a JS, empurram a central para a greve geral. Quanto à UGT, João Proença tenta logo a 21 de Novembro convencer o presidente da Assembleia da República, Mota Amaral, a revogar o despacho em que agendara a votação na generalidade do código laboral para dia 20 de Dezembro e a adiar essa data Os ecos desta conversa percorreram um corredor da AR e chegaram ao gabinete ao ministro dos Assuntos Parlamentares, Marques Mendes. E fizeram-no reflectir, de si para si, que realmente não havia urgência em aprovar um código que não agradava nem aos patrões nem aos trabalhadores. Telefona a Bagão Félix e, durante essa sexta-feira e sábado, reflectiram sobre a situação política. Havia ou não, ainda, condições para se chegar a um acordo? Bagão Félix achava que sim: "Isso sente-se: lê-se nos olhos se há vontade de negociar, se é genuína, se não é meramente táctica". A sua leitura encaixa no que Marques Mendes deseja fazer: ceder no instrumental (adiar a data da votação) para não comprometer o essencial - ter um código minimamente consensual: "Se se prolongar a discussão apenas mais duas ou três semanas dá-se um sinal de existência de margem negocial e, em simultâneo, um sinal de firmeza - o código é mesmo para aprovar". Faltava obter a concordância do primeiro-ministro, por sinal ausente no estrangeiro, que só regressava no domingo. Estava-se em pleno congresso do PS no Coliseu de Lisboa e Ferro Rodrigues utilizava o não-acordo no código laboral para disparar sobre o Governo. Durão Barroso aterra em Lisboa e vai direito para o Hotel Marriott encerrar um dia de debates promovido pelo PSD e pelo PP. O primeiro-ministro ainda brada que quem quer prolongar o debate para além do Ano Novo "só deseja manter acesa a chama da confrontação". Mas, logo a seguir, já longe dos microfones e devidamente conversado por Marques Mendes e Bagão Félix, concede em reabrir a discussão na Concertação Social até 8 de Janeiro, e a adiar a votação global no Parlamento para o dia 15. Decide-se então que o anúncio será feito por ele próprio na terça-feira, no final das jornadas parlamentares do PSD em Portalegre. Sem saber disto, João Proença está na manhã seguinte na AR para falar com Pina Moura, que preside à comissão parlamentar de Trabalho e Assuntos Sociais. A pressão para uma greve geral conjunta com a CGTP asfixia-o, e ele sabe que, se não houver prorrogação do prazo de discussão pública do código, a sua margem para fugir a ela será nula. Carvalho da Silva pressente esse drama e sabe que pode pressionar mais a UGT para seguir a CGTP. Opta, todavia, por não o fazer: na terça-feira ao princípio da tarde João Proença recebe em Bruxelas um telefonema de Carvalho da Silva a informá-lo de que, dentro de minutos, a CGTP irá convocar sozinha uma greve geral para 10 de Dezembro. "Está bem, tomo nota", responde-lhe. Duas horas mais tarde o primeiro-ministro torna público o alargamento do prazo. Os dados estão novamente lançados. O avanço da CGTP para a confrontação não tem recuo; mas a UGT ganhou um novo espaço de manobra: no dia 21 de Novembro o seu Secretariado Nacional aprova oito questões (na realidade nove) que são as suas principais reivindicações. É um espécie de caderno-de-encargos para negociar. Manuela Teixeira pede logo uma audiência a Durão Barroso para saber com que linhas se podem coser. E João Proença começa a falar ao telemóvel com o ministro Bagão Félix. "No início de Dezembro era claro que o Governo estava refém da possibilidade de chegar a acordo com a UGT", recorda Francisco Van Zeller. "Para nós a questão era: entrar no jogo, ou saltar fora como tinha feito a CCP. Achámos que servíamos melhor o país continuando a negociar". Segundo o presidente da CIP, a conversa a sós com Jorge Sampaio no dia 6 de Dezembro (Sampaio recebe João Proença também nesse dia) foi determinante: "Fiquei com a sensação, embora o Presidente nunca o tenha dito, de que o código não seria promulgado se não resultasse de um compromisso tripartido". O presidente da CIP e o secretário-geral da UGT encontram-se frente a frente no dia 8 de Dezembro, domingo e feriado, com o maior sigilo. João de Deus, que acompanhou João Proença, regista que a posição do presidente da CIP nessa primeira reunião é construtiva: "Mostrou-se aberto à discussão, nunca disse que havia coisas inegociáveis. Pelo contrário: procurou sempre soluções para os oito pontos que a UGT levava". Van Zeller guarda uma memória parecida. "Já sabíamos qual era a flexibilidade relativa de cada um, já estávamos na fase construtiva, já ninguém andava a tentar sacar à custa do outro", recorda. Nessa altura o presidente da CIP concentra-se em dois objectivos: obter a caducidade dos contratos colectivos para que, no futuro, empresas e sindicatos sejam "empurrados" para a negociação; e conseguir, através dessa mesma negociação, uma adaptabilidade melhor dos trabalhadores em termos fucionais, geográficos e temporais - "Tudo isto pagando, claro". Entretanto, o PS fazia tudo menos ajudar às negociações. Já em Novembro o prognóstico do grupo parlamentar socialista era de que o Governo não prolongaria o prazo da discussão até Janeiro - mas, apesar desse erro de previsão, o discurso do partido manteve a imagem de que o PS preferia usar o código como arma de arremesso contra o Governo do que apostar num acordo: "Verificou-se que há entre o Governo e o PS um universo de diferenças praticamente intransponível", declarou Ferro Rodrigues após o almoço que no princípio de Dezembro o juntou a Durão Barroso. Quem tinha ainda fresca a sua declaração ao PÚBLICO de que não punha de parte uma candidatura a Belém em 2006, viu aí um novo sinal de que o secretário-geral do PS estava mais interessado em se aproximar da CGTP do que em dar cobertura política à UGT. Aliás, essa impressão foi reforçada com a permissão do seu braço direito, Paulo Pedroso, para que declarações suas passassem num tempo de antena da CGTP a mostrar solidariedade com a greve geral de 10 de Dezembro. João Proença declara então ao "Expresso" que "um partido que quer ser governo de Portugal não deve associar-se à defesa de greves gerais". Mas, na reunião seguinte da comissão política do PS, de que faz parte, opta por não falar. Entre os secretários-gerais do partido e da UGT há uma ácida antipatia pessoal, ao que parece nascida nos tempos em que Ferro Rodrigues trabalhava naquela central e João Proença era o número dois de Torres Couto. É Rui Oliveira e Costa que faz as despesas. "O PS devia estar entre os trabalhadores e os empresários - mais próximo da parte mais fraca do contrato social -, não entre a CGTP e a UGT!", atira. "Isso é para o Bloco de Esquerda". Nas jornadas parlamentares do PS em Aveiro, em 13 e 14 de Dezembro, sob o tema da "competitividade", Ferro Rodrigues aproveita para emendar um pouco a mão. Visita empresas, fala com empresários, encontra-se depois com o presidente da CIP para discutir o código laboral, vai às centrais sindicais. No final, declara estar em "profunda sintonia" com as teses da UGT sobre o código laboral. As aparências compunham-se. Quando a 18 de Dezembro Bagão Félix volta a reunir-se em segredo com a UGT e com CIP tem "a noção de que ambos tinham partido pedra entre si, que é o que tem graça nisto". No dia 23, no jantar de Natal com os alunos da Casa Pia, recebe mais um sinal. Num momento em que fica a sós com Presidente da República e com D. José Policarpo, Jorge Sampaio pergunta-lhe "como é que vão as coisas com o código laboral?". Surpreendido, responde a sorrir que vão "mais ou menos". E o Presidente muito sério: "É muito importante para o país que se consiga um acordo!". O ministro abriu os braços: "Estou a fazer o meu melhor". E regista o recado. João Proença, Manuela Teixeira, João de Deus e Delmiro Carreira passam quase todo o período entre o Natal e o Ano Novo a prepararem a última plataforma negocial da UGT. No dia 2 de Janeiro, quinta-feira, o texto é aprovado às 10h00 pela comissão permanente e às 15h00 pela comissão executiva. João Proença alude vagamente a contactos informais e explica cláusula por cláusula o que lhes apresenta. Não causa engulhos a ninguém. O documento, que oficialmente serviria apenas para o recomeço das reuniões da Comissão Permanente da Concertação Social na segunda-feira seguinte, segue na sexta por e-mail para todos os parceiros, ministro incluído. Sábado, Bagão Félix convoca a UGT e a CIP para uma reunião tripartida, a primeira, no seu gabinete: domingo, 5 de Janeiro, às 16h00. À hora marcada, estão lá. O ministro do Trabalho atira para a mesa a sua proposta e, para surpresa dos interlocutores, não se trata de uma tentativa de acordo dos diferentes contributos - "Preferi escrever aquilo que me parecia mais correcto", diz Bagão Félix com um sorriso de jogador de póquer. A reunião prolonga-se noite dentro até, segundo Francisco Van Zeller, "estarem todos esganados com fome". Impassível, o ministro manda comprar um bolo-rei e fazer chá. A reunião só acaba depois das 23h00 com grandes avanços da UGT no combate ao trabalho ilegal. No dia seguinte encontram-se na concertação social como se nada fosse. E, na terça-feira, dá-se a última reunião secreta entre a CIP, a UGT e o Governo. Chega-se a acordo. Houve algum pagamento à central sindical, ou ao seu secretário-geral, metafórica ou literalmente falando? "Nada, zero!", assegura o presidente da CIP. "O que a UGT quer é ganhar implantação nacional. Nós sabemos disso e vamos dar uma mão nas negociações colectivas". João Proença: "São insinuações habituais, mas sempre se demonstrou serem falsas". O anúncio só é feito a 8 de Janeiro por um ministro visivelmente satisfeito. "A CIP está preparada para assinar", declara sucinto Van Zeller. "Obtivemos ganho de causa em todas as matérias e as alterações vão no bom sentido", afirma João Proença. Mas remete a declaração final para o dia seguinte, após a reunião Conselho Nacional da UGT. Duas notas para terminar. A primeira para a declaração profundamente irritada que Ferro Rodrigues fez ao PÚBLICO no dia em que o acordo foi anunciado, classificando o facto de "o Governo apresentar propostas na Assembleia e negociar ao lado" como um "método absurdo e errado, que não faz sentido". Depois, já dentro do partido, repetiu que nem ele nem o PS "estavam dispostos a ser instrumentos das estratégias do senhor João Proença". Segunda nota, os comentários finais. Bagão Félix: "Não há soluções óptimas em matéria de legislação laboral, mas pode haver - como se verificou - boas soluções na moderação das diferenças e das divergências". Francisco Van Zeller: "O código está cheio de defeitos. Mas demos um exemplo a partir do topo de que é possível fazer acordos construtivos." João Proença: "A UGT nunca disse que estava de acordo com o código. Concordamos com as alterações, não com o código." Por fim, a contra-figura do compromisso obtido, Manuel Carvalho da Silva: "A evolução do país não vai por aí. A forma como se fez este código é uma vergonha. É o maior escarro que se podia gerar na democracia portuguesa". OUTROS TÍTULOS EM PÚBLICA

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Para piorar, o secretário-geral da UGT, João Proença, repetia sem parar os mesmos argumentos. "Meus senhores", disse o ministro levantando as mãos, "estamos todos talvez demasiado cansados. É melhor fazer um pequeno intervalo para reunirmos em separado". Ergueu-se e pediu à delegação da Confederação da Indústria Portuguesa que o seguisse para uma pequena sala ligada directamente ao gabinete. Estava às escuras, e foi ele mesmo à procura do quadro para acender as luzes. Regressou depois ao gabinete e disse a Manuela Teixeira, presidente da UGT, e a João Proença que ficassem à vontade, aquela divisão estava por conta deles. E acompanhado por Pais Antunes, secretário de Estado do Trabalho, instalou-se ele próprio na sala de entrada daquele piso do Ministério. As negociações secretas entre o Governo, a CIP e a UGT com vista a um acordo sobre o Código de Trabalho começaram pouco depois dos encontros na Comissão Permanente da Concertação Social (CPCS) terem findado no dia 8 de Novembro com um considerável insucesso e de, quatro dias mais tarde, o Conselho de Ministros ter aprovado uma versão com 669 artigos muito pouco consensuais. No dia 19 de Novembro a CGTP convocou uma greve geral para 10 de Dezembro - mas a UGT declarou logo a seguir que não alinhava e que pretendia aproveitar todas as oportunidades para negociar. É então que começa um lento movimento de aproximação entre um triângulo que se vai desenhando com crescente nitidez: o ministro Bagão Félix, Francisco Van Zeller e João Proença começam a falar com frequência ao telemóvel. Trocam ideias, apalpam pulsos, testam resistências, marcam encontros. Nos plenários, nos jornais, nas televisões os discursos continuam iguais. Mas começam a reunir-se às escondidas uns com os outros. A conspiração corre relativamente bem até ao Natal, e no domingo 5 de Janeiro, na véspera do recomeço das conversações públicas na Concertação Social, as três partes passam sete horas juntas no Ministério do Trabalho. Essa conversa é, tal como as anteriores, mantida em absoluto segredo quando no dia seguinte regressam à concertação social e se sentam à mesa em frente à CGTP. Agora, terça-feira, 7, ali estão, cada qual em sua sala do Ministério do Trabalho, todos cansados, com fome e um pouco fartos uns dos outros, a um passo de chegarem a acordo e, ao mesmo tempo, no meio de um delicado incidente que pode deitar tudo a perder. Na sala de entrada, Bagão Félix fala com Pais Antunes e comenta filosoficamente que "a paciência é a coragem de todos os dias". Ele próprio cedera há menos de uma hora num ponto assaz relevante: aceitara manter cinco faltas não justificadas seguidas, ou dez interpoladas, como motivo para despedimento com justa causa, ele que tentara impor quatro/oito no anteprojecto apresentado em Julho e que só recuara para para cinco/oito na reunião de domingo anterior. "Para se chegar a um compromisso é importante que isso fique na mesma?", perguntara já depois das 20 horas a João Proença e a Manuela Teixeira. Estes responderam que sim, que para eles era fundamental. "Então pronto", concluiu o ministro, "fica como está". Parecia que chegava para ter acordo, mas não. As convenções colectivas puseram tudo em risco uma vez mais. "Já tínhamos perdido quase tudo, não podíamos perder mais", relata Francisco Van Zeller (muito preocupado em passar a ideia de que o acordo foi melhor para os sindicalistas do que para os patrões). "Aceitar o acordo no final foi de facto mais difícil para a CIP do que para a UGT", afirma Manuela Teixeira. "O engenheiro Van Zeller é um empresário aberto, dialogante, europeu. Percebia bem a importância de se chegar a um acordo", elogia Bagão Félix. Antes das 22h00 estão todos de regresso à mesma mesa. Não se muda o teor do artigo 547 mas o ministro sugere que se lhe acrescente as palavras "nível [de protecção] global [dos trabalhadores]", para afastar leituras restritivas. Dão-se mais umas pinceladas cirúrgicas num par de artigos. E acaba a reunião, a última antes do compromisso ser tornado público. Desde a primeira hora ficou claro que a liberalização das leis laborais ia ser uma das batalhas simbólicas do ano de arranque do Governo PSD-PP. E a primeira hora soou no dia 7 de Maio de 2002, quando o ministro dos Assuntos Parlamentares, Luís Marques Mendes, anunciou que, até Julho, avançaria a revisão da lei do contrato individual de trabalho. O anúncio foi feito no mesmo dia em que o Governo apresentou o Orçamento Rectificativo para 2002 e - até porque vinha acompanhado de outras novidades - transportava uma mensagem precisa: estava aberto o "ciclo" das reformas estruturais. Ora bem, quando se escolhe uma batalha para o início do mandato é com a intenção de a ganhar a qualquer preço, e logo no primeiro ano. Se feridas forem feitas, haverá depois tempo para as curar nos últimos anos da legislatura. Este pressentimento assaltou decerto o secretário-geral da UGT e o presidente da CIP porque, em meados de Junho, um mês antes de conhecerem as reais intenções do Governo, encontraram-se para conversar discretamente. Não houve dificuldades de entendimento - "Somos ambos engenheiros químicos, falamos a mesma linguagem", dirá depois Van Zeller. Percebem que a pedra de toque é a mesma para os dois: "É necessária uma negociação colectiva mais rica, mais aberta, com um papel central nas relações entre os trabalhadores e as empresas", sintetiza João Proença. "A UGT queria negociações colectivas mais abertas para conseguir entrar nelas e, com uma nova lógica sindical, ganhar implantação nacional; a CIP queria-as para que houvesse progresso", resume o presidente. Ficam conversados. Passa um mês. No dia 18 de Julho o Conselho de Ministros aprova o ante-projecto de Código de Trabalho com alterações profundas em domínios como os horários e as horas extraordinárias, os contratos a prazo, o combate ao absentismo, a mobilidade e a flexibilidade, o regime de férias e de feriados ou os despedimentos com justa causa. No dia 26 de Julho João Proença reúne com Carvalho da Silva, secretário-geral da CGTP-Inter. Declaram ambos publicamente a "gravidade" do que está em causa e revelam que fizeram um acordo para articular posições na Comissão Permanente da Concertação Social. O tom mediático está dado, mas na comissão permanente da UGT, que se reúne dias depois, as palavras são outras: "Vai haver um novo código do trabalho, ninguém tenha dúvidas". João Proença, Manuela Teixeira, Rui Oliveira e Costa, Delmiro Carreira (presidente do Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas), João de Deus Pires (Marinha Mercante) concluem que não haverá formas de luta que façam o Governo recuar, pelo que resta negociar. Por outro lado, sustenta então Oliveira e Costa, luta nas ruas e nas empresas haverá sempre: "A CGTP tem uma posição imobilista - acha que o desenvolvimento económico é compatível com as actuais leis laborais - e, portanto, não tem margem de manobra para negociar o que quer que seja e tem que vir para rua gritar. Mesmo que o Manuel Carvalho da Silva se quisesse social-democratizar, como fez o Lula no Brasil, não tem autonomia estratégica face ao Comité Central do PCP". [Aqui faz-se um parêntesis para dar oportunidade a Manuel Carvalho da Silva de responder a esta avaliação. "Isso é uma atoarda sem sentido", afirma o secretário-geral da CGTP. "O que a CGTP não negoceia é princípios! Sabem l* o que é autonomia... A UGT tem de fazer compromissos para sobreviver, tem autonomia para a sobrevivência. Por duas razões. Primeira: uma parte significativa da UGT está no PSD. Segunda: tem autonomia face ao PS, não tem autonomia face ao poder e ao capital."] Regressemos à comissão permanente. A conclusão é a de que se não for a UGT a negociar em nome dos trabalhadores, ninguém mais o fará - o Governo aprovará o código como estiver e durante uns seis-dez anos ninguém mais lhe voltará a mexer. Têm portanto que se preparar para o que aí vem, à luz do que a greve geral de 1988 ensinou: aproximarem-se da CGTP para ganhar no terreno da luta; aproximarem-se de Belém para ganhar no terreno político; e encomendar pareceres a juristas do trabalho e a constitucionalistas para capitalizar o chumbo jurídico que o TC vier a fazer a uns quantos artigos. Decisões tomadas, a assistência jurídica e os pareceres são imediatamente pedidos ao professor Jorge Leite e ao advogado Américo Tomati. Não foi fácil para a UGT aguentar a pressão interna durante o último trimestre de 2002. Desde as eleições para os secretariados regionais em Setembro, que, onde quer que os dirigentes nacionais se deslocassem, os trabalhadores perguntavam: "Então, quando é que vamos para a greve geral com a Inter?" Foi preciso desempenhar um papel bem mais complicado que o da CGTP, que nos telejornais ficava sempre melhor na fotografia da combatividade sindical. "Desde o primeiro dia percebi que a CGTP não estava interessada no mínimo compromisso", afirma Bagão Félix. "No concreto das reuniões via-se bem a diferença entre ela e a UGT". Com o final da concertação social e a aprovação do código no Conselho de Ministros de 12 de Novembro, o tempo das negociações parecia ter acabado. O Governo queria até que a Assembleia da República apreciasse a proposta de lei antes do Natal. Perante isto, quando no dia 13 de Novembro se encontram na sede nacional da CGTP-In os estados-maiores das duas centrais sindicais, Carvalho da Silva argumentou virado para João Proença que havia duas coisas essenciais a considerar: primeira, "uma greve geral não se convoca por assobio, tem de ter um período mínimo de mobilização"; segunda, "tem de ser feita em tempo útil, para produzir efeitos". Proença, um bocado enfiado, responde-lhe que está bem, mas "a UGT não entra em cavalgadas", uma alusão subtil ao PCP. E informa que pretende mover todas as influências para que o período de discussão pública do documento na Assembleia seja prolongado até Janeiro: "Ora", conclui, "não faz sentido pedir para alargar o período de negociações e, ao mesmo tempo, andar a marcar greves gerais". As duas centrais separam-se sem acordo. A partir da greve conjunta na função pública, a 14 de Novembro, cada qual começou a correr para seu lado. A dinâmica da própria CGTP, do Partido Comunista, do Bloco de Esquerda e de sectores socialistas onde se incluem Mário Soares e a JS, empurram a central para a greve geral. Quanto à UGT, João Proença tenta logo a 21 de Novembro convencer o presidente da Assembleia da República, Mota Amaral, a revogar o despacho em que agendara a votação na generalidade do código laboral para dia 20 de Dezembro e a adiar essa data Os ecos desta conversa percorreram um corredor da AR e chegaram ao gabinete ao ministro dos Assuntos Parlamentares, Marques Mendes. E fizeram-no reflectir, de si para si, que realmente não havia urgência em aprovar um código que não agradava nem aos patrões nem aos trabalhadores. Telefona a Bagão Félix e, durante essa sexta-feira e sábado, reflectiram sobre a situação política. Havia ou não, ainda, condições para se chegar a um acordo? Bagão Félix achava que sim: "Isso sente-se: lê-se nos olhos se há vontade de negociar, se é genuína, se não é meramente táctica". A sua leitura encaixa no que Marques Mendes deseja fazer: ceder no instrumental (adiar a data da votação) para não comprometer o essencial - ter um código minimamente consensual: "Se se prolongar a discussão apenas mais duas ou três semanas dá-se um sinal de existência de margem negocial e, em simultâneo, um sinal de firmeza - o código é mesmo para aprovar". Faltava obter a concordância do primeiro-ministro, por sinal ausente no estrangeiro, que só regressava no domingo. Estava-se em pleno congresso do PS no Coliseu de Lisboa e Ferro Rodrigues utilizava o não-acordo no código laboral para disparar sobre o Governo. Durão Barroso aterra em Lisboa e vai direito para o Hotel Marriott encerrar um dia de debates promovido pelo PSD e pelo PP. O primeiro-ministro ainda brada que quem quer prolongar o debate para além do Ano Novo "só deseja manter acesa a chama da confrontação". Mas, logo a seguir, já longe dos microfones e devidamente conversado por Marques Mendes e Bagão Félix, concede em reabrir a discussão na Concertação Social até 8 de Janeiro, e a adiar a votação global no Parlamento para o dia 15. Decide-se então que o anúncio será feito por ele próprio na terça-feira, no final das jornadas parlamentares do PSD em Portalegre. Sem saber disto, João Proença está na manhã seguinte na AR para falar com Pina Moura, que preside à comissão parlamentar de Trabalho e Assuntos Sociais. A pressão para uma greve geral conjunta com a CGTP asfixia-o, e ele sabe que, se não houver prorrogação do prazo de discussão pública do código, a sua margem para fugir a ela será nula. Carvalho da Silva pressente esse drama e sabe que pode pressionar mais a UGT para seguir a CGTP. Opta, todavia, por não o fazer: na terça-feira ao princípio da tarde João Proença recebe em Bruxelas um telefonema de Carvalho da Silva a informá-lo de que, dentro de minutos, a CGTP irá convocar sozinha uma greve geral para 10 de Dezembro. "Está bem, tomo nota", responde-lhe. Duas horas mais tarde o primeiro-ministro torna público o alargamento do prazo. Os dados estão novamente lançados. O avanço da CGTP para a confrontação não tem recuo; mas a UGT ganhou um novo espaço de manobra: no dia 21 de Novembro o seu Secretariado Nacional aprova oito questões (na realidade nove) que são as suas principais reivindicações. É um espécie de caderno-de-encargos para negociar. Manuela Teixeira pede logo uma audiência a Durão Barroso para saber com que linhas se podem coser. E João Proença começa a falar ao telemóvel com o ministro Bagão Félix. "No início de Dezembro era claro que o Governo estava refém da possibilidade de chegar a acordo com a UGT", recorda Francisco Van Zeller. "Para nós a questão era: entrar no jogo, ou saltar fora como tinha feito a CCP. Achámos que servíamos melhor o país continuando a negociar". Segundo o presidente da CIP, a conversa a sós com Jorge Sampaio no dia 6 de Dezembro (Sampaio recebe João Proença também nesse dia) foi determinante: "Fiquei com a sensação, embora o Presidente nunca o tenha dito, de que o código não seria promulgado se não resultasse de um compromisso tripartido". O presidente da CIP e o secretário-geral da UGT encontram-se frente a frente no dia 8 de Dezembro, domingo e feriado, com o maior sigilo. João de Deus, que acompanhou João Proença, regista que a posição do presidente da CIP nessa primeira reunião é construtiva: "Mostrou-se aberto à discussão, nunca disse que havia coisas inegociáveis. Pelo contrário: procurou sempre soluções para os oito pontos que a UGT levava". Van Zeller guarda uma memória parecida. "Já sabíamos qual era a flexibilidade relativa de cada um, já estávamos na fase construtiva, já ninguém andava a tentar sacar à custa do outro", recorda. Nessa altura o presidente da CIP concentra-se em dois objectivos: obter a caducidade dos contratos colectivos para que, no futuro, empresas e sindicatos sejam "empurrados" para a negociação; e conseguir, através dessa mesma negociação, uma adaptabilidade melhor dos trabalhadores em termos fucionais, geográficos e temporais - "Tudo isto pagando, claro". Entretanto, o PS fazia tudo menos ajudar às negociações. Já em Novembro o prognóstico do grupo parlamentar socialista era de que o Governo não prolongaria o prazo da discussão até Janeiro - mas, apesar desse erro de previsão, o discurso do partido manteve a imagem de que o PS preferia usar o código como arma de arremesso contra o Governo do que apostar num acordo: "Verificou-se que há entre o Governo e o PS um universo de diferenças praticamente intransponível", declarou Ferro Rodrigues após o almoço que no princípio de Dezembro o juntou a Durão Barroso. Quem tinha ainda fresca a sua declaração ao PÚBLICO de que não punha de parte uma candidatura a Belém em 2006, viu aí um novo sinal de que o secretário-geral do PS estava mais interessado em se aproximar da CGTP do que em dar cobertura política à UGT. Aliás, essa impressão foi reforçada com a permissão do seu braço direito, Paulo Pedroso, para que declarações suas passassem num tempo de antena da CGTP a mostrar solidariedade com a greve geral de 10 de Dezembro. João Proença declara então ao "Expresso" que "um partido que quer ser governo de Portugal não deve associar-se à defesa de greves gerais". Mas, na reunião seguinte da comissão política do PS, de que faz parte, opta por não falar. Entre os secretários-gerais do partido e da UGT há uma ácida antipatia pessoal, ao que parece nascida nos tempos em que Ferro Rodrigues trabalhava naquela central e João Proença era o número dois de Torres Couto. É Rui Oliveira e Costa que faz as despesas. "O PS devia estar entre os trabalhadores e os empresários - mais próximo da parte mais fraca do contrato social -, não entre a CGTP e a UGT!", atira. "Isso é para o Bloco de Esquerda". Nas jornadas parlamentares do PS em Aveiro, em 13 e 14 de Dezembro, sob o tema da "competitividade", Ferro Rodrigues aproveita para emendar um pouco a mão. Visita empresas, fala com empresários, encontra-se depois com o presidente da CIP para discutir o código laboral, vai às centrais sindicais. No final, declara estar em "profunda sintonia" com as teses da UGT sobre o código laboral. As aparências compunham-se. Quando a 18 de Dezembro Bagão Félix volta a reunir-se em segredo com a UGT e com CIP tem "a noção de que ambos tinham partido pedra entre si, que é o que tem graça nisto". No dia 23, no jantar de Natal com os alunos da Casa Pia, recebe mais um sinal. Num momento em que fica a sós com Presidente da República e com D. José Policarpo, Jorge Sampaio pergunta-lhe "como é que vão as coisas com o código laboral?". Surpreendido, responde a sorrir que vão "mais ou menos". E o Presidente muito sério: "É muito importante para o país que se consiga um acordo!". O ministro abriu os braços: "Estou a fazer o meu melhor". E regista o recado. João Proença, Manuela Teixeira, João de Deus e Delmiro Carreira passam quase todo o período entre o Natal e o Ano Novo a prepararem a última plataforma negocial da UGT. No dia 2 de Janeiro, quinta-feira, o texto é aprovado às 10h00 pela comissão permanente e às 15h00 pela comissão executiva. João Proença alude vagamente a contactos informais e explica cláusula por cláusula o que lhes apresenta. Não causa engulhos a ninguém. O documento, que oficialmente serviria apenas para o recomeço das reuniões da Comissão Permanente da Concertação Social na segunda-feira seguinte, segue na sexta por e-mail para todos os parceiros, ministro incluído. Sábado, Bagão Félix convoca a UGT e a CIP para uma reunião tripartida, a primeira, no seu gabinete: domingo, 5 de Janeiro, às 16h00. À hora marcada, estão lá. O ministro do Trabalho atira para a mesa a sua proposta e, para surpresa dos interlocutores, não se trata de uma tentativa de acordo dos diferentes contributos - "Preferi escrever aquilo que me parecia mais correcto", diz Bagão Félix com um sorriso de jogador de póquer. A reunião prolonga-se noite dentro até, segundo Francisco Van Zeller, "estarem todos esganados com fome". Impassível, o ministro manda comprar um bolo-rei e fazer chá. A reunião só acaba depois das 23h00 com grandes avanços da UGT no combate ao trabalho ilegal. No dia seguinte encontram-se na concertação social como se nada fosse. E, na terça-feira, dá-se a última reunião secreta entre a CIP, a UGT e o Governo. Chega-se a acordo. Houve algum pagamento à central sindical, ou ao seu secretário-geral, metafórica ou literalmente falando? "Nada, zero!", assegura o presidente da CIP. "O que a UGT quer é ganhar implantação nacional. Nós sabemos disso e vamos dar uma mão nas negociações colectivas". João Proença: "São insinuações habituais, mas sempre se demonstrou serem falsas". O anúncio só é feito a 8 de Janeiro por um ministro visivelmente satisfeito. "A CIP está preparada para assinar", declara sucinto Van Zeller. "Obtivemos ganho de causa em todas as matérias e as alterações vão no bom sentido", afirma João Proença. Mas remete a declaração final para o dia seguinte, após a reunião Conselho Nacional da UGT. Duas notas para terminar. A primeira para a declaração profundamente irritada que Ferro Rodrigues fez ao PÚBLICO no dia em que o acordo foi anunciado, classificando o facto de "o Governo apresentar propostas na Assembleia e negociar ao lado" como um "método absurdo e errado, que não faz sentido". Depois, já dentro do partido, repetiu que nem ele nem o PS "estavam dispostos a ser instrumentos das estratégias do senhor João Proença". Segunda nota, os comentários finais. Bagão Félix: "Não há soluções óptimas em matéria de legislação laboral, mas pode haver - como se verificou - boas soluções na moderação das diferenças e das divergências". Francisco Van Zeller: "O código está cheio de defeitos. Mas demos um exemplo a partir do topo de que é possível fazer acordos construtivos." João Proença: "A UGT nunca disse que estava de acordo com o código. Concordamos com as alterações, não com o código." Por fim, a contra-figura do compromisso obtido, Manuel Carvalho da Silva: "A evolução do país não vai por aí. A forma como se fez este código é uma vergonha. É o maior escarro que se podia gerar na democracia portuguesa". OUTROS TÍTULOS EM PÚBLICA

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