Portas diz que "mar territorial não é uma selva"

01-09-2004
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Portas Diz Que "Mar Territorial Não É Uma Selva"

Por HELENA PEREIRA

Terça-feira, 31 de Agosto de 2004

O ministro da Defesa, Paulo Portas, justificou ontem a decisão do Governo de proibir a entrada do chamado "barco do aborto" em águas territoriais portuguesas, alegando que, se não o fizesse, "amanhã nenhum autoridade nacional teria legitimidade para combater o tráfico de droga, a pesca ilegal e a imigração clandestina".

"O mar territorial não é uma selva. (...) Se não agíssemos, davámos um sinal de que o mar territorial não teria princípios", afirmou Portas na TVI, na primeira declaração pública sobre o caso do "barco do aborto", repetindo duas vezes que se trata de um problema de autoridade do Estado português e sem desenvolver o argumento de que se trata de um problema de saúde pública, antes utilizado. Para o ministro, o navio da "Women on Waves" representa "um desafio à legalidade" e um "puro acto publicitário" e não "é qualquer pressão mediática que faz recuar o Estado".

Portas argumentou ainda que o barco está "em litígio" com o Governo holandês porque não pode fazer intervenções cirúrgicas sem ter um hospital público a menos de 25 quilómetros de distância (ver texto na página ao lado).

O ministro falou em directo a partir da sede do CDS-PP, em Lisboa, com as bandeiras do partido e de Portugal a servir de cenário, e, segundo explicou, nas suas duas qualidades, primeiro como ministro da Defesa, justificando a decisão tomada sexta-feira à noite, e depois como líder do CDS, quando respondeu ao antigo líder do PSD e comentador residente da TVI, Marcelo Rebelo de Sousa.

O CDS ficou furioso com o comentário de domingo de Marcelo, quando este acusou de hipocrisia o partido liderado por Paulo Portas por ter travado o barco ao mesmo tempo que admitiu mudar a lei do aborto depois de 2006. Isto, quando o que o CDS admitiu foi estar disponível para, na próxima legislatura, concordar com um novo referendo.

O líder do CDS veio ontem lembrar que o seu partido foi o único que, em 1998 quando se realizou o referendo ao aborto, deu indicações aos seus militantes para dizer "não" e reiterou que não vê "nenhuma razão para mudar a lei". E acusou Marcelo de "desinformação e ignorância". Diferente, disse, é o acordo feito entre PSD e CDS que termina em 2006 e que diz que não haverá alterações à lei até lá. Como o PSD tem uma posição diferente do CDS, explicou Portas, se houver novo acordo de coligação, este "terá que ser acertado" entre os dois partidos, abrindo a porta à possibilidade de novo referendo.

Durante a tarde, o porta-voz do CDS tinha acusado Marcelo "de estar mal informado ou ser mal intencionado" e de se estar a tornar "especialista a comentar factos que ele próprio inventa".

Especialista diz que Governo violou lei comunitária

Portugal "violou" o direito comunitário, ao proibir a entrada do barco da "Women on Waves" em águas territoriais portuguesas, mas o mais provável é que não venha a sofrer qualquer sanção. A opinião é de Paulo Almeida Sande, director do gabinete do Parlamento Europeu em Portugal.

O especialista em questões europeias explicou ao PÚBLICO que o direito comunitário se sobrepõe à convenção das Nações Unidas de Montego Bay, datada de 1982 mas que demorou quase 20 anos a entrar em vigor, invocada pelo Estado português.

Se Portugal queria impedir a entrada do navio, deveria ter "avisado previamente" a Comissão Europeia que pretendia suspender a aplicação do acordo de Schengen na sua fronteira marítima, à semelhança do que aconteceu antes do início do Euro 2004, afirmou. De acordo com as leis comunitárias, que estabelecem a livre circulação de pessoas, um Estado pode fazê-lo, alegando ameaça grave e actual para a ordem, segurança ou saúde públicas.

Violando a lei, o máximo que pode acontecer a Portugal é ser obrigado a pagar uma indemnização ao navio "Borndiep". Ora, acontece, segundo Paulo Sande, que não existe sequer jurisprudência para casos como este. Quando um Estado-membro alega razões de soberania e de risco para a estabilidade interna, normalmente a Comissão Europeia não questiona.

Esta área é uma das mais "delicadas" da construção europeia e é aceite o princípio que cada Estado decide em plena consciência. Mesmo que o argumento de saúde pública, utilizado pelo Governo por causa da pílula abortiva que segue a bordo do navio e que é proibida em Portugal, seja muito diferente do risco de saúde pública invocado por alguns países da União Europeia para proibir a entrada de carne de vaca de outros países por causa da doença das "vacas loucas".

Portanto, sustentou, é pouco provável que a Comissão Europeia peça explicações a Portugal. Por outro lado, a associação "Woman on Waves" pode apresentar uma queixa contra Portugal, tanto nos tribunais portugueses como no europeu, ao abrigo do Tratado da União Europeia e do acordo de Shengen.

Portas Diz Que "Mar Territorial Não É Uma Selva"

Por HELENA PEREIRA

Terça-feira, 31 de Agosto de 2004

O ministro da Defesa, Paulo Portas, justificou ontem a decisão do Governo de proibir a entrada do chamado "barco do aborto" em águas territoriais portuguesas, alegando que, se não o fizesse, "amanhã nenhum autoridade nacional teria legitimidade para combater o tráfico de droga, a pesca ilegal e a imigração clandestina".

"O mar territorial não é uma selva. (...) Se não agíssemos, davámos um sinal de que o mar territorial não teria princípios", afirmou Portas na TVI, na primeira declaração pública sobre o caso do "barco do aborto", repetindo duas vezes que se trata de um problema de autoridade do Estado português e sem desenvolver o argumento de que se trata de um problema de saúde pública, antes utilizado. Para o ministro, o navio da "Women on Waves" representa "um desafio à legalidade" e um "puro acto publicitário" e não "é qualquer pressão mediática que faz recuar o Estado".

Portas argumentou ainda que o barco está "em litígio" com o Governo holandês porque não pode fazer intervenções cirúrgicas sem ter um hospital público a menos de 25 quilómetros de distância (ver texto na página ao lado).

O ministro falou em directo a partir da sede do CDS-PP, em Lisboa, com as bandeiras do partido e de Portugal a servir de cenário, e, segundo explicou, nas suas duas qualidades, primeiro como ministro da Defesa, justificando a decisão tomada sexta-feira à noite, e depois como líder do CDS, quando respondeu ao antigo líder do PSD e comentador residente da TVI, Marcelo Rebelo de Sousa.

O CDS ficou furioso com o comentário de domingo de Marcelo, quando este acusou de hipocrisia o partido liderado por Paulo Portas por ter travado o barco ao mesmo tempo que admitiu mudar a lei do aborto depois de 2006. Isto, quando o que o CDS admitiu foi estar disponível para, na próxima legislatura, concordar com um novo referendo.

O líder do CDS veio ontem lembrar que o seu partido foi o único que, em 1998 quando se realizou o referendo ao aborto, deu indicações aos seus militantes para dizer "não" e reiterou que não vê "nenhuma razão para mudar a lei". E acusou Marcelo de "desinformação e ignorância". Diferente, disse, é o acordo feito entre PSD e CDS que termina em 2006 e que diz que não haverá alterações à lei até lá. Como o PSD tem uma posição diferente do CDS, explicou Portas, se houver novo acordo de coligação, este "terá que ser acertado" entre os dois partidos, abrindo a porta à possibilidade de novo referendo.

Durante a tarde, o porta-voz do CDS tinha acusado Marcelo "de estar mal informado ou ser mal intencionado" e de se estar a tornar "especialista a comentar factos que ele próprio inventa".

Especialista diz que Governo violou lei comunitária

Portugal "violou" o direito comunitário, ao proibir a entrada do barco da "Women on Waves" em águas territoriais portuguesas, mas o mais provável é que não venha a sofrer qualquer sanção. A opinião é de Paulo Almeida Sande, director do gabinete do Parlamento Europeu em Portugal.

O especialista em questões europeias explicou ao PÚBLICO que o direito comunitário se sobrepõe à convenção das Nações Unidas de Montego Bay, datada de 1982 mas que demorou quase 20 anos a entrar em vigor, invocada pelo Estado português.

Se Portugal queria impedir a entrada do navio, deveria ter "avisado previamente" a Comissão Europeia que pretendia suspender a aplicação do acordo de Schengen na sua fronteira marítima, à semelhança do que aconteceu antes do início do Euro 2004, afirmou. De acordo com as leis comunitárias, que estabelecem a livre circulação de pessoas, um Estado pode fazê-lo, alegando ameaça grave e actual para a ordem, segurança ou saúde públicas.

Violando a lei, o máximo que pode acontecer a Portugal é ser obrigado a pagar uma indemnização ao navio "Borndiep". Ora, acontece, segundo Paulo Sande, que não existe sequer jurisprudência para casos como este. Quando um Estado-membro alega razões de soberania e de risco para a estabilidade interna, normalmente a Comissão Europeia não questiona.

Esta área é uma das mais "delicadas" da construção europeia e é aceite o princípio que cada Estado decide em plena consciência. Mesmo que o argumento de saúde pública, utilizado pelo Governo por causa da pílula abortiva que segue a bordo do navio e que é proibida em Portugal, seja muito diferente do risco de saúde pública invocado por alguns países da União Europeia para proibir a entrada de carne de vaca de outros países por causa da doença das "vacas loucas".

Portanto, sustentou, é pouco provável que a Comissão Europeia peça explicações a Portugal. Por outro lado, a associação "Woman on Waves" pode apresentar uma queixa contra Portugal, tanto nos tribunais portugueses como no europeu, ao abrigo do Tratado da União Europeia e do acordo de Shengen.

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