Um passeio de barco pela Veneza Verde

24-06-2011
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A norte de La Rochelle, o Parque Natural Inter-regional do Marais Poitevin vale um programa autónomo, principalmente para os amantes do turismo de natureza, e da observação de aves. Só lá estivemos um dia, mas foi o suficiente para planearmos lá voltar

A expectativa é grande. O Marais Poitevin, a segunda maior zona húmida de França a seguir à Camarga, na costa mediterrânica, está a dois passos a norte de La Rochelle. Ouvíramos falar dos seus imensos canais, do gosto que as aves migratórias têm em descansar aqui, ano após ano. E tínhamos que lá ir. O sítio, com os seus cem mil hectares (o nosso Parque Nacional da Peneda-Gerês tem pouco mais de 70 mil), moldados ao longo de séculos de domínio do homem sobre as águas do mar e dos rios que desaguam na Baia de Aiguillón, promete. E não desilude, quando chegados à sua zona mais interior, a que por aqui chamam o Marais Mouillé, damos de caras com a vilazinha de Coulon, casas plantadas num naco de terra entre uma rede de 600 quilómetros de canais que, entrecortando os campos, fizeram do barco, durante séculos, o melhor meio de transporte de pessoas e bens.

Os barcos foram usados para levar gado - que pasta em muitas das quadrículas de campos cercadas de água. Serviram, e servem, para transportar madeira, que os choupos que aqui se cultivam em fiadas tem essa finalidade. Mas como as estradas garantiram outras formas de deslocação entre as aldeias, os barcos são hoje principalmente um veículo para carregar os turistas por entre essas ilhas artificiais, o que talvez explique o facto de chamarem a esta zona a Veneza Verde. Uma Veneza onde faltam palácios, substituídos, aqui, por casas brancas, pontuadas pelas suas portadas coloridas em tons mais diversos e quentes que os usados na Ilha de Ré. O que não faltam são "gondoleiros", prontos a levar-nos por estes canais fora.

Seria fácil perdermo-nos se não estivéssemos a ser guiados por um timoneiro experiente, que prolonga a volta para que os jornalistas nada percam do lugar. Mas quem quiser arriscar pode alugar um barco - eles dão-nos um mapa, e cada canal tem um nome - e percorrer silenciosamente estas vias na aurora ou ao entardecer, momentos em que a luz ténue atrai mais animais e esta obra dos homens se confunde melhor com o espaço selvagem que, na verdade, não é. Apesar da biodiversidade que, com os séculos, por aqui se foi instalando, com destaque para as aves, tantas que pedem um guia que nos ajude a identificá-las, estas "ilhas" foram soerguidas com a terra retirada de cada canal para se tornaram habitat do homem e dos seus bichos e árvores de criação: o gado que vemos a pastar, os choupos e os freixos, que nos marginam o caminho.

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Nos prados a perder de vista, entre muitas plantas a merecer atenção, a iris-amarela (Iris pseudacorus) marca presença, nos rebordos da água. E os freixos são podados a metro e meio de altura, para que as vacas possam comer os seu rebentos. Tudo aqui tem um fim. Há áreas para pasto e outras para cultivo. Há campos inundáveis para onde a água é encaminhada nos invernos mais chuvosos, graças a engenhosos sistemas de condução construídos ao longo de séculos, primeiro sob comando de monges, mais tarde com o apoio dos inevitáveis holandeses, peritos nisto de desensopar a terra.

Com todos os conflitos habituais nos dias que correm - há pressões para secar mais áreas para a agricultura, o que altera o regime hidrológico e afecta, por exemplo, os criadores de ostras e mexilhões da Baia de Aiguillon - o parque Interregional do Marais Poitevin lá vai conseguindo manter este sempre frágil equilíbrio. Vale a pena comprar um guia - e o Guide de La Nature Dans Le Marais Poitevin, com belíssimas ilustrações de Benoît Perrotin está à venda em vários sítios - para descobrirmos, na viagem de regresso, como são múltiplos os ecossistemas gerados por esta intromissão do homem no curso das marés, e como é pouco, nesta primeira incursão na região, o tempo que temos para os descobrir.

Rechaçado para longe, o mar surge, calmo e nada vingativo, à medida que atravessamos o Mairais Desséché (área onde estão os campos de cultivo) e nos aproximamos da Baia de Aiguillon, um semi-circulo que, desde o norte de La Rochelle, desenha a costa até ao departamento mais a norte, Vendée. O dia ainda vai alto e há um avião de regresso para apanhar, mas os olhos e os cartões de memoria das máquinas fotográficas ainda guardam espaço para as cores que o sol impõe a esta enseada fortemente vigiada pelos Alemães, na Segunda Guerra. Os bunkers, escondidos no matagal, já não incomodam os pescadores que a partir dos seus abrigos ligados à terra por pontões, vão içando redes, à espera do peixe que há-de vir. Como faziam os homens que, há mais de oito séculos, ganharam de Guilherme X os privilégios que fizeram prosperar La Rochelle.

A norte de La Rochelle, o Parque Natural Inter-regional do Marais Poitevin vale um programa autónomo, principalmente para os amantes do turismo de natureza, e da observação de aves. Só lá estivemos um dia, mas foi o suficiente para planearmos lá voltar

A expectativa é grande. O Marais Poitevin, a segunda maior zona húmida de França a seguir à Camarga, na costa mediterrânica, está a dois passos a norte de La Rochelle. Ouvíramos falar dos seus imensos canais, do gosto que as aves migratórias têm em descansar aqui, ano após ano. E tínhamos que lá ir. O sítio, com os seus cem mil hectares (o nosso Parque Nacional da Peneda-Gerês tem pouco mais de 70 mil), moldados ao longo de séculos de domínio do homem sobre as águas do mar e dos rios que desaguam na Baia de Aiguillón, promete. E não desilude, quando chegados à sua zona mais interior, a que por aqui chamam o Marais Mouillé, damos de caras com a vilazinha de Coulon, casas plantadas num naco de terra entre uma rede de 600 quilómetros de canais que, entrecortando os campos, fizeram do barco, durante séculos, o melhor meio de transporte de pessoas e bens.

Os barcos foram usados para levar gado - que pasta em muitas das quadrículas de campos cercadas de água. Serviram, e servem, para transportar madeira, que os choupos que aqui se cultivam em fiadas tem essa finalidade. Mas como as estradas garantiram outras formas de deslocação entre as aldeias, os barcos são hoje principalmente um veículo para carregar os turistas por entre essas ilhas artificiais, o que talvez explique o facto de chamarem a esta zona a Veneza Verde. Uma Veneza onde faltam palácios, substituídos, aqui, por casas brancas, pontuadas pelas suas portadas coloridas em tons mais diversos e quentes que os usados na Ilha de Ré. O que não faltam são "gondoleiros", prontos a levar-nos por estes canais fora.

Seria fácil perdermo-nos se não estivéssemos a ser guiados por um timoneiro experiente, que prolonga a volta para que os jornalistas nada percam do lugar. Mas quem quiser arriscar pode alugar um barco - eles dão-nos um mapa, e cada canal tem um nome - e percorrer silenciosamente estas vias na aurora ou ao entardecer, momentos em que a luz ténue atrai mais animais e esta obra dos homens se confunde melhor com o espaço selvagem que, na verdade, não é. Apesar da biodiversidade que, com os séculos, por aqui se foi instalando, com destaque para as aves, tantas que pedem um guia que nos ajude a identificá-las, estas "ilhas" foram soerguidas com a terra retirada de cada canal para se tornaram habitat do homem e dos seus bichos e árvores de criação: o gado que vemos a pastar, os choupos e os freixos, que nos marginam o caminho.

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Nos prados a perder de vista, entre muitas plantas a merecer atenção, a iris-amarela (Iris pseudacorus) marca presença, nos rebordos da água. E os freixos são podados a metro e meio de altura, para que as vacas possam comer os seu rebentos. Tudo aqui tem um fim. Há áreas para pasto e outras para cultivo. Há campos inundáveis para onde a água é encaminhada nos invernos mais chuvosos, graças a engenhosos sistemas de condução construídos ao longo de séculos, primeiro sob comando de monges, mais tarde com o apoio dos inevitáveis holandeses, peritos nisto de desensopar a terra.

Com todos os conflitos habituais nos dias que correm - há pressões para secar mais áreas para a agricultura, o que altera o regime hidrológico e afecta, por exemplo, os criadores de ostras e mexilhões da Baia de Aiguillon - o parque Interregional do Marais Poitevin lá vai conseguindo manter este sempre frágil equilíbrio. Vale a pena comprar um guia - e o Guide de La Nature Dans Le Marais Poitevin, com belíssimas ilustrações de Benoît Perrotin está à venda em vários sítios - para descobrirmos, na viagem de regresso, como são múltiplos os ecossistemas gerados por esta intromissão do homem no curso das marés, e como é pouco, nesta primeira incursão na região, o tempo que temos para os descobrir.

Rechaçado para longe, o mar surge, calmo e nada vingativo, à medida que atravessamos o Mairais Desséché (área onde estão os campos de cultivo) e nos aproximamos da Baia de Aiguillon, um semi-circulo que, desde o norte de La Rochelle, desenha a costa até ao departamento mais a norte, Vendée. O dia ainda vai alto e há um avião de regresso para apanhar, mas os olhos e os cartões de memoria das máquinas fotográficas ainda guardam espaço para as cores que o sol impõe a esta enseada fortemente vigiada pelos Alemães, na Segunda Guerra. Os bunkers, escondidos no matagal, já não incomodam os pescadores que a partir dos seus abrigos ligados à terra por pontões, vão içando redes, à espera do peixe que há-de vir. Como faziam os homens que, há mais de oito séculos, ganharam de Guilherme X os privilégios que fizeram prosperar La Rochelle.

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