Um teste à coabitação

05-12-2003
marcar artigo

Um Teste à Coabitação

Por JOÃO PEDRO HENRIQUES

Quarta-feira, 12 de Novembro de 2003 A questão iraquiana representou um dos mais sérios testes à coabitação Sampaio/Durão. Antes de a ONU aprovar uma resolução legitimadora da ocupação, o Presidente vetava o envio de qualquer contingente militar português. Mas o Governo fazia questão nisso. A solução esteve no meio. Chama-se GNR. A escolha de uma unidade da GNR para representar militarmente Portugal no Iraque resulta de um acordo de cavalheiros entre o Governo e o Presidente da República, acordo esse que nasceu da necessidade de contornar divergências profundas entre ambos sobre a legitimidade da intervenção dos EUA naquele país. Desde o primeiro momento que Jorge Sampaio e Durão Barroso se posicionaram em lados claramente opostos. Para o Presidente da República, uma intervenção dos EUA sem mandato do Conselho de Segurança da ONU seria ferida de legitimidade. Para o Governo, a existência desse mandato era indiferente, e tanto assim que o primeiro-ministro foi, dias antes de a invasão se iniciar, o anfitrião de uma cimeira nas Lajes entre George W. Bush, Tony Blair e José Maria Aznar de onde saiu um ultimato ao Conselho de Segurança para viabilizar uma resolução que apoiasse a acção militar liderada pelos EUA. Se apenas a visão do Governo contasse, em vez de um contingente da GNR poderia ter rumado ao Iraque um contingente militar - e os novos Comandos da Carregueira chegaram a preparar-se para essa eventualidade. Acontece que o Presidente da República é também, por imperativo constitucional, o Chefe Supremo das Forças Armadas. O envio de militares portugueses para o estrangeiro carece de uma autorização de um órgão a que preside, o Conselho Superior de Defesa Nacional. Em coerência, Sampaio não poderia dar luz verde ao envio de militares para uma operação no Iraque quando achava essa operação ilegítima, dado que se iniciou sem mandato da ONU. Estava-se, assim, perante um importante teste à coabitação entre um Presidente de esquerda e um Governo de centro-direita. Negociou-se. E a solução chamou-se GNR. Não sendo uma força militar "strictu sensus", o envio de GNR's para o estrangeiro não necessitaria de parecer prévio no Conselho Superior de Defesa Nacional. Ou seja, Jorge Sampaio não seria (não foi) obrigado a dizer que "sim" ou que "não" a esta decisão do Governo. Foi poupado ao embaraço de ser obrigado a viabilizar algo de que publica e notoriamente discordava. Quando comentou publicamente o caso, o Presidente da República assumiu que esta solução resultou de um acordo com o Governo. E que, se tivesse sido outra a decisão governamental (o envio de uma força militar), teria sido forçado a "vetar". A "solução GNR" tinha ainda uma outra vantagem: o prestígio da corporação adquirido em Timor-Leste, onde não houve quem não elogiasse o seu desempenho na manutenção da ordem pública. Tudo isto aconteceu no tempo em que a operação militar no Iraque não dispunha de mandato da ONU. Entretanto, esse mandato foi aprovado. E agora já se discute a possibilidade de, um dia, o contingente da GNR ser substituído por uma força militar. Aprovada a resolução, deixa de haver necessidade de o Presidente da República e o Governo negociarem uma solução de consenso. Jorge Sampaio deixou de poder considerar a operação militar no Iraque como ilegítima. Nas actuais circunstâncias, o consenso pode, inclusivamente, alargar-se ao PS, que sempre teve uma posição idêntica à do Presidente da República. O envio de uma força militar não passa, no entanto - por ora - de um cenário completamente hipotético. Os comandos do regimento da Carregueira até podem sentir-se prontos para partir já amanhã. E as chefias militares, em particular as do Exército, podem estar ansiosas para mostrar serviço (o que lhes reforça a capacidade reivindicativa perante o poder político). Mas quem define as prioridades no terreno são as autoridades militares que ocupam o Iraque. E neste momento a situação impõe um reforço dos contingentes policiais (do género da GNR), em vez de militares. Fora de qualquer consenso mantiveram-se, desde sempre, o PCP e o Bloco de Esquerda. Ambas as formações são contra a ocupação do Iraque, com ou sem resolução da ONU. Ontem os comunistas entregaram na Assembleia da República um projecto para enquadrar legalmente o acompanhamento pelo Parlamento da missão da GNR no Iraque. O PCP exige relatórios periódicos sobre o desempenho do contingente e ainda um relatório final. E que essas informações passem a chegar à comissão de Assuntos Constitucionais. OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Contingente da GNR parte hoje para a "Operação Antiga Babilónia"

Os voluntários

Um teste à coabitação

"Seis meses vão ser seis anos"

Nasiriyah: A cidade onde as noites são a melhor parte do dia

Americanos estão a interrogar 20 possíveis membros da Al-Qaeda

Problemas de saúde causados pela guerra podem durar anos

EUA remodelam segurança iraquiana

EDITORIAL

Um caminho coerente

Um Teste à Coabitação

Por JOÃO PEDRO HENRIQUES

Quarta-feira, 12 de Novembro de 2003 A questão iraquiana representou um dos mais sérios testes à coabitação Sampaio/Durão. Antes de a ONU aprovar uma resolução legitimadora da ocupação, o Presidente vetava o envio de qualquer contingente militar português. Mas o Governo fazia questão nisso. A solução esteve no meio. Chama-se GNR. A escolha de uma unidade da GNR para representar militarmente Portugal no Iraque resulta de um acordo de cavalheiros entre o Governo e o Presidente da República, acordo esse que nasceu da necessidade de contornar divergências profundas entre ambos sobre a legitimidade da intervenção dos EUA naquele país. Desde o primeiro momento que Jorge Sampaio e Durão Barroso se posicionaram em lados claramente opostos. Para o Presidente da República, uma intervenção dos EUA sem mandato do Conselho de Segurança da ONU seria ferida de legitimidade. Para o Governo, a existência desse mandato era indiferente, e tanto assim que o primeiro-ministro foi, dias antes de a invasão se iniciar, o anfitrião de uma cimeira nas Lajes entre George W. Bush, Tony Blair e José Maria Aznar de onde saiu um ultimato ao Conselho de Segurança para viabilizar uma resolução que apoiasse a acção militar liderada pelos EUA. Se apenas a visão do Governo contasse, em vez de um contingente da GNR poderia ter rumado ao Iraque um contingente militar - e os novos Comandos da Carregueira chegaram a preparar-se para essa eventualidade. Acontece que o Presidente da República é também, por imperativo constitucional, o Chefe Supremo das Forças Armadas. O envio de militares portugueses para o estrangeiro carece de uma autorização de um órgão a que preside, o Conselho Superior de Defesa Nacional. Em coerência, Sampaio não poderia dar luz verde ao envio de militares para uma operação no Iraque quando achava essa operação ilegítima, dado que se iniciou sem mandato da ONU. Estava-se, assim, perante um importante teste à coabitação entre um Presidente de esquerda e um Governo de centro-direita. Negociou-se. E a solução chamou-se GNR. Não sendo uma força militar "strictu sensus", o envio de GNR's para o estrangeiro não necessitaria de parecer prévio no Conselho Superior de Defesa Nacional. Ou seja, Jorge Sampaio não seria (não foi) obrigado a dizer que "sim" ou que "não" a esta decisão do Governo. Foi poupado ao embaraço de ser obrigado a viabilizar algo de que publica e notoriamente discordava. Quando comentou publicamente o caso, o Presidente da República assumiu que esta solução resultou de um acordo com o Governo. E que, se tivesse sido outra a decisão governamental (o envio de uma força militar), teria sido forçado a "vetar". A "solução GNR" tinha ainda uma outra vantagem: o prestígio da corporação adquirido em Timor-Leste, onde não houve quem não elogiasse o seu desempenho na manutenção da ordem pública. Tudo isto aconteceu no tempo em que a operação militar no Iraque não dispunha de mandato da ONU. Entretanto, esse mandato foi aprovado. E agora já se discute a possibilidade de, um dia, o contingente da GNR ser substituído por uma força militar. Aprovada a resolução, deixa de haver necessidade de o Presidente da República e o Governo negociarem uma solução de consenso. Jorge Sampaio deixou de poder considerar a operação militar no Iraque como ilegítima. Nas actuais circunstâncias, o consenso pode, inclusivamente, alargar-se ao PS, que sempre teve uma posição idêntica à do Presidente da República. O envio de uma força militar não passa, no entanto - por ora - de um cenário completamente hipotético. Os comandos do regimento da Carregueira até podem sentir-se prontos para partir já amanhã. E as chefias militares, em particular as do Exército, podem estar ansiosas para mostrar serviço (o que lhes reforça a capacidade reivindicativa perante o poder político). Mas quem define as prioridades no terreno são as autoridades militares que ocupam o Iraque. E neste momento a situação impõe um reforço dos contingentes policiais (do género da GNR), em vez de militares. Fora de qualquer consenso mantiveram-se, desde sempre, o PCP e o Bloco de Esquerda. Ambas as formações são contra a ocupação do Iraque, com ou sem resolução da ONU. Ontem os comunistas entregaram na Assembleia da República um projecto para enquadrar legalmente o acompanhamento pelo Parlamento da missão da GNR no Iraque. O PCP exige relatórios periódicos sobre o desempenho do contingente e ainda um relatório final. E que essas informações passem a chegar à comissão de Assuntos Constitucionais. OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Contingente da GNR parte hoje para a "Operação Antiga Babilónia"

Os voluntários

Um teste à coabitação

"Seis meses vão ser seis anos"

Nasiriyah: A cidade onde as noites são a melhor parte do dia

Americanos estão a interrogar 20 possíveis membros da Al-Qaeda

Problemas de saúde causados pela guerra podem durar anos

EUA remodelam segurança iraquiana

EDITORIAL

Um caminho coerente

marcar artigo