Aveiro "repara um erro" atribuindo o nome de José Afonso a uma avenida

18-08-2004
marcar artigo

Aveiro "Repara Um Erro" Atribuindo o Nome de José Afonso a Uma Avenida

Por RUI BAPTISTA

Terça-feira, 03 de Agosto de 2004

"Uma tardia reparação de um erro". Foi desta forma que o vereador da Cultura da Câmara de Aveiro resumiu ontem a cerimónia de inauguração de uma avenida que leva o nome de José Afonso, que nasceu nesta cidade em 1929. Maria Fernanda Cerqueira, prima do autor de "Venham Mais Cinco", e Carlos Candal, presidente da Assembleia Municipal de Aveiro, descerraram a placa da nova artéria, na zona da Praça Fonte Nova, numa curta mas atribulada cerimónia testemunhada por cerca de meia centena de pessoas. Houve discursos, cantou-se "Grândola Vila Morena" e no final alguém colocou dois singelos cravos vermelhos na base da placa. Se fosse vivo, José Afonso tinha ontem completado 75 anos.

A homenagem da cidade de Aveiro ao trovador (que incluiu um concerto gratuito de Sérgio Godinho, marcado para a noite de ontem) peca por tardia, reconhecem os responsáveis da autarquia liderada pelo socialista Alberto Souto. Ainda antes da morte de "Zeca", ocorrida em 1987, Carlos Candal propôs que o nome do cantor fosse atribuído a uma artéria da cidade, mas o processo nunca andou para a frente. "Às claras ninguém se opunha, mas o que é certo é que a câmara nunca deu seguimento ao processo", contou ontem ao PÚBLICO o histórico militante do PS, recordando que nesse tempo a autarquia era dominada pelo CDS-PP.

A câmara liderada por Girão Pereira (e mais tarde por Celso Santos) inscrevia no mapa toponímico da cidade nomes como os de Adelino Amaro da Costa (fundador do CDS, morto no acidente de Camarate) ou Francisco Sá Carneiro, mas resistia a baptizar artérias com nomes de figuras de esquerda. José Afonso, que nasceu no coração da cidade, no local onde hoje se ergue a escola básica da Glória, era esquecido ano após ano, mas não era o único. Também o nome de Mário Sacramento (pensador, ensaísta e médico ligado ao PCP) foi sucessivamente vetado como patrono da antiga escola industrial, apesar das propostas nesse sentido apresentadas por pais, professores, alunos e funcionários.

A homenagem 17 anos depois

Com a passagem da Câmara das mãos do CDS para o PS, nas eleições autárquicas de 1997, a política de atribuição de nomes a ruas mudou, mas José Afonso permaneceu esquecido. A injustiça não foi sequer reparada quando Mário Sacramento passou, finalmente, a ser o patrono da antiga escola industrial. E só agora, 17 anos depois da morte de José Afonso e 75 anos depois do seu nascimento, a cidade avançou com a homenagem em falta.

"Sonhador inveterado", "revolucionário franciscano", "nome grande da cultura portuguesa", "cidadão íntegro, rebelde e livre" - estas foram algumas das expressões usadas por Manuel Rodrigues, vereador com o pelouro da Cultura da autarquia, para definir José Afonso. O discurso de Rodrigues teve um estranho sabor a expiação, apesar de o edil não poder ser responsabilizado directamente pelo atraso na homenagem a "Zeca", uma vez que este é o seu primeiro mandato.

Mas o vereador quis que ficasse clara a injustiça que durante dezenas de anos a cidade fez a "um dos seus mais dilectos filhos" e isso levou-o até a pedir a Vítor Almeida e Silva (que no programa Chuva de Estrelas da SIC imitou Zeca) que cantasse "Grândola Vila Morena". Houve carros que pararam para apreciar o espectáculo, houve gente que veio à janela, e no final Carlos Candal até ergueu o punho para saudar Zeca. Nem um representante do CDS-PP ou do PSD compareceu à cerimónia. O Bispo de Aveiro fez-se representar por monsenhor João Gaspar. Na placa, destaca-se uma frase de Manuel Alegre sobre "Zeca": "A sua voz está tão cheia de ternura que será irremediavelmente subversivo".

Aveiro "Repara Um Erro" Atribuindo o Nome de José Afonso a Uma Avenida

Por RUI BAPTISTA

Terça-feira, 03 de Agosto de 2004

"Uma tardia reparação de um erro". Foi desta forma que o vereador da Cultura da Câmara de Aveiro resumiu ontem a cerimónia de inauguração de uma avenida que leva o nome de José Afonso, que nasceu nesta cidade em 1929. Maria Fernanda Cerqueira, prima do autor de "Venham Mais Cinco", e Carlos Candal, presidente da Assembleia Municipal de Aveiro, descerraram a placa da nova artéria, na zona da Praça Fonte Nova, numa curta mas atribulada cerimónia testemunhada por cerca de meia centena de pessoas. Houve discursos, cantou-se "Grândola Vila Morena" e no final alguém colocou dois singelos cravos vermelhos na base da placa. Se fosse vivo, José Afonso tinha ontem completado 75 anos.

A homenagem da cidade de Aveiro ao trovador (que incluiu um concerto gratuito de Sérgio Godinho, marcado para a noite de ontem) peca por tardia, reconhecem os responsáveis da autarquia liderada pelo socialista Alberto Souto. Ainda antes da morte de "Zeca", ocorrida em 1987, Carlos Candal propôs que o nome do cantor fosse atribuído a uma artéria da cidade, mas o processo nunca andou para a frente. "Às claras ninguém se opunha, mas o que é certo é que a câmara nunca deu seguimento ao processo", contou ontem ao PÚBLICO o histórico militante do PS, recordando que nesse tempo a autarquia era dominada pelo CDS-PP.

A câmara liderada por Girão Pereira (e mais tarde por Celso Santos) inscrevia no mapa toponímico da cidade nomes como os de Adelino Amaro da Costa (fundador do CDS, morto no acidente de Camarate) ou Francisco Sá Carneiro, mas resistia a baptizar artérias com nomes de figuras de esquerda. José Afonso, que nasceu no coração da cidade, no local onde hoje se ergue a escola básica da Glória, era esquecido ano após ano, mas não era o único. Também o nome de Mário Sacramento (pensador, ensaísta e médico ligado ao PCP) foi sucessivamente vetado como patrono da antiga escola industrial, apesar das propostas nesse sentido apresentadas por pais, professores, alunos e funcionários.

A homenagem 17 anos depois

Com a passagem da Câmara das mãos do CDS para o PS, nas eleições autárquicas de 1997, a política de atribuição de nomes a ruas mudou, mas José Afonso permaneceu esquecido. A injustiça não foi sequer reparada quando Mário Sacramento passou, finalmente, a ser o patrono da antiga escola industrial. E só agora, 17 anos depois da morte de José Afonso e 75 anos depois do seu nascimento, a cidade avançou com a homenagem em falta.

"Sonhador inveterado", "revolucionário franciscano", "nome grande da cultura portuguesa", "cidadão íntegro, rebelde e livre" - estas foram algumas das expressões usadas por Manuel Rodrigues, vereador com o pelouro da Cultura da autarquia, para definir José Afonso. O discurso de Rodrigues teve um estranho sabor a expiação, apesar de o edil não poder ser responsabilizado directamente pelo atraso na homenagem a "Zeca", uma vez que este é o seu primeiro mandato.

Mas o vereador quis que ficasse clara a injustiça que durante dezenas de anos a cidade fez a "um dos seus mais dilectos filhos" e isso levou-o até a pedir a Vítor Almeida e Silva (que no programa Chuva de Estrelas da SIC imitou Zeca) que cantasse "Grândola Vila Morena". Houve carros que pararam para apreciar o espectáculo, houve gente que veio à janela, e no final Carlos Candal até ergueu o punho para saudar Zeca. Nem um representante do CDS-PP ou do PSD compareceu à cerimónia. O Bispo de Aveiro fez-se representar por monsenhor João Gaspar. Na placa, destaca-se uma frase de Manuel Alegre sobre "Zeca": "A sua voz está tão cheia de ternura que será irremediavelmente subversivo".

marcar artigo