Pulo do Lobo: Estelas Visigóticas

30-06-2011
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Em entrevista à SIC, Soares mostrou ontem ao povo da televisão a sua generosa biblioteca. Milhares de volumes, muito arrumadinhos, encadernados com letras de ouro - uma verdadeira beleza. Compreendo que Soares se orgulhe da senhora. Compreendo até muito bem, eu, cujos poucos softbacks que escaparam à fúria do sublinhado servem agora de arma de arremesso entre os herdeiros. Por razões mais ou menos sabidas, a minha compreensão aumentou quando Soares entrou na sala dos livros de história. "Aqui é a estante da história de Portugal", e apontou uma parede majestosamente forrada a couro vermelho. Esperei, com a curiosidade de quem dedica a vida a essas minudências, que o feliz proprietário nomeasse, ou folheasse, ou pelo menos apertasse junto do humanista coração algum dos calhamaços. Em vão. Soares limitou-se a dedilhar as lombadas e eu tive que adivinhar os autores. António Sérgio - de certeza. Jaime Cortesão - sem dúvida. Oliveira Martins - mais que provável. Piteira Santos e a revolução liberal - possivelmente. Os clássicos marxistas de Cunhal e Borges Coelho sobre a crise de 1383/85 - talvez. Orlando Ribeiro? Hummm... Muito técnico: geografia (influentíssimo, mas geografia). Mattoso? Hummm... Muito recente: a Identificação de um País é de 1985. Na parede da frente, o voyeurismo pôde finalmente consolar-se. "E aqui a história da Ibéria"...Reconheci logo as inconfundíveis capas verdes da grandiosa Historia de España da Espasa-Calpe, dita de Menéndez Pidal por ter sido este erudito a iniciá-la, já lá vão setenta anos. "Pouca gente em Portugal tem esta obra", assegurou Mário Soares. Pois claro: 65 volumes, 53 mil páginas, 3 876 euros só para os 36 volumes disponíveis (os outros estão esgotados), segundo a editora. E o melhor da investigação espanhola. Querem a síntese mais completa sobre estelas funerárias visigóticas do século VII? Está lá. Está mesmo: consultei-a a fim de aplacar uma maldita dúvida que me caiu, certo dia, sobre a tese de doutoramento. Soares não terá lido essa parte, nem se calhar os 65 volumes. Ninguém lhe leva a mal. Basta que os tenha em casa. Eu li as estelas visigóticas na biblioteca da FCSH, um pombal de donzelas que arrulhavam mutuamente desventuras amorosas a pretexto de invisíveis trabalhos de grupo. Não sou tão culto como o dr. Soares.

Em entrevista à SIC, Soares mostrou ontem ao povo da televisão a sua generosa biblioteca. Milhares de volumes, muito arrumadinhos, encadernados com letras de ouro - uma verdadeira beleza. Compreendo que Soares se orgulhe da senhora. Compreendo até muito bem, eu, cujos poucos softbacks que escaparam à fúria do sublinhado servem agora de arma de arremesso entre os herdeiros. Por razões mais ou menos sabidas, a minha compreensão aumentou quando Soares entrou na sala dos livros de história. "Aqui é a estante da história de Portugal", e apontou uma parede majestosamente forrada a couro vermelho. Esperei, com a curiosidade de quem dedica a vida a essas minudências, que o feliz proprietário nomeasse, ou folheasse, ou pelo menos apertasse junto do humanista coração algum dos calhamaços. Em vão. Soares limitou-se a dedilhar as lombadas e eu tive que adivinhar os autores. António Sérgio - de certeza. Jaime Cortesão - sem dúvida. Oliveira Martins - mais que provável. Piteira Santos e a revolução liberal - possivelmente. Os clássicos marxistas de Cunhal e Borges Coelho sobre a crise de 1383/85 - talvez. Orlando Ribeiro? Hummm... Muito técnico: geografia (influentíssimo, mas geografia). Mattoso? Hummm... Muito recente: a Identificação de um País é de 1985. Na parede da frente, o voyeurismo pôde finalmente consolar-se. "E aqui a história da Ibéria"...Reconheci logo as inconfundíveis capas verdes da grandiosa Historia de España da Espasa-Calpe, dita de Menéndez Pidal por ter sido este erudito a iniciá-la, já lá vão setenta anos. "Pouca gente em Portugal tem esta obra", assegurou Mário Soares. Pois claro: 65 volumes, 53 mil páginas, 3 876 euros só para os 36 volumes disponíveis (os outros estão esgotados), segundo a editora. E o melhor da investigação espanhola. Querem a síntese mais completa sobre estelas funerárias visigóticas do século VII? Está lá. Está mesmo: consultei-a a fim de aplacar uma maldita dúvida que me caiu, certo dia, sobre a tese de doutoramento. Soares não terá lido essa parte, nem se calhar os 65 volumes. Ninguém lhe leva a mal. Basta que os tenha em casa. Eu li as estelas visigóticas na biblioteca da FCSH, um pombal de donzelas que arrulhavam mutuamente desventuras amorosas a pretexto de invisíveis trabalhos de grupo. Não sou tão culto como o dr. Soares.

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